Alzheimer afeta mais mulheres que homens; entenda
Doença acomete duas vezes mais mulheres que homens, um fenômeno ainda sem explicação. Falar sobre essa diferença é o começo
Primeiro é o nome de uma amiga querida que é esquecido. Em seguida, a pessoa está empurrando o carrinho de compras e não consegue mais se lembrar o que queria do mercado. Então aparecem as histórias repetidas: sempre os mesmos episódios, contados da mesma forma, sem notar que o interlocutor já ouviu aquele causo algumas vezes. O que será que está acontecendo? Fazer confusão com nomes, datas e atividades é inevitável, acontece com todo mundo. Mas apresentar esses sintomas repetidamente, de forma que atrapalhe a independência na rotina, pode ser um sinal de alerta para a saúde mental: pode ser a doença de Alzheimer.
Os números impressionam: estima-se que ao menos 1,8 milhão de pessoas vivam com algum tipo de demência no Brasil. Com o envelhecimento da população, a previsão é ainda mais alarmante: acredita-se que até 2050 esse número atinja 5,5 milhões de pessoas.
Entre elas, a doença de Alzheimer é a mais frequente. Trata-se de um transtorno neurodegenerativo progressivo que se manifesta especialmente na deterioração das funções cognitivas, incluindo a memória.
O Alzheimer tem uma característica própria, que pouca gente conhece: ele afeta muito mais mulheres. Estima-se que seja quase duas vezes mais frequente nelas do que nos homens — ou seja: a cada três pessoas diagnosticadas, duas serão mulheres. Apesar de comum, a doença ainda é pouco discutida no universo feminino.
Historicamente, questões de saúde da mulher focam mais em doenças do aparelho reprodutor e mamas do que em outras enfermidades.
De fato, um estudo conduzido pelo Coletivo Weber Shandwick analisou menções sobre o Alzheimer nas redes sociais e na imprensa e encontrou 231 mil menções a ele, mas somente 3.500 delas eram atreladas às mulheres. Em comparação, havia mais de 190 mil menções ao câncer de mama.
“Ainda enfrentamos preconceito quando falamos de saúde mental. É diferente de falar de uma doença física, como o câncer de mama”, diz o neurologista Rodrigo Schultz, presidente da Associação Brasileira de Alzheimer.
A geriatra Claudia Suemoto, professora da Faculdade de Medicina da USP e coordenadora do Banco de Cérebros da universidade, concorda: “Muita gente ainda acredita que ter um idoso com problemas de memória em casa faz parte do envelhecimento normal, mas não faz”.
Por que o Alzheimer afeta mais as mulheres?
A ciência ainda não tem uma resposta definitiva para essa pergunta. Há uma série de potenciais razões sociais, genéticas e biológicas para tentar explicar por que as mulheres têm mais Alzheimer do que os homens.
Um dos argumentos mais repetidos é que essa discrepância ocorreria por elas viverem mais do que eles — o avanço da idade é um fator de risco e há um aumento exponencial de casos com o passar dos anos.
A prevalência é de 3% acima dos 65 anos, e esse valor dobra a cada cinco anos. Assim, uma pessoa com mais de 90 anos tem em torno de 40% de risco de desenvolver a doença.
“No entanto, várias pesquisas foram feitas ajustando a idade, com homens e mulheres da mesma faixa etária, e ainda assim elas continuam tendo mais Alzheimer do que eles”, afirmou a professora Suemoto.
Há outras possíveis hipóteses além do envelhecimento feminino. Uma delas é o acúmulo de reserva cognitiva — que é a reserva cerebral construída ao longo da vida por meio da neuroplasticidade (capacidade do cérebro formar novos neurônios e aumentar a conexão entre eles).
De maneira simplificada, quanto maior a reserva cognitiva, mais o cérebro suportaria as lesões causadas pelo Alzheimer. Segundo Suemoto, uma das maneiras mais importantes de criarmos reserva cognitiva é estudando.
“Mas em muitas sociedades existe uma desigualdade entre o acesso à educação entre homem e mulher. Mesmo onde existe o acesso, a educação delas nem sempre é valorizada”, explicou.
“Há diferenças de gênero em relação ao trabalho. Cargos cognitivamente estimulantes requerem habilidades mais qualificadas. Muitas mulheres acabam em ocupações que não exigem qualificação e são menos desafiadoras. No Banco de Cérebro da USP, boa parte da amostra é de mulheres que eram donas de casa. E ser dona de casa não é uma atividade cognitivamente estimulante”, destacou.
Segundo a médica geriatra Ana Cristina Canêdo Speranza, diretora científica da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), uma terceira hipótese está nas alterações hormonais das mulheres na menopausa.
Em meio às flutuações de hormônios típicas do climatério e da menopausa existe um forte impacto sobre o funcionamento cerebral, que repercute na memória, humor e comportamento. “Mulheres que entram na menopausa mais cedo têm risco maior de ter demência do que as que entram mais tardiamente”, diz Canêdo.
E quem vai cuidar das mulheres com Alzheimer?
Mas o impacto do Alzheimer sobre a vida das mulheres vai além da mera doença. No Brasil, 82% dos cuidadores de pessoas que têm Alzheimer ou outras demências são justamente… mulheres.
“Elas não são apenas a maioria das pacientes, são a maioria dos cuidadores. E entre cuidadoras, cerca de dois terços desenvolvem algum transtorno de saúde mental por causa da sobrecarga e do estresse”, afirmou Schultz.
Para Canêdo, diante desse cenário, é preciso pensar em estratégias de prevenção que sejam sexo-específicas. “Se a gente sabe que as mulheres têm duas vezes mais risco, talvez devêssemos implementar ações de prevenção exclusivamente voltadas para elas. Precisamos levar essa discussão para a sociedade”, diz.
Como prevenir o Alzheimer
– Praticar atividades físicas
– Ter uma alimentação saudável
– Conviver com amigos e familiares
– Estudar
– Tratar a depressão
– Cuidar da saúde auditiva
– Ficar em ambientes silenciosos
– Não fumar
– Cortar o álcool
– Controlar a pressão arterial
– Controlar o diabetes
– Perder peso