Entenda os perigos do aparelho dental para a perda de peso
Além de poder gerar asfixia em quem usa, o estudo reforça estereótipos gordofóbicos
“Combater a epidemia global de obesidade”. Esse foi o termo utilizado em um estudo, visando a perda de peso com um dispositivo que limita a abertura da boca, divulgado pela revista científica The British Dental Journal.
Os pesquisadores da Universidade de Otago, na Nova Zelândia, e do Hospital Escola de Leeds, no Reino Unido, chamaram sete mulheres obesas que queriam emagrecer para serem voluntárias e comprovarem a “eficácia” do aparelho.
Por duas semanas, elas usaram uma espécie de imã na boca e passaram por consultas de revisão depois de 1, 7 e 14 dias de utilização. Nessa etapa, as participantes deveriam compartilhar como estava sendo suas experiências.
Ao final do estudo, cada mulher perdeu em média 6,30 kg. Entretanto, duas semanas após a remoção do imã, as mesmas ganharam peso e relataram dificuldade em pronunciar algumas palavras, desconforto intenso por conta do atrito do dispositivo nas bochechas e insatisfação.
Segundo os pesquisadores, o dispositivo foi planejado para que as vias aéreas se mantivessem nas configurações normais, permitindo a fala e alimentação com dieta líquida. Eles rebatem a fala das voluntárias dizendo que não existem efeitos adversos e que o uso do aparelho pode ser mais em conta do que uma cirurgia bariátrica.
“Sugere-se que muitas pessoas obesas podem achar este um tratamento alternativo atraente para alcançar uma perda de peso bem-sucedida”, afirmaram os estudiosos.
No entanto, essa fala se contradiz com o próprio estudo. Segundo ele, se a pessoa tentar ingerir alimentos sólidos ou vomitar, pode ter até uma asfixia.
“Foi incorporado um mecanismo de segurança que permite o desligamento do dispositivo em caso de uma emergência, como um ataque de pânico ou quando surge a possibilidade de asfixia”, explicaram os pesquisadores.
Opinião médica
Para a nutricionista especializada em comportamento alimentar, Jaqueline Guilherme, o levantamento feito pela Universidade da Nova Zelândia pode não ser tão efetivo e representa uma violação à saúde das participantes.
“Quando a gente faz uma cirurgia bariátrica, a pessoa é submetida temporariamente a uma dieta líquida porque seu conteúdo gástrico foi reduzido. Ou seja, neste caso realmente não tem condições biológicas do paciente deglutir e digerir um grande volume, o que é diferente de uma pessoa que não foi submetida ao procedimento”, aponta.
De acordo com a especialista, o aparelho impede que a pessoa consuma sua necessidade calórica e o estudo distorce o conceito de saúde. “O conceito da palavra saúde é o estado pleno de bem-estar, físico, mental e social. Então, qual é a qualidade de vida de alguém que está com esse aparelho dental? Qual é o bem-estar pleno, mental de uma pessoa que está com fome por não mastigar e com os hormônios regulados”, alerta a especialista.
Gordofobia no estudo
“Ao ler o estudo deste dispositivo de emagrecimento, me vi em um redemoinho de sentimentos. Passei pela indignação, raiva, tristeza e, por fim, preocupação”, disse a jornalista e ativista Thamiris Rezende.
“A preocupação prevalece, porque afinal ainda há uma forte corrente pela busca do corpo perfeito, aquele que durante décadas e décadas foi vendido pela mídia e publicidade como o ideal. Muitas de nós ainda somos reprimidas pelos nossos corpos e prova disso é que o Brasil lidera o ranking de países com maiores números de cirurgias estéticas. Muitas mulheres morrem ao se arriscar em procedimentos estéticos invasivos em busca da magreza, do bumbum na nuca e a barriga negativa”, destaca.
A ativista disse que também sentiu tristeza, uma vez que o seu trabalho e de outras criadoras de conteúdo é erradicar essa relação doentia com corpos gordos. “Lutamos pela desconstrução desse conceito errático de que a pessoa gorda não é saudável. Magreza não é sinônimo de saúde e alternativas tão nocivas de emagrecimento patologizam o corpo gordo”, afirma.