Guia dos fetiches: um bê-a-bá das fantasias sexuais
Lamber o mel, sentir o cheiro de suor entre os lençóis, amarrar (ou ser amarrado), brincar de ser outro alguém... Aqui, os mais buscados pelos brasileiros
Quando falamos de fetiches, talvez a primeira coisa que venha à cabeça seja o BDSM. Mas, na verdade, existe uma gama infinita de fantasias sexuais e possibilidades excitantes dentro do espectro da sexualidade. Do ponto de vista da psicanálise, o fetiche é um símbolo “que encobre a falta, como um véu, mas denuncia que tem algo por trás”.
“Há alguma coisa mais além do meu olho: será que puxo esse véu e me deparo com a ausência do objeto ou mantenho meu desejo sem me apossar?”, explica a psicanalista e escritora Luciana K. P. Salum. Um pouco profundo, talvez, mas podemos ficar com a ideia do esconde-mostra, dessa suspensão. “Às vezes, o fetiche vai ficar ali como um poderoso afrodisíaco. A pessoa não precisa, necessariamente, realizá-lo. Pode permanecer na imaginação”, pontua a sexóloga e professora Laura Müller. Até porque, colocar em prática requer uma visão crítica da coisa: isso me machuca de alguma forma?
“O desejo é conflituoso porque a sexualidade é complexa. Mas precisamos ter em mente proteção, consentimento e prazer. Brincar com o nosso corpo e o corpo dos outros requer também um (auto) cuidado burocrático”, lembra, com ênfase, a educadora sexual Clariana Leal.
Fetiche por partes do corpo
A referência mais comum que temos na cultura popular, por assim dizer, talvez esteja presente nos filmes de Quentin Tarantino. Pode observar: sempre tem alguma cena, mesmo que breve, de pés descalços — lembra da Margot Robbie com os pezinhos para cima no cinema, em Era uma Vez em Hollywood?
“A ideia aqui é descentralizar o genital da nossa visão do que nos dá prazer”, explica Clariana, referindo-se a ideia ocidental de que apenas o pênis ou a vulva são fontes de orgasmo. Segundo ela, o corpo é formado por zonas erógenas que podem ser exploradas das mais diversas formas. “Tente ativar a sua sensibilidade a partir da pele”, indica.
Pode testar com acessórios, tipo texturas de tecidos, penas, óleos e até mesmo com a ponta dos dedos — coisa que a sacerdotisa tântrica Carol Teixeira já ensinou na sua coluna Corpo, fala.
Admirar uma parte do corpo de outra pessoa pode incitar pensamentos eróticos e alimentar a sua imaginação. “O que vale é usar a criatividade. Precisamos ativar o lado lúdico, porque o sexo também engloba essas coisas”, comenta a educadora sexual.
Cuckolding
O famoso (e em português claro) “corno manso” é campeão de buscas em sites de conteúdo adulto, junto com o ménage à trois. Porém, existe uma diferença conceitual entre as duas práticas. Enquanto o primeiro consiste no presenciar uma traição da companheira, o segundo envolve uma relação sexual entre os três presentes.
“O cuckolding não é swing, não é ménage. É uma triangulação entre marido-esposa-amante, em uma cena combinada por eles e consentida por todos os envolvidos”, explica Clariana. A ideia básica é o marido “pegar a esposa no pulo” com outro na cama. “Pode ser algo que estejam todos no mesmo ambiente ou até mesmo esse homem ficar escondido em algum cantinho, olhando.” Existe o contrário, o cuckquean, mas não é tão comum quanto o masculino.
Lembrando que t-u-d-o precisa ser previamente acordado. “A conversa deve ser a mais franca possível, o que cada um gosta ou não etc. Ela é importante para melhorar e aprimorar a vida sexual”, diz Laura Müller.
BDSM
Cheio de preconceitos e imagens pejorativas, por um sem número de motivos, o BDSM é uma prática que precisa de muita responsabilidade e acordos, que, muitas vezes, envolve até contratos assinados. A sigla engloba bondage e disciplina, que consiste em “restrição física, feita com cordas, algemas ou vendas; e a restrição psicológica, de como você deve agir, responder, como se comportar e por aí vai”, sinaliza Clariana, que também trata do tema no @clarisleal.
Há também a dupla dominação e submissão. “Esses são justamente os jogos de poder, nos quais, comumente, cada um assume uma posição. Podendo ter pessoas que gostam dos famosos switches, ou trocas de atitude.” As palavras são bem autoexplicativas, mas não custa dizer que quem domina é quem exerce as ações, e quem é submisso, obedece.
Por fim, o sadismo e o masoquismo, “que é sobre o prazer e a dor estarem ligados, mais do que a gente gosta de admitir.” Aqui, usa-se chicotes, palmatórias e as mãos. E, claro, você não precisa fazer tudo, nem ao mesmo tempo e nem separadamente.
Fetiche por alimentos no sexo
“Por favor, não introduza nada no canal vaginal ou no ânus, e nem coloque nada no pênis que possa resultar em infecções. Estamos falando de regiões sensíveis e absorventes. Qualquer coisa que colocamos em contato pode alterar a microbiota e flora específicas”, alerta, de cara, Clariana Leal.
Recado dado, você pode pensar em espalhar pelo corpo, talvez? A parte divertida dos alimentos é a mistura de sensações que foge do tato ou do olfato, mais comuns de estarem presentes. Já o paladar, não. “O sexo, quanto mais sensorial, mais rico.”
Se quiser descobrir quais coisas te excitam, seja a presença ou não de comida, seja qualquer outro fetiche mapeado pela reportagem, Laura Müller indica os processos psicoterapêuticos como ferramentas de autoconhecimento. “Seja o mais franca possível consigo mesma e entenda que a sexualidade é ampla, não tem certo ou errado. Desde que tenha a questão dos limites: até onde aquilo não nos fere, nem física, nem emocional, e nem fere a pessoa que está ao lado.”
Fetiche por fluídos
Chegamos a outro fetiche polêmico. E isso decorre do nojo que as pessoas têm do próprio corpo. “Existe esse lugar do horror a si, porque fomos educados para isso. E tudo bem não gostar. Porém, quando a aversão for desmedida, é algo que precisa de uma investigação”, elucida Clariana Leal.
Podemos resumir no que se conhece por “três Ss”: saliva, sêmen e suor. Existem outros fluídos, tal qual o golden shower, mas ficaremos nos mais comuns. “O erotismo tem uma carga de poesia prática e o fluído sai como um derretimento de si. O seu prazer se revela da maneira mais tangível possível.” Bonito para incorporar, sem medo, no ato sexual. Contudo, como o assunto é também sério, válido pontuar que os exames precisam estar em dia — e isso para tudo.
E se quiser testar… “Recomendo o ‘sim-não-talvez’: liste todos os desejos que vierem à mente, faça as lacunas e tique uma por uma”, ensina Clariana. Troque com a parceria ou use para o autodescobrimento. “Os fetiches variam ao longo da vida. Aliás, qualquer coisa relacionada à sexualidade pode se alterar de acordo com as nossas vivências. Tudo é passível de transformação”, diz Laura.
Role play
E o Oscar vai para… Brincadeiras à parte, o role play consiste em incorporar uma personagem para incitar uma atividade erótica. Vale usar fantasias, perucas, trocar de nome e até fazer o mapa astral da sua outra persona (ou outras personas). Tudo depende da sua criatividade e vontade de se jogar. Quem assistiu à série Modern Family, sabe muito bem o poder de Clive Bixby e Juliana na vida amorosa de Phil e Claire. “Pode ser útil para quem sofre com a timidez, com a dificuldade de lidar com o outro ou com o medo dos julgamentos. Se distanciar do peso e da culpa é interessante para vislumbrarmos outra possibilidade de ser — que, no fim, ainda é existir”, diz Clariana Leal.
Voyeurismo e exibicionismo
Sabe aquele frio na barriga que sobe sem pedir licença quando você observa alguém (ou nota-se observado) e pensa no que poderia acontecer a partir dali? Pois bem. O voyeurismo e o exibicionismo são práticas extremamente antigas da sociedade, porque a nossa imaginação se movimenta com o olhar para o outro. “Diferente da comida, por exemplo, que existe um preparo, aqui, estamos falando de algo tão natural da existência, que o fetiche vem quase como um instinto”, diz Clariana.
Essa potência erótica da curiosidade é avassaladora. E ela pode ser desde um observar e imaginar, passando por um olhar diante da masturbação da sua parceria até um ato sexual de três ou mais pessoas que se veem e se exibem umas para as outras. Não custa enfatizar que sexo em público é atentado ao pudor, logo, crime. Então, o que vale para os outros fetiches, deve ser aplicado nesse caso também: todo mundo na mesma página, ok?!
Agora, brincar com a possibilidade de ser pego é outra coisa, que, inclusive, traz uma carga de adrenalina forte. “O que precisamos levar em consideração é que o sexo tem o lugar do mistério, algo que nunca vamos acessar por completo.”