Harmonização genital: procedimentos estéticos viram desejo
A busca por intervenções estéticas íntimas é cada vez mais comum entre mulheres e homens. Aqui, desvendamos este cenário, tão intrínseco às pressões sociais
Três rápidas e sonoras chamadas marcam o começo do atendimento. Significam que o paciente está liberado para entrar no consultório e questionar ao médico se há algo de errado com o formato de seus órgãos genitais. Apesar de, na maioria dos casos, tudo estar em perfeitas condições, muitos levantam-se, arrumam a roupa e, ainda assim, procuram por procedimentos estéticos para mudar a região.
Pode parecer absurdo pensar, mas a harmonização genital está em pleno crescimento, e o Brasil é campeão em cirurgias íntimas. O conjunto de procedimentos estéticos é para diminuir a flacidez, transformar o tamanho e clarear a área.
“Assim como qualquer parte do corpo, as genitálias sofrem alterações conforme o tempo passa, e a harmonização busca reverter esse fenômeno”, afirma Karoline Reis, ginecologista especializada em estética íntima.
Entre as opções para “corrigir” a aparência, a mais procurada é a ninfoplastia, também chamada de labioplastia, que consiste na diminuição do tamanho dos pequenos lábios vaginais por meio do corte com laser ou lâmina.
Segundo dados divulgados pela Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica (ISAPS), nos últimos 4 anos houve um aumento de 75% na procura pelo procedimento.
O Brasil liderou o ranking mundial com quase 16 mil ninfoplastias realizadas. A motivação para a intervenção é a atrofia vaginal, que atinge cerca de 56% das brasileiras, conforme a pesquisa Vaginal Health: Insights, Views & Attitudes (VIVA). Importante notar que nem todas escolhem a realização por fins estéticos: há quem se incomode com o atrito da pele com a roupa ou tenha dificuldades com a higienização da área.
Outras possibilidades existentes no mercado englobam o preenchimento com ácido hialurônico — o mesmo utilizado para aumentar a boca — e enxerto de gordura a partir da lipoaspiração e posterior aplicação nos grandes lábios.
Enquanto isso, homens apostam na bioplastia peniana, que são aplicações de ácido hialurônico no perímetro do corpo do pênis para ter o engrossamento ou alargamento da região. Também há cirurgias para a redução do escroto, parte em que os testículos estão presentes.
A visão estereotipada da genitália feminina promovida na pornografia e a falta de referências para que as mulheres comparem o aspecto de suas vulvas é uma das principais razões para a grande procura por intervenções, segundo estudo da Universidade de Melbourne.
A sexóloga Sabrina Kraft aponta que os filmes adultos estimulam a ideia de que os lábios menores não devem se projetar à frente da borda dos lábios maiores.
A genitália masculina, por outro lado, precisa ser grande, grossa e reta. No entanto, não há uma base clínica que sustente a harmonia dessas medidas. Inclusive, elas mudam constantemente por fatores como idade, temperatura do dia, fase do ciclo menstrual, roupas e excitação.
“A pornografia apresenta corpos e genitais que não representam a diversidade da anatomia humana. Assim, expectativas irrealistas podem ser criadas sobre como ela deveria ser”, comenta a psicóloga de mulheres Isabela Teixeira.
A preocupação começa cada vez mais cedo: os cientistas de Melbourne identificaram que a idade média das pacientes preocupadas com o aspecto de suas vulvas era de 14 anos.
A dinâmica faz parte de um contexto social de pressão para atender padrões de beleza, o que agrava a situação e possibilita o adoecimento psicológico de quem não atende essas demandas, de acordo com a especialista. “Esses fatores podem desencadear ansiedade, depressão, disfunção sexual e percepção distorcida da própria sexualidade, devido às preocupações constantes sobre a imagem que possuem e à baixa autoestima”, pontua Isabela.
Muitas vezes, a pressão é feita pelos próprios companheiros, motivo pelo qual o interesse pela harmonização genital pode crescer.
“Quando alguém reforça as inseguranças do outro, os pensamentos desta pessoa vão hiperfocar na situação, atrapalhando a experiência do sexo, por exemplo”, esclarece a terapeuta sexual e sexóloga Bárbara Bastos.
O medo da rejeição e a vergonha sentida por conta das genitálias interfere na vida sexual das pessoas, que se veem como inadequadas, o que não permite que aproveitem o momento.
“A sexualidade está na nossa cabeça. Nossas emoções têm a ver com desejo e satisfação sexual”, acrescenta Sabrina.
Quem opta pelas intervenções encontra os riscos aos quais qualquer procedimento está sujeito: infecções locais, necrose; cicatrizes grandes, dolorosas ou esteticamente inadequadas; hematomas, edema, abertura espontânea dos pontos e assimetrias são alguns deles, segundo Karoline.
“Essas complicações ocorrem quando a paciente não segue as recomendações.” Balancear desejos e riscos, enquanto se questiona por que pretende fazer, dessa forma, parece necessário.
A pressão para atender padrões de beleza pode desencadear ansiedade, depressão, disfunção sexual e percepção distorcida da própria sexualidade, devido às preocupações constantes sobre a imagem que possuem e à baixa autoestima
Isabela Teixeira, psicóloga de mulheres
Ao pensar em estratégias para ajudar homens e mulheres a desenvolverem uma relação mais saudável e positiva com seus corpos, Bárbara acredita no poder da educação.
“Ela serve para que possamos entender os nossos limites e tenhamos conhecimentos sobre o nosso corpo”, afirma. Outro ponto lembrado por Isabela é a exploração da própria anatomia e a realização de terapia para discutir sobre as inseguranças. “Dedique um tempo a esses dois pontos para melhorar sua relação com você mesma.”
Por fim, Sabrina nos convida a deixar de lado a comparação. “A beleza de outras pessoas não anula a sua beleza. O seu corpo é único, e a comparação é um veneno para nossa autoestima. Observe suas genitálias, explore sua anatomia e descubra seu prazer. Olhe para si com carinho, isso definitivamente faz a diferença.”