Emoções ao volante
Conheça as aventuras da taxista Leona e seus passageiros, pelas movimentadas ruas de São Paulo.
Saiba tudo o que acontece no táxi de Leona.
Ilustração: Ana Bento
Todos me olhavam de um jeito esquisito assim que entravam no carro. Os homens pareciam assustados. As mulheres, preocupadas. Mas eu não me incomodava. Desde o dia em que me decidi em ser uma taxista já imaginava que as pessoas estranhariam ver uma mulher os conduzindo pelas ruas perigosas de São Paulo. Ainda mais uma mulher nova e bem cuidada como eu!
Foi com cara de surpresa que Fernando, um jovem executivo, entrou em meu táxi naquela manhã nublada. Ele queria ir à cidade e estava com bastante pressa. Quando fez sinal, parei para pegá-lo. Dentro do carro, o moço parecia bastante agitado. “Vai chover mais tarde, né?”, me perguntou, querendo puxar conversa. Aliás, falar sobre as condições do tempo era o papo preferido de muitos passageiros. Na maioria das vezes comentavam sobre o sol, o frio, a chuva, as nuvens, o calor, etc… Eu sempre respondia como se tivesse algum conhecimento sobre meteorologia: “Acho que vai chover, sim”, devolvia, simpática. Alguns se contentavam com a resposta. Outros queriam estender o papo. Fernando escolheu a segunda opção. “Você é taxista há muito tempo?”, perguntou. Eu o encarei pelo retrovisor e, rapidamente, dei uma olhada em seu visual. Usava gravata de seda, terno bem cortado e gel no cabelo. Devia ter uns 30 anos, no máximo. “Há seis anos”, respondi, educada. Ele sorriu. Provavelmente, estava pensando na próxima pergunta. Ela demorou alguns segundos para chegar. “Já levou alguma multa?”. Eu achei a pergunta engraçada, até mesmo um pouco preconceituosa, mas desencanei: “Nunca, sou muito cuidadosa!”.
Por causa de uma garoa fininha que caía, o trânsito estava caótico. Dezenas de carros se emparelhavam na avenida na tentativa de chegar a seus destinos. A poluição, as buzinas, os pedestres atravessando fora da faixa e a pista molhada só pioraram a situação. “Eu vou chegar atrasado à reunião!” murmurou, bastante preocupado. “Qual sua graça?” falou, de repente. “Me chamo Leona”, devolvi, tensa, porque havia acabado de levar uma fechada de um ônibus. “Eles não te respeitam, né?”, notou. Eu concordei. O celular dele tocou. “Fernando, falando”, saudou, revelando a meus ouvidos atentos seu nome.
Fernando falava nervosamente ao telefone. “Mas eu cumpri minhas metas. Se as vendas foram ruins, a culpa não é minha!”, protestou, quase gritando. Por cinco minutos, discutiu com a pessoa do outro lado do aparelho. Quando desligou, ainda estava bastante alterado. Eu fiquei na minha. “Puxa, a gente faz de tudo pelo nosso trabalho e recebe de volta tanta ingratidão, caramba!”, reclamou. Eu fiquei quieta. Não demorou cinco minutos, o celular dele tocou novamente. E a sessão de gritos recomeçou. Seu rosto ficou vermelho e sua respiração se tornou muito mais pesada. Fernando abriu a pasta 007 e começou a folhear uma agenda. Fez anotações enquanto justificava algumas contas para o interlocutor. Desligou o aparelho, fechou os olhos e soluçou. Parecia querer chorar. Por instantes, por trás de todo aquele visual de jovem executivo bem-sucedido, me pareceu um ser tão frágil quanto uma criança perdida. “Pode parar aqui!”, disse, apontando para a entrada de um edifício. Ele me pagou e desceu. “Bom-dia!” murmurou. Acelerei e pelo retrovisor o vi parado na calçada. Fernando estava chorando. Senti dó mas prossegui em meu itinerário, pronta para pegar outro passageiro.