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Pobreza menstrual, outra faceta da desigualdade no Brasil

No Brasil, mais de 4 milhões de pessoas não têm acesso a itens mínimos de cuidados e higiene

Por Joana Oliveira
8 jul 2022, 08h34
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Mais de 4 milhões de pessoas não têm acesso a itens mínimos de cuidados e higiene. (Foto:/Pexels)
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Ingrid Silva, de 18 anos, menstrua desde os 12. Na escola, em Salvador (BA), fazia vaquinha com as amigas para comprar absorventes. Quando sobrava alguma coisa, elas saíam pelas ruas distribuindo os itens para mulheres em situação de rua. “Muitas delas usavam pano sujo ou papel na calcinha”, conta a jovem, cuja história é um triste exemplo da pobreza menstrual, mais uma camada cruel da desigualdade que assola o Brasil.

Segundo o estudo Pobreza Menstrual no Brasil, produzido pelo UNFPA (Fundo de População das Nações Unidas) e Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), 713 mil pessoas que menstruam no país vivem sem acesso a banheiro ou chuveiro em casa e mais de 4 milhões não têm acesso a itens mínimos de cuidados menstruais nas escolas (dessas, 200 mil estão totalmente privadas de condições mínimas para cuidar da menstruação no ambiente escolar).

Um levantamento anterior feito pelas organizações mostrou que, em 2018, um núcleo familiar gastava R$12,97 por mês na compra de absorventes (valor não atualizado pela inflação galopante no país), o que se traduz num custo anual considerável no orçamento doméstico. “Comprar um pacote de absorventes por R$10 pode parecer pouco, mas já é quase um prato de comida”, diz Ingrid. Mesmo quando podia comprar o item, ela sofria com
irritações na pele da região íntima provocadas por uma alergia ao material do qual o produto é feito. “Considero que só comecei a menstruar com dignidade nos últimos meses, quando recebi um coletor menstrual, que eu jamais poderia comprar com meu próprio dinheiro.”

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Em 2018, um núcleo familiar gastava R$12,97 por mês na compra de absorventes. (Foto:/Pexels)

Ela é uma das 14 mil aprendizes do Ensino Social Profissionalizante, que, em parceria com a marca Inciclo, passou a distribuir, durante a pandemia de Covid-19, coletores para jovens que participam do programa. “Realizamos a cada dois meses pesquisas com os aprendizes e vimos que a maioria deles virou arrimo de família durante esse período. Ou seja, as pessoas que já tinham acesso limitado a itens de higiene menstrual passaram a ter ainda mais dificuldade de comprá-los, porque a prioridade é colocar comida na mesa”, comenta Alessandro Saade, superintendente do ESPRO.

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O programa também conta com aulas de educação sexual e saúde íntima para romper os tabus que ainda cercam a menstruação e que, segundo a obstetriz Mariana Betioli, CEO da Inciclo, agravam o problema. “É absurdo, mas muita gente sequer sabe como usar corretamente um absorvente ou coletor. Como o poder público ainda é majoritariamente composto por homens cisgênero, essas questões ficam desapercebidas”, critica. Mariana também lamenta que itens de higiene como esses não sejam amplamente repartidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), como são os preservativos. “O sexo ainda é opcional, a menstruação, não. A distribuição de absorventes ou coletores é tão importante quanto a de camisinhas”, argumenta.

Cadeia de vulnerabilidades

Júnia Quiroga, representante adjunta do UNFPA no Brasil, explica, no entanto, que apenas a distribuição de insumos não é suficiente. Isso porque, de acordo com o estudo realizado pela organização, as brasileiras também estão sob situação de grande vulnerabilidade em relação a serviços básicos essenciais para garantir a dignidade menstrual: 900 mil não têm acesso a água canalizada em seus domicílios e 6,5 milhões vivem em casas sem ligação à rede de esgoto.

“Os absorventes ou coletores são a necessidade mais imediata, mas é a perspectiva sanitária que define a pobreza menstrual. Por isso, é importante ter pia, água e sabão no ambiente escolar, porque a privação de banheiro é grave”, afirma. Júnia destaca os recortes regionais e raciais dessa vulnerabilidade, com base nos dados do UNFPA e do Unicef: a Região Norte se destaca como um bolsão de pobreza, com maior precariedade escolar (falta de banheiros e água) e as pessoas negras que menstruam são as mais afetadas. Os números mostram que a probabilidade de uma menina preta não ter acesso a banheiros é quase três vezes maior que a de encontrar uma menina branca na mesma situação. Além disso, enquanto cerca de 24% das meninas brancas residem em locais sem serviços de esgotamento sanitário, quase 37% das meninas negras vivem nessas condições.

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900 mil não têm acesso a água canalizada em seus domicílios e 6,5 milhões vivem em casas sem ligação à rede de esgoto. (Foto:/Pexels)

“Quando falamos em pobreza menstrual, pensamos quase imediatamente na população em situação de rua, mas tem gente com teto vivendo sem o básico, que é a água. É aceitável uma escola sem papel higiênico e sabão, sem banheiro?”, questiona Júnia. Ela lembra que a pobreza menstrual está diretamente associada à evasão escolar. Em todo o mundo, uma em cada 10 meninas falta às aulas durante o período menstrual, de acordo com a ONU (Organização das Nações Unidas). No Brasil, uma em cada quatro estudantes deixa de frequentar a escola por não ter acesso a absorventes, o que é mais uma prova de como esse é um problema que afeta toda a construção da sociedade. “Adolescente fora da escola significa ausência de conhecimento para exercer autonomia corporal, dificuldade de construção de planos de vida, de planejamento sexual e reprodutivo. Tudo isso pode levar a uma gravidez na adolescência, o que gera mais um custo social importante”, explica a especialista.

O custo do combate a esse problema é justamente um dos argumentos mais usados pelo poder público. Em outubro de 2021, o presidente Jair Bolsonaro vetou trechos da Lei de Dignidade Menstrual que previam a distribuição gratuita de absorventes para mais de 5,6 milhões de pessoas que menstruam em situação de vulnerabilidade no país, argumentando que a União não poderia dispor dos R$84 milhões necessários para esse investimento. Em março, o Senado derrubou o veto do presidente.

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