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Expansão da mente: como os psicodélicos estão revolucionando o mundo

Após o proibicionismo frear os avanços da ciência psicodélica por décadas, substâncias como o LSD, DMT e ecstasy voltam a protagonizar discussões médicas

Por Kalel Adolfo
9 set 2022, 08h00

“Depois de sofrer um assalto em São Paulo, no qual bati o carro e me machuquei bastante, desenvolvi a síndrome do estresse pós-traumático. Infelizmente, o trauma foi canalizado em viagens de avião. As crises de pânico me atravessavam sempre que entrava em um. O pior de tudo isso é que eu amo viajar. Certo dia, fui para uma festa na Alemanha e consumi MDMA. Algumas horas mais tarde, precisaria viajar para outro país. Contudo, meu voo foi antecipado e me vi obrigada a estar no aeroporto em menos de três horas. Quando cheguei lá, ainda sentia os efeitos do ecstasy”, conta Alice Reis, psicóloga e fundadora do Girls In Green — plataforma de conteúdos sobre cannabis e substâncias psicodélicas feita por mulheres (direto da Califórnia) para um público feminino.

Desfecho caótico? Nada disso. Assim que entrou no avião, Alice não sentiu tanto medo. No lugar dos pensamentos paralisantes, raciocínios lógicos a acalmaram. “Isso não significa que eu não fiquei tensa dentro do voo. Mas consegui pensar nas estatísticas que comprovam o quanto aquele meio de transporte é seguro.”

Essa experiência se soma às outras tantas relatadas no mundo sobre o quanto as substâncias psicodélicas — como o DMT (presente no chá de ayahuasca) e o LSD — são capazes de criar um espaço mental seguro para as pessoas elaborarem traumas e inseguranças de uma maneira construtiva.

Antes de mais nada, vale lembrar que tais componentes não são a resposta para curar todos os males da humanidade e que, em diversos países, ainda são considerados drogas ilícitas (o Brasil incluso). A grande questão atual é o quanto as descobertas da ciência apontam para os benefícios psíquicos oferecidos pelos psicodélicos.

Em 2021, por exemplo, a Unicamp fez história, sob o comando da psicóloga alemã Isabel Wießner e do psiquiatra Luís Tófoli, ao realizar o primeiro estudo com LSD em humanos no país desde 1960. O experimento concluiu que a droga pode proporcionar melhorias significativas em indivíduos que lidam com a depressão.

O jornalista científico Marcelo Leite explica que a ação terapêutica pode estar ligada ao efeito direto destas substâncias na Default Mode Network, área cerebral que é ativada quando estamos introspectivos. “Em indivíduos gravemente deprimidos, essa rede está ruminando inúmeros pensamentos autodepreciativos. Ao relaxá-la com os psicodélicos, abrimos a possibilidade da mente interpretar as coisas de um jeito diferente”, esclarece.

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O neurologista Dráulio Araújo — que, atualmente, conduz experimentos com DMT no Hospital Universitário Onofre Lopes —complementa afirmando que essa mudança de perspectiva está intimamente ligada à formação de novas conexões neurais estimuladas pelos alucinógenos.

“O comportamento humano tende a ser circular. Em outras palavras, nossos sentimentos e emoções têm hábitos. Quem sente raiva com facilidade possui o costume de estar furioso. O que os psicodélicos fazem é aumentar o grau de possibilidades de reações frente a certos eventos. É a expansão de nossa flexibilidade cognitiva”, diz o pesquisador.

E fora dos laboratórios?

Até mesmo em contexto de uso adulto, os psicodélicos podem trazer benefícios emocionais.
Até mesmo em contexto de uso adulto, os psicodélicos podem trazer benefícios emocionais. (Kareen Sayuri/CLAUDIA)

Tudo isso pode ser observado em contextos controlados. Porém, não podemos ignorar que uma parcela expressiva da população faz o uso adulto dos psicodélicos — seja para se autoconhecer, se conectar com o divino ou apenas curtir a vibe. E aí, será que as vantagens podem se garantir fora de um laboratório?

Para Alice Reis, a resposta é positiva (mas envolve inúmeras ressalvas): “Quando tomamos um Rivotril, independente das intenções, somos beneficiados por aquelas propriedades terapêuticas. O mesmo vale para os cogumelos ou o LSD. Mas, claro, isso não é garantia que você terá uma viagem tranquila”, pontua.

Segundo a psicóloga, um dos possíveis usos negativos dos psicodélicos acontece quando acreditamos que eles irão nos salvar. “O ideal é consumir com um acompanhamento psicológico que ajude a processar os insights da viagem. Mas, atualmente, a sociedade quer soluções rápidas para os problemas. Quantos não tomam antidepressivos sem fazer terapia? Queremos cessar os sintomas sem entrar em contato com a fonte da dor”, afirma.

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Outro alerta importante: mesmo que os alucinógenos não ofereçam riscos extremos à saúde — um estudo realizado pelo neuropsicofarmacologista David Nutt comprovou que o álcool é mais prejudicial ao corpo que quaisquer outras substâncias psicoativas —, indivíduos com tendência psicótica comprovada ou histórico de psicose na família devem evitar os psicodélicos, pois eles podem desencadear quadros clínicos graves.

Um estudo realizado pelo neuropsicofarmacologista David Nutt comprovou que o álcool é mais prejudicial ao corpo do que quaisquer outras substâncias psicoativas.

 

Feitas as exceções, os clássicos LSD, psilocibina, mescalina e DMT são seguros, segundo as fontes ouvidas para essa reportagem: “Eles não provocam dependência química e nem oferecem efeitos tóxicos acentuados”, pontua Marcelo.

O ritual de ayahuasca que o diga: nele, ingere-se entre 50 a 100 ml do chá (que contém DMT). De acordo com Dráulio Araújo, precisaríamos tomar 30 litros da bebida para sofrer uma overdose. “Até água nessa quantidade mata”, brinca.

Já no caso do MDMA, a história é outra… “Há alguns relatos de morte. São raros, mas existem”, alerta Marcelo Leite sobre a droga que virou “moda” entre os jovens mundo afora.

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Ranking das substâncias mais letais (e quantos brasileiros já a consumiram alguma vez na vida):

1. ÁLCOOL
66,4% da população brasileira

2. HEROÍNA
460 mil

3. CRACK
1,3 milhões

4. COCAÍNA
4,6 milhões

5. TABACO
26,4 milhões

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6. MACONHA
11,7 milhões

7. ECSTASY
1 milhão

8. LSD
1,2 milhões

De acordo com o Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (Lenad), o álcool é a substância mais consumida em território nacional.

“Nossos sentimentos e emoções têm hábitos. O que os psicodélicos fazem é aumentar o grau de possibilidades de reações frente a certos eventos. É a expansão de nossa flexibilidade cognitiva”

Dráulio Araújo, neurologista
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Um outro modo de uso que vem ganhando adeptos é a microdosagem. A proposta é consumir um décimo de uma dose cheia. Ou seja, você reduz o possível dano da substância sem experimentar alterações de consciência e, em tese, nem perder as propriedades terapêuticas dela.

“A dose completa do LSD contém 250 µg. Você tomaria algo em torno de 10 a 25 µg. O regime consiste em ingerir de duas a três vezes por semana, com intervalos de dois dias”, esclarece Marcelo.

Quem aderiu à técnica relata sentir melhorias na disposição, criatividade e humor. Contudo, a eficácia da prática continua sendo uma incógnita para a ciência. “Não há estudos o suficiente sobre o assunto e a escassez de resultados robustos sugere que a microdosagem pode ser puramente um efeito placebo”, complementa o jornalista.

Mergulhando na expansão com psicodélicos

Os psicodélicos aumentam a possibilidade de reações frente a certos eventos.
Os psicodélicos aumentam a possibilidade de reações frente a certos eventos. (Kareen Sayuri/Reprodução)

Quem deseja experimentar a dita expansão da consciência precisa estar atento ao set (o seu estado de espírito no dia) e ao setting (o quão agradável é o ambiente que você terá essa experiência) para ter uma viagem rica em aprendizados.

“Esteja com pessoas confiáveis, preste atenção aos seus sentimentos e, principalmente, estude sobre a substância que irá ingerir. Quem toma LSD pela primeira vez sem saber que os efeitos podem durar até 12 horas pode achar que enlouqueceu”, avisa Alice.

Com esses pontos ajustados, prepare-se para um mergulho em si mesmo: “É como fazer uma psicoterapia na qual o terapeuta é você. Quando somos nós os nossos próprios terapeutas, não conseguimos mentir”, declara Dráulio. Uma vez com as barreiras do ego dissolvidas, não é incomum ouvir relatos de jornadas que se comparam a um encontro com Deus — qualquer que seja ele.

“Chamamos de expansão da consciência porque, durante e após a viagem, a maioria passa a encarar o mundo interno e externo com um novo olhar. Muitos se convencem que os próprios problemas não são tão penosos. A relação com a natureza é alterada devido a potencialização da percepção visual e auditiva. Alguns se tornam mais pacientes”, conta Marcelo Leite, também autor do livro Psiconautas, uma vasta pesquisa sobre a história dos psicodélicos desde o século 20 até a proposta de uso medicinal atual.

A era dos psicodélicos

Alice Reis relembra que a história da humanidade está intimamente ligada ao uso de drogas. “Qualquer política que tente se opor a isso está fadada ao fracasso”, dispara. E, ao que tudo indica, estamos cada vez mais próximos de viver uma verdadeira era dos psicodélicos.

Nos Estados Unidos, há a expectativa de que protocolos de psicoterapia apoiadas com MDMA sejam aprovados até 2024. Em seguida, os cogumelos mágicos devem ser aceitos para o tratamento de depressão no país. Com a regulamentação do MDMA e da psilocibina em território norte-americano até 2026, países como o Brasil devem seguir a mesma tendência.

“Não é de todo improvável que até 2030 tenhamos ‘revoluções’ em terras brasileiras. Aqui é mais lento, pois há entraves ideológicos e burocráticos. Mas não podemos esquecer que a quetamina — que não deixa de ser um psicodélico — já é usada para tratar quadros depressivos com ideações suicidas desde 2020, quando foi aprovada pela Anvisa. Esse é um ótimo sinal”, conclui Marcelo Leite.

Para se aprofundar na psicodelia

Como Mudar a Sua Mente

Documentário de Michael Pollan na Netflix.
Documentário de Michael Pollan na Netflix. (Netflix/Reprodução)

Minissérie da Netflix mostra os benefícios do LSD, peyote, ecstasy e psilocibina.

Psiconautas

Livro de Marcelo Leite sobre a história dos psicodélicos.
Livro de Marcelo Leite sobre a história dos psicodélicos. (Fósforo/Reprodução)

Marcelo Leite traça a história dos psicodélicos no mundo (Fósforo, R$ 75).

A experiência psicodélica

Timothy Leary explica como os psicodélicos alteram padrões comportamentais destrutivos.
Timothy Leary explica como os psicodélicos alteram padrões comportamentais destrutivos. (Aleph/Reprodução)

Livro de Timothy Leary sobre o papel dos psicodélicos na transformação de padrões comportamentais (Aleph, R$ 60).

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