Cannabis no Brasil: conheça as mulheres que lideram o movimento
Empresárias, mães, antropólogas, cozinheiras e educadoras estão lutando para expandir a conscientização (e a consciência) dentro e fora do setor
Poucos sabem, mas a redescoberta da cannabis no Brasil é uma mudança liderada por mulheres – ou melhor: por mães de crianças atípicas, que há pelo menos uma década defendem o direito ao acesso à planta em nome da melhora da saúde dos seus filhos.
Ao lado delas, porém, há outras mulheres de todas as áreas do conhecimento, que fazem parte do processo de normalização da maconha na sociedade. São empresárias, antropólogas, psicólogas, cozinheiras… Em comum, todas dedicam sua vida ao potencial da cannabis como regeneradora da saúde, do bem-estar, da sustentabilidade e da economia (segundo a consultoria Kaya Mind, apenas em 2023 o mercado movimentou R$ 700 milhões no Brasil).
Apesar de o nicho ainda ser dominado por homens (menos de 30% dos postos de trabalho são ocupados por mulheres), trazemos aqui algumas dessas mulheres que estão na linha de frente da mudança.
Conheça as mulheres que fazem da cannabis uma realidade no Brasil
Margarete Brito, mãe e pioneira no plantio legal
Responsável pela maior fazenda de cultivo de cannabis do Brasil, localizada no interior do Rio de Janeiro, a advogada Margarete Brito se dedica há alguns anos exclusivamente à Apepi, uma das associações de pacientes mais importantes do país, que atende hoje cerca de 8 mil pessoas.
Guete, como é conhecida no meio, foi a primeira brasileira a ter autorização judicial, em 2016, para plantar maconha em casa, para o tratamento da filha Sofia, portadora da síndrome de deficiência de CDKL5, uma proteína importante para o desenvolvimento cerebral.
Guete fundou a Apepi para ampliar o acesso à maconha medicinal a outras famílias. Hoje, segue lutando para garantir o direito de produzir remédio a partir de maconha, participa de debates no país inteiro e viaja com frequência a Brasília para conversar com parlamentares sobre a necessidade de regulamentar a substância.
Viviane Sedola, empresária e consultora política
Ela foi eleita pela revista High Times uma das 50 mulheres mais influentes da cannabis no mundo – e não é para menos. É difícil (ou quase impossível) encontrar alguém nesse nicho que não a conheça. Viviane Sedola trabalhou na comunicação do Groupon e foi cofundadora da plataforma de crowdfunding Kickante antes de abraçar a maconha, fundando em 2017 a Dr. Cannabis, o primeiro marketplace que conecta médicos a pacientes.
Com a explosão do número de projetos de lei propondo a inclusão da cannabis no SUS de vários Estados, a empresária notou que havia um gargalo na formação de médicos. Assim, resolveu oferecer com a Cannect (empresa que adquiriu a Dr. Cannabis e com a qual Viviane colaborou até há pouco), desde o ano passado, um curso gratuito para médicos do SUS aprenderem a prescrever cannabis.
“Para empreender você precisa ter uma motivação além de grana, que é o impacto real que move o negócio – e isso na cannabis é bem evidente. Promover acesso para quem não tem ajuda é motivação extra e impulsiona”, diz a empresária. Hoje, Viviane faz parte do Conselhão do Lula, um grupo que pensa novas políticas públicas para temas urgentes da sociedade e cria propostas para o presidente da República. O convite para que a empresária integrasse o grupo se deu por sua destacada trajetória com a maconha.
Luna Vargas, antropóloga e educadora
A antropóloga Luna Vargas viaja o mundo registrando os usos atuais da cannabis e sua aceitação na sociedade. Dos EUA à Tailândia, do Uruguai à Espanha, do México a Portugal, a brasileira tece uma rede internacional, enquanto abastece a bagagem com aprendizados que disponibiliza aos milhares de alunos e seguidores (mais de 45 mil no Instagram).
Ela se tornou educadora no Canadá, onde trabalhou por quatro anos em dispensários (lojas de venda de maconha) em pleno processo de legalização canadense. Além de oferecer gratuitamente conteúdo de qualidade nas redes sociais, Luna fundou a Inflore, o primeiro curso de ciência e mercado da cannabis do Brasil, para quem quiser aprofundar seu conhecimento e trabalhar na indústria brasileira da erva.
Alice Reis, psicóloga e comunicadora
Outra figura conhecida internacionalmente, a psicóloga Alice Reis mora na Califórnia há oito anos, onde se tornou empreendedora em um mercado legalizado e de vanguarda. Ela viaja o mundo participando de eventos canábicos e volta ao Brasil várias vezes ao ano para promover aulas e participar de debates sobre o assunto.
Considerada uma “hash queen” (produtora de haxixe, a resina da maconha) de grande projeção internacional, Alice adentrou o mundo canábico promovendo ações de redução de danos no consumo de substâncias psicoativas e nunca mais saiu.
Fundadora do site Girls in Green, voltado à educação do público brasileiro, desde o ano passado ela é também gerente de conteúdo da WeedMaps, maior portal de tecnologia e informação sobre cannabis dos EUA.
Thabata Neder, fitoterapeuta e empresária
A fitoterapeuta Thabata Neder foi responsável por um marco importante na história da planta no Brasil: a primeira exposição de pés de maconha aberta ao público, durante a ExpoCannabis Brasil, em setembro do ano passado.
Thabata fundou o Club Brasileiro de Fitoterapia Cannábica (organização sem fins lucrativos que tem autorização para cultivo de cannabis e atende centenas de pacientes). O pontapé inicial na causa veio depois de sofrer um acidente em 1992.
Ao longo da recuperação, Thabata passou por algumas cirurgias antes de se interessar pela saúde integrativa e começar a usar maconha. “Aos 30, depois de anos de uso por conta própria, entendi a terapêutica da cannabis quando passei a primeira vez por um profissional de saúde especializado em maconha, na Califórnia”, diz.
Em 2022, criou a Irmandade Gaia, grupo de vivências e discussão para mulheres que trabalham com cannabis. “É um coletivo para pensar e pesquisar a maconha, e entender o que as mulheres podem trazer de inspiração e atitude prática dentro da regulamentação global. A junção dessas experiências e aprendizados através do olhar feminino são muito pertinentes para o que a cannabis precisa.”
Corina Silva, empresária
Há mais de 20 anos, a goiana Corina Silva emigrou com o marido e os três filhos pequenos para os EUA, onde trabalhou como manicure e decoradora antes de construir, ao lado da família, um império canábico.
Corina é fundadora e diretora da USA Hemp, uma marca de produtos medicinais de cannabis que nasceu em solo norte-americano e é hoje uma das principais fornecedoras de cannabis medicinal do mercado brasileiro. A empresária promoveu a primeira iniciativa de responsabilidade social encabeçada por uma empresa de cannabis no Brasil.
Por meio da Fundação Redwood, braço filantrópico da USA Hemp que nos EUA oferece tratamentos gratuitos com cannabis para veteranos de guerra, criou um programa de acolhimento e tratamento gratuito para centenas de crianças atípicas de comunidades carentes no Morro do Alemão, no Rio de Janeiro.
“Depois de estudar muito, entendi todo o processo de proibição e, também, os benefícios da cannabis. Quanto mais eu entendia sobre a planta e seus aspectos, notei também que todos usam: médicos, juízes, advogados, grandes artistas e empresários. E somente o pobre é criminalizado. Entendi que droga de verdade é açúcar, sal e álcool. Cannabis é tratamento e bem-estar”, diz.
Marcela Ikeda, chef de cozinha
Cozinheira e chef especializada em cannabis, Marcela Ikeda utiliza subprodutos da planta para criar novas experiências sensoriais em jantares ao redor mundo. São pratos como os bao nuns (pãezinhos coreanos feitos de farinha de cânhamo) e o hempesto (pesto feito de folhas de cannabis, extremamente popular dentro da comunidade).
A brasileira, que morou no Japão, já conhecia os usos do cânhamo – variedade não psicoativa da maconha – na culinária japonesa, mas foi só em 2017, quando se mudou para o Uruguai, que passou a explorar todas as possibilidades da cannabis infusionada na gastronomia, com jantares canábicos chamados cenas com Maria”(em português, “ceias com Maria”, apelido dado à maconha, derivado de “marijuana”).
Marcela viaja por diversos países recolhendo ideias para seus pratos. Em países em que a cannabis é legalizada, ela utiliza as partes psicoativas da planta. Já em países em que ela segue sendo ilegal, como é o caso do Brasil, usa apenas óleo, farinha e semente de cânhamo.