O que é capacitismo e como ele impacta a vida das pessoas com deficiência
Para quem ainda não conhecia, o termo é usado para denominar a descriminação e a pressão contra pessoas com deficiência
As discussões sobre o combate aos tipos de preconceito tem sido cada vez mais frequentes nos dias atuais. No entanto, existe um assunto pouco, que, a passos lentos, vem sendo levantado por algumas pessoas: o capacitismo.
Para quem ainda não conhecia, o termo é usado para denominar a descriminação e pressão contra as pessoas com deficiência, que permeiam desde a acessibilidade até a forma de falar com quem é PCD.
“Em sociedade, um exemplo capacitista, é acharmos extraordinário uma pessoa com limitações fazer um ensino superior, ser mãe, dona de casa ou até fazer qualquer coisa que está presente no nosso dia a dia, simplesmente por conta da sua aparência física. Quando vemos alguém de sucesso com alguma limitação e achamos extraordinário, é uma forma de capacitismo implantada”, explica a psicóloga Cristina Primieri.
Rebeca Costa, 27, nasceu com nanismo e hidrocefalia, é modelo e influenciadora digital. Na sua conta no Instagram, ela compartilha dicas de moda e composições de look, e sua ascensão na moda aconteceu justamente depois de uma rejeição em uma agência, por ter nanismo.
Mas isso não foi empecilho para continuar construindo seus sonhos. Tempos depois, recebeu um convite de outra agência, e já fez parte de um desfile no SPFW. “Eu nunca tive um processo de auto estima, ela sempre esteve em mim, e na verdade acho que em todos. Temos que ter maturidade suficiente para perceber que não podemos viver em um corpo que rejeitamos por não conhecê-lo, somente pelo achismo das pessoas”.
A presença de Rebeca representa a quebra de estereótipos dentro da moda, e principalmente, a inclusividade. “Mostrei que sou capaz e me tornei modelo através de uma empresa que soube me reconhecer não pelo que aparento, mas pelo o que realmente sou. Eu amo desafios e desconstrução do padrão”, diz a modelo.
A psicóloga Cristina explica que “a base do pensamento capacitista é que existe um padrão ideal, tanto corporal quanto neurológico. Sendo assim, tudo que não está dentro disso acaba não sendo aceito”.
De acordo com o último Censo do IBGE, cerca de 24% da população brasileira (45 milhões de pessoas) tem algum tipo de deficiência, porém, a parcela dessas pessoas ocupando o mercado de trabalho é baixa. Segundo dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), em 2018 apenas 1,04% das carteiras assinadas no país eram de pessoas com deficiência.
Apesar dos números, as discussões sobre acessibilidade e direitos da pessoa com deficiência não é abordado pela sociedade, levando à falta de conhecimento sobre o tema. Essa falta foi sentida por Mariana Torquarto, de 28 anos. A jovem nasceu sem um dos braços, e não sabe dizer exatamente se isso foi resultado de algum medicamento dado por médicos para a mãe durante a gestação, ou se há outra razão para ela ter nascido com deficiência.
Grupos específicos como a comunidade LGBT, negra, e de pessoas gordas cresciam nas redes sociais, e Mariana percebeu que não existiam perfis e páginas que falavam sobre os direitos dos deficientes físicos. Logo, em 2016 ela criou o canal Vai uma mãozinha aí?, onde conta sua história e aborda assuntos que antes eram pouco discutidos.
“Não esperei essa representatividade chegar até mim, eu mesma decidi ser essa pessoa. Eu tinha certeza que não daria certo ou que ninguém ia querer falar sobre o assunto, porque é por isso que não vemos pessoas com deficiência na mídia”, aponta.
O processo de aceitação e autoestima de Mariana foi gradativo. Ela precisava entender e aceitar sua deficiência e suas limitações. “Precisei entender que eu não precisava esconder meu braço pra passar despercebida, e que eu não era essa pessoa e que eu precisaria usar esse fato a meu favor, pra construir minha personalidade, que estava baseada em muitas frustrações”.
O capacitismo consegue se apresentar na vida da pessoa com deficiência com facetas diferentes, com falas, expressões e tratamentos, que muitas vezes passam despercebidos pela maioria. Mas só quem vive na pele entende a proporção que esse problema pode tomar em suas vidas.
“Ele [o capacitismo] é muito sofisticado. Porque consegue existir com muitas intenções, escondido dentro do que uma pessoa acha. Ele age em todas as esferas de uma pessoa com deficiência, na família, na construção das amizades, autoestima, trabalho, estudos, sobre o seu potencial e expectativas do futuro”, explica Mariana.
Segundo a Lei Brasileira de Inclusão, as pessoas com deficiência estão submetidas a barreiras urbanas, como espaços públicos de uso privado e coletivo, que não tem nenhum tipo de acesso para PCDs, barreiras no transporte, comunicação e informação.
“As pessoas querem dizer o que é melhor pra você, o que você pode ou não fazer, mesmo não estando no seu lugar. É claro que, quando você tem duas pernas, dois braços e pode andar, você vai achar que viver em uma cadeira de rodas é impossível ou viver sem uma perna, sem um braço a coisa mais horrível do mundo, então precisamos falar sobre isso”, argumenta Mariana.
“Temos uma imensa capacidade para mudar isso na sociedade em geral, já estamos caminhando para isso, pois o assunto está sendo discutido e as pessoas estão ouvindo mais sobre o assunto e o que é certo ou errado sobre a tratativa”, diz Cristina. “Quando as pessoas começaram a enxergar pessoas com deficiência como pessoas normais os ajustes físicos virão, pois irão identificar todas as possibilidades de acolher um grupo que é excluído em grande parte dos espaços”, finaliza.
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