Crioterapia: tudo sobre o tratamento gelado (e poderoso)
Por baixo do gelo e da névoa de nitrogênio, fomos testar a crioterapia – uma prática glacial de bem-estar
Imagine passar 3 minutos em uma cabine futurista que, com ajuda de gás nitrogênio, expõe seu corpo a uma temperatura de -160°C? Sim, você leu certo: cento e sessenta graus negativos — um climinha congelante que nem a Sibéria proporciona em condições naturais. Pois esse desafio me foi confiado para esta reportagem. Minhas expectativas estavam altas — na mesma medida do meu receio. Após preencher uns formulários de saúde e passar por uma avaliação rápida com um fisioterapeuta, aos poucos, fui ficando mais relaxada. Em poucos minutos, estava dentro de uma sala iluminada por uma luz azul — seguindo os preceitos da cromoterapia, que dizem que essa cor traz calma — e vi a criossauna em formato de tubo, prestes a me congelar para a Crioterapia.
Ao entrar na cabine, pude escolher uma música para me acalmar. Ao som de Taylor Swift, a máquina foi ligada e começaram os jatos de nitrogênio.
Já adianto: de fato, é como entrar em um congelador industrial. Enquanto a temperatura diminuía, pediram para que eu ficasse girando na cabine e que evitasse olhar para o timer. -10°C, -60°C, -100°C… Será que aguentamos isso?
Na metade da sessão, depois de 1 minuto e meio, finalmente estávamos na temperatura limite e meu corpo tentava se acostumar. A segunda metade da experiência, que aconteceu no The Corner Sports & Health, um complexo de medicina integrativa, esporte e gastronomia em São Paulo, demorou mais para passar.
Cada jato parecia fazer o tempo se estender. Mas a sessão acabou e saí da cabine empolgada. Coloquei o roupão e logo senti as pernas ficando leves. Não demorou muito e meu corpo se aqueceu, me dando uma sensação de calma e bem-estar.
Quais os benefícios da crioterapia?
“A crioterapia é o uso terapêutico de baixas temperaturas para tratamentos corporais e comportamentais. Serve para recuperar lesões musculares e até como acompanhamento coadjuvante na depressão”, explica Adriano Xavier, fisioterapeuta formado pela Universidade de São Paulo e acompanhante da técnica no Corner Sports & Health.
Ao pensar na crioterapia, você possivelmente deve ter uma imagem na cabeça de algum atleta submergido em uma banheira cheia de gelo para aliviar o cansaço e a dor corporal após um grande jogo.
Contudo, a técnica pode ser realizada de várias maneiras — incluindo, sim, o uso de gelo, mas também a exposição a nitrogênio dentro de cabines modernas, as chamadas criossaunas.
Foram elas, por exemplo, que ajudaram Neymar a se reabilitar de uma lesão de ligamento após a estreia do Brasil na Copa do Mundo de 2022.
Mas passar frio voluntariamente não é de hoje. Há milênios a humanidade conhece o poder do gelo. Desde o Egito Antigo, em 2500 a.C, já se usava neve e gelo natural para o cuidado de inflamações corporais, mais ou menos como aquele clássico remédio caseiro que nossas mães usavam para aliviar a dor de pequenos acidentes, lembra?
Como a crioterapia funciona?
Pela lógica, parece improvável que se expor a -160°C possa ter algum tipo de benefício ou mesmo que seja, de alguma forma, seguro. “Quando exposto ao frio, nosso corpo prioriza a irrigação dos órgãos vitais porque saímos de um estado de homeostase, ou seja, de equilíbrio. O corpo passa a priorizar a sobrevivência e, com isso, envia a maior parte do sangue para o coração e o cérebro. No resto, realiza a vasoconstrição, que diminui a espessura dos vasos sanguíneos nas extremidades periféricas, como braços e pernas”, explica o fisioterapeuta Adriano Xavier.
O profissional aponta que, no fim da sessão, passamos pelo processo oposto, a chamada vasodilatação, na qual o calibre dos vasos sanguíneos aumenta devido à necessidade do corpo de se esquentar rapidamente. Isso aumenta o fluxo sanguíneo e a mobilização das células anti-inflamatórias. Por isso a sensação de tanto bem-estar que senti.
Mas existe alguma diferença entre a criossauna e a banheira de gelo? Para Tamires Ribeiro, membro da diretoria da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte, a grande diferença é o tempo de permanência, embora os benefícios sejam os mesmos.
“No caso das banheiras, o choque térmico é imediato ao entrar em contato com a água, e a pessoa pode ficar de 15 a 20 minutos submergida. Já na cabine, a mudança de temperatura é gradual, e tudo dura em média de 3 a 5 minutos”, diz.
Usos da crioterapia: do poder anti-inflamatório ao bem-estar
Seja na banheira ou na criossauna, a crioterapia não é útil apenas para o camisa 10 da seleção. Ela pode beneficiar até aqueles que só querem um gostinho do bem-estar que as baixas temperaturas podem oferecer.
“A técnica é usada principalmente dentro da medicina esportiva, para aliviar os processos agudos inflamatórios que ocorrem durante o treino”, diz Tamires.
O aumento do fluxo sanguíneo pós-crioterapia faz com que a técnica também seja considerada um tratamento complementar para dores crônicas como, por exemplo, artrite e artrose.
“O tratamento também promove um efeito sistêmico em que a quebra da homeostase libera no corpo substâncias como a serotonina, a adrenalina e a dopamina — justamente os hormônios do prazer. Assim, fornece uma sensação de bem-estar para além das inflamações”, completa Xavier.
Arthur Guerra, médico psiquiatra especialista em dependência química e saúde mental, explica que a exposição ao gelo apareceu antes do uso de medicamentos psiquiátricos: costumava-se colocar pacientes agitados em uma banheira de gelo e, em seguida, em uma de água quente.
“Não é uma técnica que a gente use como tratamento único, mas talvez acompanhada de medicamentos, exercícios e dieta. A crioterapia pode ser usada como uma técnica coadjuvante”, ressalta Guerra.
Contraindicações da crioterapia
Apesar de ter tantas aplicações, as baixas temperaturas podem não ser indicadas para todos. “Dentre as contraindicações estão pessoas com problemas cardiovasculares e circulatórios sem monitoramento. Elas não podem realizar a sessão porque a prática altera o fluxo sanguíneo e, por consequência, a pressão sanguínea”, comenta o fisioterapeuta.
Indivíduos com problemas respiratórios ou com algum tipo de infecção ativa também não são os pacientes ideais da crioterapia, uma vez que o frio extremo pode prejudicar o processo de cicatrização.
Por isso, é importante entender que essa não é uma técnica milagrosa. É indispensável o acompanhamento médico, além da continuidade dos tratamentos tradicionais.
Mais do que tudo, a crioterapia mostra-se como uma oportunidade de autocuidado valiosa — além de, é claro, uma boa pedida para fugir desse calor. Eu mesma pude comprovar.