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Por Ana Carolina Coelho. Feminista, mãe, escritora, poeta, dançarina, plantadora de árvores, pesquisadora e professora universitária
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Cansaço materno: fui sendo exaurida de mim, mas seguia cuidando de tudo

O relato de uma mãe que, de tanto resistir ao descanso, foi parar no hospital. "O meu corpo avisou claramente: vá deitar", escreve Ana Carolina Coelho

Por Ana Carolina Coelho
Atualizado em 26 out 2020, 14h10 - Publicado em 26 out 2020, 14h10

“Estou cansada, muito cansada”, essa tem sido a frase mais dita e escrita pelas mães em todas as épocas, mas em especial nesse ano de 2020. Eu, como não sou diferente, falava e escrevia isso para as pessoas e me mantinha com uma série quase infinita de atividades, tarefas, compromissos e prazos: tudo agendado e esquematizado para não haver falhas. Todo e qualquer imprevisto era devidamente readequado e realocado. Eu fui sendo exaurida de mim, mas continuava cuidando de tudo e de todas as pessoas, trabalhando e produzindo.

Finalmente, a exaustão ganhou da resistência e eu fui parar num hospital cheio, fazendo exames neurológicos apavorantes para descartar “qualquer tipo de ruptura de veias no pescoço ou mesmo alguma lesão cerebral, embora você não esteja apresentando sinais de AVC”, conforme palavras médicas. Essas suspeitas diagnósticas foram levantadas a partir do meu relato de cansaço, estresse, tensão,  esforço físico e emocional intensos, constantes dores de cabeça  e uma repentina e lancinante dor no pescoço que me fez cair para trás, naquele dia,  enquanto eu explicava o dever de casa para uma de minhas filhas.

Eu tinha uma live à noite e meus pensamentos no hospital, até então, ainda oscilavam entre a preocupação em chegar em casa a tempo de manter meu compromisso profissional e se as crianças tinham jantado. Alguém chamou “mãe” no pronto-socorro e eu procurei atentamente as crianças no hall de entrada, mesmo sabendo que elas não foram conosco.

Minhas filhas foram levadas às pressas para a casa da avó e estavam seguras; meu marido parecia um soldado em estado de prontidão e, enquanto eu ouvia o médico plantonista na consulta de emergência, meu cérebro vagava descartando a seriedade e a importância da bateria de testes solicitada, concentrado em manter “as coisas em ordem” e “minhas responsabilidades” em dia. Até a “bolinha vermelha” ser colada nos exames – um método de classificação no qual vermelho significa “urgência imediata” de realização e resultados – eu pensava: “EU TINHA PLANEJADO DESCANSAR NO FINAL DE SEMANA; HOJE É SEXTA-FEIRA; EU JÁ AGENDEI O DESCANSO….PARA QUÊ ISSO, CORPO?” Era só esperar mais um dia, seguir a agenda e eu descansaria. Parece piada, certo? Mas essa foi a versão resumida de um grande susto que eu vivi na sexta-feira passada.

Aparentemente meu corpo não recebeu o memorando com a minha agenda e controle de atividades semanais e decidiu, por conta própria, que era hora de parar. Eu, em vez de prestar atenção nas dores, que estavam cada vez mais intensas ao longo da semana, ignorei os sinais e segui meu planejamento. Afinal, eu fui cautelosa e programei, inclusive, um “tempo de descanso”.

Eu me senti traída pelo meu suporte físico e fracassada. Eu tinha que dar conta! Era só mais um dia! Como ia faltar a um compromisso profissional? Logo o último, para fechar a semana e nem o jantar das crianças eu tinha colocado! Ou seja, meu adoecimento atrapalhava a vida de muitas pessoas. Eu estava falhando em conciliar todas as demandas e ser plenamente todas as faces escolhidas por mim como mulher. E de repente, eu estava em uma máquina de ressonância recebendo contraste venoso, assustada porque uma veia que alimenta meu cérebro podia TER ESTOURADO!!! COMO ASSIM??? “Eu não estava tão cansada ou tão estressada, é claro que eu estava lidando com tudo muito bem e todo mundo está reclamando de exaustão, então, não poderia ser nada demais.” Mas era. O meu corpo avisou claramente: vá deitar!

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Enquanto eu ouvia as recomendações médicas, eu continuava a pensar: comida, compras, roupas, banho, limpeza, arrumação, bichos. Nenhum desses cuidados pode ficar simplesmente sem serem realizados todos os dias. Como conciliar o cuidado comigo e o cuidado com os outros? Essa é a questão basilar das mães. A resposta de 1 milhão de dólares. Eu chorei.  E me senti arrasada.

Todas as coisas que eu estava fazendo são escolhas minhas e eu não quero ter que renunciar a nada. Eu gosto de ser todas elas. A ideia de que algo mais grave poderia ter acontecido me atemorizava porque, principalmente, crianças dependem de mim. Eu e meu corpo não pertencemos mais apenas às minhas vontades e desejos. E eu queria poder escrever agora que realizei todas as tarefas que precisava e tive um final de semana leve e que tudo deu certo. A história não foi bem assim.

Avisei às pessoas amigas e reduzi minhas atividades profissionais ao mínimo que pude. Recebi apoio e carinho e precisei me render ao fato de que, algumas coisas ficarão sujas e inacabadas e terão que esperar. Ou simplesmente não acontecerão mesmo. Os dias continuam bem bagunçados e sem rotina, repletos de “vamos resolvendo conforme acontece”.

Além do cansaço físico, mães sofrem muito com essa ideia de que são pouco capazes de realizar todos os planos e projetos imaginados. Nós, mães, queremos que a vida funcione conforme nossos planos e aprendemos que precisamos controlar e organizar. A exaustão, companheira de tantas madrugadas de trabalho, infalivelmente, cobra seu preço em nossos corpos.

A grande questão é que estamos vivendo uma sobrecarga de lógica matemática de “E” em vez de “OU”: o primeiro termo “E” é aditivo obrigatório na sentença e o segundo “OU”, para a probabilidade, pode ser tanto um aditivo quanto um excludente nas operações. Eu sempre gostei desse “OU” matemático porque ele abre possibilidades filosóficas para a vida: em alguns casos somamos e, em outros, podemos escolher retirar algo. A falta da escolha aniquila a existência da mulher dentro da mãe e afoga o maternar em oceanos de solidão.

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Felizmente meu quadro clínico é estável e, como disse um grande amigo essa semana, “se não tem como (des)cansar, por favor, aprenda a ‘se cuidar’”. Ou seja, deixe algumas coisas sem finalizar e/ou sujas pelo caminho. Você é mais importante do que elas. Pense em projetos apenas para os próximos anos. Tenha ideias, mas não as tire do papel agora. Eu entendi que preciso aprender a ser semente e esperar as próximas chuvas. A primavera começou, mas como boa plantadora de árvores, tenho que aprender a reconhecer meus invernos.

No dia seguinte, minha filha mais velha me perguntou: “Mamãe, você está melhor?” e eu disse que sim, mas que eu precisava repousar para sentir menos dores. E ela me respondeu: “Quem luta fica cansada mesmo. Você luta todo dia, mãe. Vai dormir um pouco, estamos bem aqui!” e saiu pulando e brincando. O fracasso se dissolveu dentro de mim como um remédio efervescente imediato. A minha pequena flor do cerrado, como sempre, foi brilhante em traduzir o que as mães têm vivido nos últimos meses na pandemia e o que é preciso para continuarmos adiante: luta, apoio e cuidado.

Somos, as mães, super cobradas para atendermos apenas as existências externas. Uma devoção abnegada que, em geral, leva a amarguras, desistências ou adoecimentos. Escolher ser mãe não é renunciar à própria existência e sequer aos sonhos. É um “Ou” aditivo. Se viver é uma escolha constante é preciso encontrar novos caminhos: um equilíbrio tênue entre aprender a “se cuidar”, sem cair nas armadilhas das culpas, do sofrimento e das amarras históricas que martelam a falsa noção de que somos uma “falha constante” e um doar de si que não arranque alegrias e lascas de nossas almas. Esse talvez seja o grande desafio da balança materna entre o “o si e os outros”.

Precisamos reconhecer as vozes das pressões sociais que insistem em tentar diminuir nossa potência, dizendo que “mães não são tão capazes assim”. É extenuante e perverso viver nessa armadilha de dedicação extrema para comprovar que somos competentes. Não precisamos provar nada. E, muitas vezes, a internalização desses discursos que querem nos silenciar – a nossa auto cobrança – é nossa pior inimiga. Não somos remendos tentando fazer as coisas direito: somos inteiras e já somos as nossas melhores versões: mulheres de luta e de força… e tudo isso cansa. E é preciso saber parar mesmo.

“Estamos bem”: minha filha tem total razão. E pouco importa que tudo esteja fora do planejamento. Amanhã a gente decide mais um pouco sobre o dia. Vai ser caótico, desorganizado e meio pela metade. E eu faço questão de estar aqui nessa confusão. Viver é sempre melhor que a outra opção. Cuidem-se!

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