Perdoar é difícil, mas essa atitude pode melhorar a sua vida
Para esquecer as mágoas, é preciso ser responsável por suas ações e sentimentos e ter empatia. As histórias a seguir mostram que o esforço vale a pena.
Não é exatamente uma questão de bondade, superioridade ou iluminação. Perdão é, na verdade, uma questão de inteligência emocional. É essa a tese central do livro Perdão, a Revolução Que Falta (Editora Gente, 29,90 reais), da terapeuta Heloísa Capelas.
A autora defende o ato de perdoar como uma atitude prática possível e que pode melhorar a vida das pessoas – e não como uma meta espiritual ou religiosa. Para alcançá-la, é necessário parar de apontar os culpados pelos próprios sofrimentos e avançar rumo a uma solução – transformar os sentimentos ruins em algo que leve adiante.
“Muitas vezes, a pessoa fica mantendo uma dor apenas para provar ao mundo que está certa, que o outro não foi legal. Ou seja, sofre para ter poder e daí não sara nunca”, diz Capelas.
Durante a pesquisa para escrever o livro, a autora ouviu centenas de relatos de situações consideradas “imperdoáveis”. E percebeu que, em comum, havia o desejo – assumido ou não – de vingança. A dor vem seguida da raiva e da ideia de que o outro, o que causou o problema, tem que pagar pelo que fez – como se isso pudesse evitar um novo sofrimento.
“No nosso imaginário infantil, há a percepção de que a revanche nos devolverá o que nos foi tirado. A partir do momento em que alguém paga pelo mal infligido, temos certeza de que recuperaremos a autoestima e o poder pessoal”, afirma Capelas.
Na prática, não é bem assim. O rancor faz a pessoa reviver, no presente, a dor de algo que aconteceu lá atrás e que já não deveria ter o poder de incomodar tanto. Ao menos na teoria. “Você fica ali sofrendo enquanto o outro vai muito bem, obrigado”, aponta Capelas.
Maria Luisa* conhece esse sentimento. Aos 30 anos, ela se entristece ao lembrar o aborto feito aos 18. Recém-chegada à universidade, engravidou e foi pressionada pelo então namorado e pela mãe dele para que interrompesse a gravidez.
Até hoje ela lida com a culpa que recai sobre essa decisão. “Lembro disso com frequência. Sempre me traz mal-estar e uma sensação de vazio”, diz. Ela ainda não conseguiu perdoar os dois e nem a si mesma. “O pior é ver que, para eles, tudo foi esquecido e eu fui deixada de lado, como se estivesse em um quarto escuro que ninguém abre.”
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Existe algo realmente imperdoável? Para a psicanálise, a dificuldade de desculpar tem a ver com a intensidade da chamada “dor narcísica”, aquela causada pelo que fere a autoestima. Quanto mais intensa for essa dor, mais difícil é o perdão.
O caminho para desfazer esse nó é entender a fundo as emoções negativas atadas a ele. “Quando você elabora uma situação que sofreu e compreende o que aconteceu, o que sentiu, onde estava a sua sombra e a do outro, você consegue superar”, afirma Roberto Rosas Fernandes, diretor da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica. Reconhecer seu papel na história e aprender com isso é valioso. Afinal, nenhuma das partes é totalmente vilã, nem a outra é apenas vítima.
Essa elaboração é um processo que pode levar anos. A educação e os valores de cada um influenciam no entendimento do que é desculpável. “Ouvi o caso de um homem que foi traído, entendeu a situação da companheira e perdoou”, afirma Fernandes. Outro pesquisado, no entanto, não encarou da mesma maneira. “Talvez não consiga porque sente que sua identidade masculina foi manchada.”
Com muito esforço, Marcia Munk, psicóloga e coach, dedicou-se a encarar de outra maneira os problemas que teve com a mãe, que sofria de transtorno bipolar. Durante as crises de raiva, ela agredia as filhas verbal e fisicamente. “Por muitos anos, não deixava ninguém mexer no meu cabelo porque lembrava de quando ela me levantava, segurando meus cachos, e me sacudia como se eu fosse uma boneca de pano”, revela.
Marcia conta que foram necessários mais de 20 anos de psicanálise e terapias ligadas à espiritualidade até conseguir se relacionar com a imagem da mãe de forma amorosa. “Com o tempo, entendi que ela fez o melhor que pode, mas não foi fácil.”
A escritora Bianca Santana, além das sessões de terapia, recorreu ao seu instrumento de trabalho para lidar com o ressentimento que sentia pelo pai, que cometeu suicídio quando ela tinha 11 anos. “Escrevi alguns textos em que coloquei muito sentimento para fora, como uma catarse. Ao terminar, fiquei trêmula, mas isso ajudou bastante no meu processo de cura”, recorda.
Aos 33 anos, Bianca remonta essa jornada em diferentes etapas. “Por alguns anos tive raiva dele. Depois, achei que aquilo não merecia minha atenção, quis ignorar, me dediquei a muitas coisas para esquecer. Levou muito tempo para que começasse a buscar respostas.”
Investigar o passado
Perdoar não é um processo simples. O primeiro passo é entender que não é possível mudar os fatos ou as pessoas. Podemos, sim, mudar a forma como lidamos com eles. “A dor é nossa. Ainda que a atitude de alguém tenha sido a causa desse sentimento, somos nós que fazemos com que ela perdure”, explica Capelas.
A autora resgata um princípio da psicologia que diz que o sofrimento vivido na infância está intimamente ligado às emoções que carregamos na vida adulta. Portanto, investigar o próprio passado é fundamental. “Precisamos entender nossa história, resgatar a nossa ‘criança interior’ e ver que, na maioria das vezes, estamos reproduzindo dores que já experimentamos.”
Foi assim com a chef de cozinha Maria Amélia*. Depois de ser traída duas vezes pelo marido, ela decidiu se separar, mas fez uma autoinvestigação para entender o porquê de sua dificuldade em sair do relacionamento, apesar da mágoa que carregava do companheiro.
“Percebi que minha carência era tão grande que eu me contentava com migalhas, tinha muito medo do abandono”, conta Amélia. Depois de conhecer suas feridas e compreender lacunas deixadas pela relação com o pai, ela conseguiu mudar de comportamento.
O ex-marido também procurou terapia e, um ano depois, eles voltaram a se relacionar. Segundo Amélia, agora de um modo completamente diferente. “Hoje vivemos bem e aprendemos a dar espaço um para o outro. Sinto que a mágoa está se esvaindo.”
Colocar-se no lugar da outra pessoa, a que “causou” a sofrimento, entender os motivos que a levaram a agir de determinada modo, também ajuda. “É muito importante perceber que as pessoas erram, da mesma maneira que nós. E que elas fazem o melhor possível, não o que está dentro de nossas expectativas”, explica a psicóloga Ana Cássia Maturano, de São Paulo.
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Bianca lembra que desenvolver empatia pelo pai foi fundamental para perdoá-lo. “Pode parecer óbvio, mas levei anos para compreender que a atitude dele não teve a ver comigo, que ele estava sofrendo por outras questões”, conta. A reação é típica da infância, quando nos sentimos o centro do mundo e, consequentemente, responsáveis por muito do que acontece à nossa volta. Só depois de superar essa fase, já adulta, Bianca entendeu o pai e voltou a amá-lo.
Algumas vezes, olhar outra pessoa com empatia é mais fácil do que exercitar a compaixão por si mesmo. A técnica esportiva Cibele Oliani passou por uma separação traumática em 2009, depois de descobrir que o marido havia contado inúmeras mentiras. Ele perdera o emprego meses antes do casamento, mas, por vergonha, escondeu da mulher. E, para manter a farsa, inventou uma sequência de histórias para justificar a falta de dinheiro.
“Ele disse que a conta estava bloqueada, depois comprou um extrato bancário falso para mostrar que tinha saldo, falsificou um recibo de pagamento de parcelas do apartamento, entre outras invenções”, lembra Cibele. Ao descobrir que estava sendo enganada, ela ainda deu uma segunda chance ao companheiro, mas as mentiras continuaram e ela resolveu pedir o divórcio.
Apesar da decepção, Cibele diz que não teve dificuldade em perdoar o ex-marido, mas que não conseguiu desculpar o próprio comportamento. “Eu me culpei muito por não ter percebido a mentira, por ter sido tão boba. Guardei a sensação de que havia feito a escolha errada e até hoje tento lidar melhor com isso”, diz.
Quando nos sentimos culpadas por nossas atitudes em casos como esses, a tendência é entrar no mesmo ciclo de raiva e de vingança que ocorre quando culpamos os outros.
No final, perdoar nos dá autonomia emocional, capacidade de assumir a responsabilidade pelas próprias emoções e de viver novamente em nosso tempo. “O que o perdão proporciona é a capacidade de deixar o passado para trás”, diz Capelas.
* Nomes trocados a pedido das entrevistadas
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