Ciúmes na relação: o que está por trás do medo de traição e como controlar
Apesar de comum, a linha entre o que podemos considerar natural e prejudicial é tênue
Todos nós já sentimos ciúmes de algo ou alguém. Sabe aquele leve desconforto que experimentamos ao pensar na possibilidade de perder algo importante? É exatamente sobre isso que estamos falando. Dentro de certos cenários, como a monogamia, tal sentimento é bastante natural (e até mesmo inevitável). Contudo, precisamos estar atentos à frequência e intensidade deste sentimento. Ninguém merece viver num estado de dúvidas e desconfiança o tempo inteiro, né?
E quando acrescentamos os relacionamentos afetivos, o papo é ainda mais sério. Pode parecer coisa boba — ou uma romântica prova de amor —, mas o ciúmes em doses exageradas acaba revelando questões mal trabalhadas de autoestima, senso de pertencimento e por aí vai.
Para esclarecer todos esses pontos, CLAUDIA entrevistou a psicóloga Alessandra Kovac (@alessandrakovackansaou), que nos ensina a compreender o que está por trás deste sentimento (e como controlá-lo). Veja a seguir:
Como a psicologia enxerga o ciúmes?
Antes de mais nada, Alessandra esclarece que o ciúmes é um sentimento tão comum quanto qualquer outro: “Ele não é positivo ou negativo. É apenas normal, pois faz parte do ser humano. A psicologia o define como uma reação de angústia provocada pela possibilidade de perdermos algo importante para nós. Só podemos ficar enciumados diante daquilo que possui valor afetivo e emocional”, diz.
Quando o ciúmes deixa de ser saudável?
Sim, há uma parte fofa nessa história: o ciúmes só acontece quando nos importamos com algo. Porém, a linha entre o que é saudável e prejudicial é tênue. De acordo com Alessandra, quando tal sentimento é provocado por um estímulo externo — ou seja, existe uma razão palpável para que ele esteja acontecendo —, estamos falando sobre um cenário habitual.
Todavia, caso você se sinta dominada pelo medo da perda sem motivos específicos, há uma grande chance de outras questões (que não dizem respeito ao outro) estarem envolvidas: “Também não podemos esquecer que a intensidade dita o ‘ser ou não saudável’. Se há sofrimento envolvido, não é benéfico”, afirma.
Ciúmes não é prova de amor
Todo mundo já ouviu falar que “quem ama sente ciúmes”. É uma declaração clássica. Porém, de um ponto de vista psicológico, tal análise é bastante superficial. “Nem todo mundo que ama sente ciúmes, e nem todos que sentem ciúmes amam. Às vezes, as pessoas apenas valorizam o senso de posse”, pontua a especialista.
Segundo a psicóloga, não ter ciúmes pode significar que o indivíduo está seguro em relação ao vínculo amoroso e a si mesmo. “É uma questão de se priorizar. Confiar tanto em quem somos quanto no outro traz leveza e conforto”, explica. Infelizmente, a sociedade como um todo continua valorizando padrões comportamentais que transformam quaisquer relacionamentos em grandes fardos. Se for fácil, não é verdadeiro. A dificuldade é vangloriada.
Kovac esclarece que tal raciocínio pode estar conectado à questões de baixa autoestima: “Quando somos inseguros e sem autoconhecimento, tendemos a não nos valorizar. Não nos apropriamos dos nossos desejos. E, com isso, acabamos por desenvolver uma necessidade de nos sentirmos ‘completados’. É como se o outro precisasse preencher os nossos vazios. E aí, nestes casos, o ciúmes é gigantesco. Novamente, isso não tem nada a ver com o amor, e sim com a sua relação consigo mesma”, reitera.
Como controlar o ciúmes
A seguir, Alessandra Kovac dá dicas sobre como dosar e controlar o ciúmes no dia a dia:
Entenda que você é completa
Segundo a especialista, a ideia de que o outro irá completar quem somos contribui para o ciúmes patológico: “Nestes casos, a pessoa está com medo de perder a si mesma, não o outro. Eu até brinco que as metades da laranja só são bonitas na música do Fábio Jr. O que realmente funciona são duas laranjas inteiras que querem estar na mesma cesta”, brinca.
Portanto, aposte na individualidade: “Quando não estamos inteiros, a dependência fica muito forte. E aí o medo de perder o outro e a paranoia acabam se tornando insustentáveis.”
Equilibre razão e emoção
Razão e emoção são os dois grandes polos do psiquismo humano. Porém, a especialista explica que tendemos a funcionar mais no modo emocional do que no racional. “Reflita sobre o porquê do ciúmes. Qual é a causa? Há questões internas envolvidas ou o outro é o único responsável pelo sentimento? Há um motivo claro para a desconfiança? Estou me relacionando com alguém que já possui um histórico de traições? Todos esses questionamentos irão te ajudar a racionalizar, controlar e até mesmo diminuir a intensidade do ciúmes”, indica.
Para a psicóloga, entender os nossos sentimentos é a base para não sermos dominados por eles.
Reavalie a relação e aposte no diálogo
Se o ciúmes for frequente, Kovac aconselha refletir se a relação está realmente valendo a pena. Caso a resposta seja positiva, vá para o diálogo: “Quanto mais vocês conversarem, mais fácil será de resolver desentendimentos. Os medos vivem dentro de nossas cabeças, e precisamos colocá-los para fora, pois o outro não conseguirá adivinhar o que estamos pensando”, relembra a psicóloga. Quando tiramos as “minhocas” da cabeça, conseguimos reduzir a sensação de insegurança.
Busque autoconhecimento
Alessandra declara que o autoconhecimento é o melhor remédio para todas as nossas questões. “Pensar, agir e sentir parecem coisas muito automáticas no dia a dia, mas não são. Existe todo um fundamento psíquico que configura as nossas reações. Então se questione, busque respostas, se posicione nas relações. Se priorize para sair dessa posição de ser controlada pelos sentimentos”, diz.
Controle a impulsividade
Por fim, quando o ciúmes chegar naquele ponto em que estamos subindo pelas paredes, o mais indicado é aquele básico: sentar, respirar e esperar. “É sempre interessante entender que resolver as coisas no impulso geralmente não costuma trazer bons resultados. Se estabilize internamente para reagir. Este é o ideal: dê um tempo para si mesma, se reorganize mentalmente e só depois expresse o que precisa ser dito. Mas não vou mentir: isso é muito difícil”, conclui.