O novo filme do diretor Pedro Almodóvar, O Quarto ao Lado, ressalta o poder da amizade na vida de cada um de nós. Na história, Martha sofre com uma doença incurável e decide realizar a eutanásia. Nos seus últimos dias de vida, ela pede a companhia de uma amiga de longa data, Ingrid. Juntas, elas criam momentos de afeto e cuidado em meio a um turbilhão de dificuldades.
“A amizade está presente em todas as relações. Ela tem um lugar fundamental nas nossas vidas porque é um amor escolhido e construído com raízes no diálogo e nas diferenças. É a partir disso que nos tornamos humanos”, explica a psicóloga Magda Tartarotti.
Relacionamentos amorosos são tidos como ápice da felicidade
Mas, apesar de serem fundamentais para o nosso bem-estar, essas relações podem ficar em segundo plano quando comparadas aos relacionamentos amorosos. Isso porque a sociedade define esse envolvimento como o ápice da realização pessoal e fonte máxima de felicidade.
Segundo a especialista, nós fomos ensinados que quem possui um parceiro tem algo bom e se torna uma pessoa feliz, sem dificuldade. “Ele pode suplantar nossos desejos e nos salvar de necessidades e frustrações. O amigo, por sua vez, não é fonte de tanta ilusão – é mais humano.”
Essa ideia, porém, não é nova. Filmes, livros e a própria cultura popular frequentemente retratam o romance como um objetivo a ser seguido. Com isso, somos levados a acreditar que ele deve ocupar o centro de nossas vidas. Tanto que, geralmente, investimos mais tempo e energia em encontrar e manter um namoro do que em nutrir laços profundos com pessoas que estão ao nosso redor.
Cultura propaga ideais misóginos
“O lugar da mulher sempre esteve baseado nos critérios de servidão. Culturalmente, a família, o homem e os serviços domésticos devem vir em primeiro lugar. É por isso que, ao nascer, logo nos apresentam os contos de fada – que lembram o papel de subserviência feminina. E a concepção do amor romântico pesa no nosso papel social”, reflete Magda.
Imediatismo e medo da solidão
Além disso, o tempo e a energia são recursos limitados, e, na tentativa de equilibrar várias áreas da vida, priorizar relacionamentos amorosos pode ser visto como mais “natural” ou “necessário”. O medo da solidão e a pressão para atender a expectativas externas também contribuem para essa escolha.
“Quando jovens e adolescentes, precisamos estar inseridos em grupos. Mas, na fase adulta, ocorre um distanciamento por motivos diversos, como a necessidade de maior dedicação à família, trabalho e a correria urbana. É comum, mas não é recomendado. Precisamos tomar cuidado com o exílio social.”
Essa hierarquia de valores merece ser repensada. Afinal, as amizades são relações que resistem ao tempo e às mudanças, proporcionando suporte e lealdade em todas as fases da vida.
“Nós somos seres coletivos, nos humanizamos a partir das relações. O amor é uma necessidade básica, nele está contido o cuidado. Um casal não pode ser uma fusão, ambas as partes precisam preservar sua individualidade para manterem uma boa relação”, conclui a psicóloga.
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