Quem ajuda aqueles que estão lutando para salvar vidas?
Casos de suicídio entre profissionais de saúde em todo o mundo levam à criação de grupos de apoio para cuidar de saúde mental
O peso de ser responsáveis pelas vidas das milhares de pessoas infectadas por uma doença que, até pouco tempo era desconhecida, está afetando a saúde mental de profissionais da saúde no mundo inteiro. Entre março e abril, cresceu o número de casos de médicos e enfermeiros que tiraram a própria vida em decorrência deste desafio.
No final de março, a enfermeira Daniela Trezzi, de 34 anos, cometeu suicídio na Itália após ser diagnosticada com Covid-19. Ela temia contaminar outros pacientes e trabalhava sob forte estresse, segundo a Fnopi (Federação Nacional de Enfermeiros da Itália).
Daniela atuava no setor de cuidados intensivos do hospital San Gerardo, em Monza, próximo a Milão. Ela estava isolada em sua casa desde o dia 10 de março. Sua morte foi anunciada no dia 24 do mesmo mês.
Em nota, a Fnopi relatou que os enfermeiros italianos estão sob pressão, por medo de infectar outras pessoas ao lidar diariamente com pacientes contaminados e que o caso de Daniela não foi o primeiro desde o surto do novo coronavírus.
“Esse terrível episódio, infelizmente, não é o primeiro desde o início da emergência com a Covid-19. Um caso semelhante ocorreu há uma semana em Veneza”, apontou a entidade.
Outros casos
No início de abril, outra morte foi noticiada. Bernard Gonzalez, médico do Stade de Reims, da primeira divisão do futebol francês, se suicidou aos 60 anos. Ele havia testado positivo para o coronavírus. Em carta, segundo o jornal Le Parisien, Gonzalez ligou de seu suicídio à infecção.
“Ferido, o Stade de Reims chora neste domingo a perda do doutor Bernard Gonzalez. O médico do clube, mas também de centenas de cidadãos e cidadãs de Reims. O médico de todas as epopeias e de nossos últimos 23 anos”, lamentou o clube, em comunicado.
“Esta pandemia afeta o Stade de Reims no coração, é uma personalidade de Reims e um grande profissional do esporte que nos deixou. Sua missão no clube há mais de 20 anos foi realizada com o máximo profissionalismo, de maneira apaixonada e até altruísta. O doutor Gonzalez, nos períodos mais difíceis do clube, trabalhava voluntariamente. Ele foi meu médico pessoal, e hoje todos os meus pensamentos, do clube dos quais ele continuará sendo uma figura forte, vão para sua esposa e seus pais. Hoje é um drama que nos impressiona”, declarou Jean-Pierre Caillot, presidente do Reims, em nota divulgada no site do clube.
Mais recentemente, no dia 26 de abril, Lorna Breen, que atuava como médica contra o coronavírus, também cometeu suicídio, em Charlottesville, nos Estados Unidos.
Aos 49 anos, Lorna era diretora do departamento de emergência do New York-Presbyterian Allen Hospital, localizado em Manhattan, em Nova York, atual epicentro da pandemia de Covid-19. Ela também havia contraído o vírus, mas voltou ao trabalho depois de uma semana e meia de recuperação.
Segundo a família, a médica chegou a trabalhar 18 horas por dia e a dormir nos corredores do hospital. Segundo seu pai, que concedeu entrevista ao The New York Times, Lorna relatava a enorme quantidade de pacientes que morriam antes mesmo de serem retirados das ambulâncias. “Ela tentava fazer seu trabalho, e isso a matou”, disse o pai.
Grupos de apoio psicológico
É pensando nessa necessidade de suporte psicológico a todos os profissionais envolvidos na área da saúde que alguns grupos de apoio estão surgindo em meio à pandemia. É o caso, por exemplo, da Rede de Apoio Psicológico, uma plataforma que conecta psicólogos voluntários e profissionais da saúde, neste momento de combate ao coronavírus.
Idealizado pelos psicólogos Camila Munhoz, Evelyse Stefoni de Freitas Clausse, Luciana Lafraia, Jonas Boni e Marina Bragante, o grupo nasceu ainda no começo da epidemia no Brasil, a partir das angústias partilhadas por trabalhadores do sistema de saúde durante sessões de terapia e, hoje, já atende mais de 2 mil profissionais, com uma rede de mais de 4 mil psicólogos voluntários.
“Algumas pacientes médicas ou que trabalham em hospital começaram a sentir medo do que iria acontecer com elas, contaram que já tinha gente querendo pedir demissão porque não sabia como iria ser, nenhum médico estava totalmente preparado para isso”, conta Marina Bragante a CLAUDIA. “Por isso, pensamos em que respostas nós, psicólogos, poderíamos dar para a sociedade nesse momento. Precisamos manter o sistema de saúde em pé, porque se os profissionais de saúde quebrarem, todo o sistema quebra junto”, explica Bragante.
É importante ressaltar que, com “profissionais da saúde”, não se trata apenas de médicos e enfermeiros, mas também de faxineiros do hospital, motoristas de ambulância, recepcionistas.
O Hospital Santa Paula, localizado na zona sul de São Paulo, também está com ações para auxiliar seus funcionários. “Os principais medos [dos profissionais] são o de contaminação, de levar o vírus para alguém da família, de ser afastado do trabalho e até de morte. A solidão também está entre os receios mencionados, já que os funcionários, muitas vezes, têm que se afastar das famílias. Já tivemos casos de profissionais que foram hostilizados dentro do prédio em que moram. Isso tudo gera uma sobrecarga emocional muito grande”, relata Livia Beraldo, psiquiatra do Hospital Santa Paula.
Ela explica que qualquer funcionário do estabelecimento tem acesso ao apoio psicológico, de forma gratuita. Beraldo também afirma que o hospital está desenvolvendo um questionário para identificar possíveis casos de Síndrome de Burnout. “Dessa forma, podemos ver como eles estão reagindo e como está sendo esse enfrentamento [à pandemia]. Até pensando na implementação de estratégias futuras, porque saúde mental é algo que devemos manter após a pandemia, já que esses efeitos serão sentidos por muito tempo, assim como suas consequências”, reitera a psiquiatra.
Em Porto Alegre, o Hospital Moinhos de Vento monitora seus colaboradores, tanto os que foram testados positivamente, quanto os que estão assintomáticos. “Quando o resultado do exame é positivo, no primeiro telefonema já realizamos um acolhimento, conversamos com o colaborador, explicamos a situação, porque normalmente eles ficam bastante ansiosos com o resultado. Poucos reagem de forma tranquila e já tivemos casos que realmente precisaram ter um suporte psicológico ou psiquiátrico”, conta Fabiano Barrionuevo, médico responsável pelo Saúde Plena Moinhos, ambulatório criado recentemente para o atendimento aos funcionários do hospital.
A instituição, assim como os grupos citados anteriormente, está com uma equipe de psiquiatria voluntária e atende, gratuitamente e virtualmente, os funcionários, principalmente aqueles que já foram testados positivamente para a doença. “Temos uma enfermeira que monitora como ele está se sentindo e quando apresenta algum sinal de depressão ou ansiedade, ele é encaminhado para o acompanhamento psicológico”, explica Vanderleia Cereser, coordenadora do Saúde Plena Moinhos.
“Até o momento, não identificamos nenhum caso grave ou ideação suicida, mas notamos muita ansiedade e essas ações reduzem essas crises. Então, são, realmente, ações que precisam ser implementadas frente à Covid-19. Não podemos esquecer de cuidar de quem cuida”, finaliza Barrionuevo.
Lembrando que, se você estiver sentindo a necessidade de conversar com alguém ou ter apoio psicológico por conta de depressão ou crises de ansiedade pela atual situação que vivemos, entre em contato com o Centro de Valorização da Vida (CVV) pelo site ou ligue 188.
Em tempos de isolamento, não se cobre tanto a ser produtiva: