Nos momentos de maior dificuldade, estas mulheres encontraram solidariedade e apoio em irmãs, amigas e colegas. As histórias de sororidade mostram que ninguém precisa (nem deve) encarar desafios sozinha
Muito mais que família
Quando nasceu, Letícia Veloso virou a boneca da irmã Taciana, sete anos mais velha. A relação de cuidado e proteção se prolongou até a vida adulta. Em 2001, Letícia, que trabalhava com pesquisa de mercado, sentia-se infeliz profissionalmente. Taciana então propôs que ela cobrisse a licença-maternidade de uma funcionária de sua empresa de relações-públicas – uma das mais respeitadas do mercado.
O bom desempenho da caçula, que hoje tem 35 anos, transformou a vaga temporária em fixa e, em 2008, em um convite para entrar na sociedade da companhia. “Ela tem o olhar atento ao novo. Somos complementares”, diz a mais velha. Letícia credita à irmã o que sabe hoje: “Taci abriu minha cabeça para outras possibilidades. Com certeza, tomamos as melhores decisões quando estamos juntas”. A parceria se estende para além do escritório: no ano passado, Taciana foi madrinha de casamento da caçula. “Confiamos uma na outra”, comemora Taciana.
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Vínculo renovado pelo esporte
Em 2014, depois do rompimento de um relacionamento de 14 anos, a psicóloga Maria Luisa de Araújo, 52 anos, se viu totalmente desmotivada. Deixou de lado até mesmo a paixão pela dança. A filha, Kauana, se sentia incapaz de ajudar. “Eu me achava imatura para oferecer conselhos amorosos. Além disso, as palavras de apoio não surtiam mais efeito”, conta. A paulistana de 25 anos fez uma proposta inusitada à mãe: e se as duas fossem correr juntas?
Quatro anos antes, o esporte havia transformado a vida de Kauana, que se tornara maratonista e criara um site sobre o assunto. “É bom para o corpo e para a mente. Deixa a mulher mais forte”, justificou. Fizeram a matrícula de Maria Luisa na academia e compraram um tênis adequado.
O começo foi difícil: dores, reclamações, insegurança. Mas o esforço trouxe a recompensa cinco meses mais tarde, quando as duas correram a primeira prova de rua, de 4 quilômetros, juntas. “Cruzamos a linha de chegada de mãos dadas. Nunca vou me esquecer do amor que Kauana me transmitia. Ela me ajudou a recuperar o sentido da vida, me impediu de desistir”, lembra Maria Luisa, que depois encarou os 15 quilômetros da famosa São Silvestre junto com a filha.
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Do escritório para o dia a dia
Gerente de uma aceleradora de startups, Iana Chan, 29 anos, milita pela inclusão de mulheres no mercado de tecnologia com o projeto Programaria. Já a psicóloga Maitê Lourenço, 32 anos, luta pela diversidade étnico-racial em iniciativas de empreendedorismo, com a Black Rocks. As duas foram apresentadas por um amigo em comum, e a identificação foi imediata. “Somos profissionais em ambientes predominantemente masculinos. Então, viramos conselheiras e as maiores incentivadoras uma da outra”, conta Maitê.
A vida pessoal extrapolou a relação profissional quando a psicóloga sofreu um ataque racista. A empreendedora superou os sintomas de uma crise de Burnout para ajudar a amiga a recuperar a autoconfiança. “A solidariedade entre mulheres tem a vantagem de permitir que cada uma reconheça um pouco de si mesma na outra e se sinta confortável em assumir suas fraquezas de forma franca”, diz Iana.
Hoje, uma garante à outra um olhar diferente sobre as questões no mundo dos negócios. Também relembram as potencialidades individuais em momentos de instabilidade. “Aprendemos e evoluímos juntas”, completa Iana.
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Capacidade de suavizar desafios
As publicitárias Cris Oda, 47 anos, e Débora Faustino, 46 anos, contabilizam quase 30 anos de amizade. Conheceram-se na faculdade quando Débora entrou chorando na sala e foi amparada por Cris. Daí em diante, assumiram o papel de pilar de sustentação uma da outra.
Anos mais tarde, Cris teve que deixar o trabalho e a vida social para cuidar da avó doente. Por uma década quase não saiu de casa, o que fez a paulista desenvolver crises de pânico. “Ela ficava suada só de ouvir um convite”, lembra Débora, que inventava desculpas para tirar a amiga de casa. “Eu dizia que tinha me perdido indo visitá-la e que ela precisava me buscar”, conta, aos risos. Após um ano de tratamento, Cris pôde subir ao altar para ser madrinha no casamento de Débora. Juntas, haviam escolhido o bufê, o bolo, a decoração… “Nos fornecedores, perguntavam se éramos um casal”, diverte-se Cris.
O casamento acabou cinco anos depois, e foi para o colo da amiga que Débora correu. “Além disso, minha avó foi diagnosticada com a mesma doença da dela. Sem toda a força que a Cris me emprestou, não teria conseguido.” Cris retribui: “Sinto gratidão imensa pela vida, que nos reuniu para suportar e transformar nossos desafios mais doloridos em boas risadas”.
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Maternidade ressignificada
Em 2013, um turbilhão pessoal afetou profundamente a carreira da cantora e compositora Juliana Kehl, 40 anos. Grávida de sete meses de gêmeas, ela sofreu uma convulsão que a levou à UTI. Logo depois, as filhas nasceram, prematuras, e ela teve depressão pós-parto. Após seis meses, se separou do marido. “Eu não via outra perspectiva além de ser mãe em tempo integral”, lembra ela.
A cunhada, Juliana Saleh, 33 anos, entrou em ação rapidamente: ia quase todos os dias à casa de Kehl conversar. “Eu a lembrava de que aquilo era passageiro, a levava até o parquinho para ver as crianças maiores brincando, mostrava como elas tinham independência, convidava para ir à padaria e mudar de ares”, conta.
Aos poucos, a cantora se fortaleceu e conseguiu transformar as experiências em matéria-prima para o álbum Lua Full, lançado em janeiro deste ano com várias colaborações femininas. “A aliança com minha cunhada e outras mulheres próximas a mim foi o suporte de que eu precisava para retomar tudo que havia abandonado”, afirma Kehl. Agora ela é testemunha do início de uma parceria semelhante entre suas duas filhas, hoje com 4 anos.
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