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Mulheres com filhos vivem situações constrangedoras nos apps de paquera

Muitos homens resistem em levar adiante a paquera com mulheres com filhos e até fogem da relação se ficam sabendo das crianças depois

Por Isabella D'Ercole Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
23 ago 2021, 16h00

André: Oi, boa noite. Tudo bem?

Paula: Boa noite, tudo e você?

André: Também. Onde você mora?

Paula: No Centro, e você?

André: Mais ou menos perto. Você tem filho?

Paula: Tenho uma menina de 9 anos.

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André: Ah, sem disponibilidade ou tempo
pra relacionamentos.

 

O

diálogo acima é baseado em fatos reais e aconteceu com uma das mulheres que aparecem nessa matéria. Mas experiências semelhantes são bastante comuns nos aplicativos de relacionamento. Não é de hoje que esse meio de paquera ganha impulso.

Desde antes dos smartphones agilizarem até a vida romântica, já existiam sites pagos, acessados através de computadores e notebooks, que conectavam pessoas com interesses em comum. Bastava fazer um perfil, sinalizar seus gostos e o algoritmo continuava o trabalho para você.

Hoje, é um pouco diferente. Os algoritmos permitem que você escolha muitas características das pessoas que deseja ver na sua tela e também rastreiam quem está próximo, tornando mais fácil o xaveco evoluir do virtual para o real. Nos últimos anos, como se sabe, os meios digitais de paquera ganharam enorme impulso – na pandemia, o resultado foi ainda mais intenso.

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Para as mulheres com mais de 40 anos e filhos, a mudança foi benéfica. “Quando me inscrevi num aplicativo, eu não tinha tempo de sair, não sabia em quais bares rolava a night. O meu filho tinha 4 anos na época. Dependia de ser apresentada a alguém pelos amigos”, conta a psicóloga Alessandra Bonaccorsi, 48 anos, do Rio de Janeiro.

Ela acumulou um ano de experiências conversando e conhecendo homens. Hoje, cinco anos depois, conta as histórias rindo. Mas foi nesse cenário que encontrou o atual namorado, com quem está há quatro anos e vai morar junto em breve.

Veja também: Ela criou o Bumble, app de relacionamento em que a mulher começa o papo

O primeiro contato de Alessandra com um aplicativo de relacionamento foi impulsionado por uma amiga. “Ela ficou me contando histórias de conhecidas que tinham se casado com homens que conheceram no aplicativo e me inscreveu. Achei muito divertido no começo. Eu ficava horas lendo os perfis. Aparecia cada coisa, tinha homem de 19 anos a idoso, tinha quem anunciasse que era casado e estava em busca de um caso mesmo”, lembra ela.

“Não dá para o cara achar que vai competir por atenção e disponibilidade com uma criança. São amores e compromissos diferentes”

Alessandra Bonaccorsi, psicóloga
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Já o seu perfil reunia as informações que ela considerava essenciais. Logo de cara, contava que tinha um filho pequeno que morava com ela. Escolheu uma foto atual e oferecia um “approach” sincerão. “Eu falava: ‘Olha, eu tenho essa altura, esse peso, barriga de quem já teve um filho e eu não vou mudar. Sou assim. Essa é minha foto de agora, não de anos atrás. Não tinha tempo a perder.”

Alessandra estima que a cada 100 homens que viam seu perfil, apenas três aceitavam a informação sobre o filho e iam adiante com o papo. Ainda assim, ela conversou com bastante gente e combinou alguns cafés com pessoas que pareciam ter sintonia com ela e seu estilo de vida.

“Claro que você vive todo tipo de situação. Já teve vez de eu chegar no encontro marcado e o cara ser outra pessoa que não a da foto do aplicativo. Uma vez, fui até o banheiro e pedi para minha irmã me ligar com uma desculpa para eu poder ir embora. Aí fiz uma cena e saí. Estava muito desagradável, um climão, silêncio constrangedor, a gente não tinha nada a ver. E teve um cara que a gente até beijou e logo em seguida eu falei: ‘Não encaixou, né?’. Ele concordou, tomamos mais um drinque e fomos embora cada um pro seu canto”, diz ela.

Quanto à maternidade, de todos os episódios, um a marcou muito. Certa vez, começou a sair com um homem mais velho, que tinha dois filhos adultos. “A gente se deu muito bem, começamos a namorar e apresentei ele para o meu filho. Depois disso, durou um mês e meio. Ele foi se distanciando. Não falou nada, mas eu entendi pelas situações. Ele tinha uma casa linda, daquelas decoradas e meu filho, pequeno, queria brincar em cima do sofá, pedia para ele entrar junto na piscina. Eu lembro uma vez que peguei meu filho comendo macarrão numa poltrona e ele derrubou molho no tecido. O cara pirou! Acho que ele já tinha passado dessa fase na vida dele e não queria começar de novo”, conta a psicóloga, que é compreensiva com a atitude.

Veja também: Dating burnout, a exaustão dos usuários de apps durante a pandemia

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“Eu entendo o lado de lá. Ter filho é um compromisso e uma escolha, nem todo mundo está a fim. A verdade é que meu filho é minha prioridade, então tem festinha infantil de sábado que eu tenho que ir, levo no parquinho, tenho que sair mais cedo do bar ou restaurante para colocá-lo para dormir. Eu vou me virando como posso, mas não dá para o cara achar que ele vai competir por atenção ou disponibilidade com uma criança. São amores e compromissos diferentes”, defende.

Realidade feminina

Uma pesquisa exclusiva do aplicativo Inner Circle feita para CLAUDIA revela que a experiência de Alessandra se aproxima da vivida pela maioria das usuárias com mais de 40 anos e mães no aplicativo. Os dados mostram que a esmagadora maioria (81,9%) procura um relacionamento sério e 89,6% preferem revelar logo no perfil que são mães, mesmo estando a par do tabu que existe em torno de mulheres com filhos.

Para 57,3% delas, encontrar tempo para se relacionar é um grande desafio na rotina. Solteiras há mais de um ano (66,8%), são objetivas em suas buscas e investem menos de uma hora por semana (45%) nos apps de relacionamento. Apesar disso, 54% das entrevistadas viram as interações crescer durante a pandemia e 67% notaram que gastam mais tempo nos aplicativos do tipo.

Para apenas 10%, a coisa mais importante é que o outro tenha filhos. As características que mais atraem as mulheres em um possível parceiro são: caráter (94,8%), inteligência (73,7%), gentileza (72%), senso de humor (63,1%), compatibilidade (61,6%) e aparência (42,7%).

colagem de celular com imagem de homem com cabeça de dinossauro e taça de vidro quebrada
(Karoline Souza (@r_umine)/CLAUDIA)

Segundo a jornalista e escritora paulista Renata Rode, 45 anos, do lado masculino a história é um pouco diferente. Para ela, há um roteiro que os homens seguem durante as conversas, como se eliminasse itens de uma lista. “A primeira coisa que perguntam é a distância e, se for longe, eles somem. Depois, se tem filho, o que gosta de fazer. Isso é como um teste pra saber se você tem tempo disponível. Aí questionam altura e peso. Parece um dossiê”, diz.

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A carioca Luciana* concorda. Morando na Zona Norte do Rio de Janeiro, ela acredita que o endereço desmotiva mais os homens do que a revelação de que ela tem uma filha. “Elimina quase 90% dos meus likes”, chuta ela, que já namorou três homens que conheceu em aplicativos e há quatro anos migra entre as opções disponíveis.

Veja também: Fadiga pandêmica atinge as mulheres e só deve piorar

O namorado mais recente pediu que Luciana mentisse sobre o lugar onde tinham se conhecido quando encontrasse os pais dele. “Ele era piloto e combinamos de falar que havíamos nos encontrado no aeroporto”, lembra. “Quando a relação acabou, descobri que ele é figurinha carimbada nos aplicativos e usa sempre o mesmo papo com todas”, completa.

Aos 41 anos, Luciana não se recorda de ter ouvido abertamente de um homem no aplicativo que a maternidade seria um problema. “Mas já aconteceu de sumirem depois de perguntar sobre a rotina e eu mencionar minha filha. Era um rapaz 10 anos mais jovem e ele interrompeu uma conversa que estava fluindo bem”, revela ela, que evita comentar com familiares sobre essa parte de sua vida.

O tempo certo

As relações amorosas sempre foram repletas de nuances e adversidades. O que acontece nos aplicativos não é exatamente novo, apenas uma transposição de cenas que antes se passavam após as mulheres conhecerem alguém no bar, no escritório, na academia, entre outros.

81,9% das mulheres que responderam nossa pesquisa afirmam que estão nos aplicativos procurando um relacionamento sério

O problema não é o meio, mas o machismo implícito nas relações e estruturas da sociedade. “Já tive muita química com um cara, a gente estava iniciando um namoro, mas ele disse que não tinha interesse em ficar sério com alguém que tinha filho. Detalhe: ele também era pai! Acho que é uma manifestação do machismo, ele pensou que teria que ‘assumir’ filho de alguém, coisa que não é nem de longe verdade”, fala Renata.

Alessandra encarou da mesma forma a decisão de um homem, recém-viúvo, com quem saiu. “Ele tinha uma filha e acho que pensou que não daria conta de criar o meu pequeno também. Mas eu não tinha pedido isso para ele. Acho que existe uma confusão masculina, dos homens acharem que estamos buscando alguém para ser padrasto. Talvez ele que quisesse uma madrasta para a filha dele”, reflete a psicóloga.

Renata acredita que, para além da maternidade, sua independência e autonomia também podem assustar os homens. “Sou bem direta. Quando começo a conversar com alguém e vejo que temos interesses em comum, que o papo está evoluindo e vamos passar para o WhatsApp, já explico logo quais são as minhas regras. É um discurso pronto. Falo que estou em busca de um relacionamento sério e que, nos primeiro encontros, não divido conta. Não é que eu não possa pagar, mas é um galanteio masculino que me agrada”, explica.

“Eles acham que o aplicativo é um menu de ofertas. Olham o visual, agora podem até conferir se a pessoa está vacinada ou não. Acredito que confundam o imediatismo do meio do aplicativo, a internet, com o tempo da relação entre duas pessoas”

Renata Rode, jornalista

 

Há cinco anos nos aplicativos – também migrando de um para o outro –, a jornalista acredita que certas precauções são essenciais para garantir uma experiência positiva. A autora de Separado e Daí? (Parêntese) não revela o endereço e não apresenta ninguém à filha.

Também exige o uso correto do português como nota de corte – um ponto também reforçado por Alessandra. Mesmo com tantos cuidados, ela não conseguiu evitar situações negativas. Lembra-se de uma vez que, com pé atrás, aceitou sair com um homem e tomou um bolo.

“Eu tinha certeza que ele estava mentindo para mim e quis pagar para ver”, conta. Também já ganhou muitos amigos, homens com quem conversou, foi jantar e ambos concluíram que a relação era melhor na amizade. “Hoje, eu não sairia dos aplicativos, porque me divirto e acho que tem algumas pessoas legais, mas também ganhei maturidade para encarar as coisas que acontecem de outra forma”, justifica.

colagem de celular com carrinho de bebê
(Karoline Souza (@r_umine)/CLAUDIA)

O timing é um fator crucial nas relações – on e offline – especialmente quando há mais do que um par envolvido. “Eu conversei mais de um mês com o meu atual namorado no aplicativo antes da gente migrar para o WhatsApp. Aí fomos almoçar, conversamos. Depois, fomos andar de bicicleta. Foi uma trajetória bem lenta, respeitando os tempos de todo mundo. Ele também tem uma filha, adolescente. Primeiro vimos se ela gostava de mim e se nos dávamos bem, aí ele conheceu meu filho e observamos como ia. Por fim, apresentamos nossos filhos um ao outro. Foram tantos critérios e passos até sabermos que ia dar certo. Podia ter dado errado em qualquer um desses degraus. Mas encaixou e nós quatro passamos bastante tempo juntos”, divide Alessandra.

Veja também: Webnamorar nunca foi tão conveniente para corações solitários como agora

Segundo Renata, nesse ponto, o grande problema feminino é a carência, que, muitas vezes, leva as mulheres a aceitar situações injustificáveis. Já do lado masculino, ela acredita que a visão deles sobre o uso dos apps seja justamente o problema. “Eles acham que o aplicativo é um menu de ofertas. Olham o visual, agora podem até conferir se a pessoa está vacinada ou não. Acredito que confundam o imediatismo do meio do aplicativo, a internet, com o tempo da relação entre duas pessoas”, sugere ela, que compartilha com algumas amigas as experiências vividas.

“A gente brinca que tem vários tipos. Normalmente, um homem que tem mais de 50 anos e nunca teve um casamento ou filhos, costuma ser sinônimo de problema. Aí tem também o crush porteiro, que é aquele que dá bom dia, boa tarde, boa noite mas nunca evolui disso para algo a mais”, fala rindo.

“Eu não vou desistir, porque, mesmo depois de dois casamentos, eu ainda acredito no amor. Também estou mais calma, sei que virá no tempo certo. Até lá, vou me divertindo com o que vejo e evitando os desagradáveis”, conta.

Alessandra concorda. “Não pode ser afoita, tem que ir juntando as histórias. Tem gente legal no aplicativo e no mundo, só precisa esperar elas aparecerem e ter paciência enquanto isso”, fala otimista. No âmbito virtual ou real, a maternidade não deve ser usada como obstáculo contra a felicidade da mulher. Por mais homens que entendam isso e saibam oferecer carinho, prazer e, quem sabe, até amor duradouro aos seus matches.

*Nome trocado a pedido da entrevistada

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