PL “Escolhi esperar” abre brecha para retrocesso na educação sexual
Oposição e ativistas apontam que projeto traz conservadorismo e valores religiosos para as políticas públicas ao sugerir abstinência sexual
“Escolhi esperar” é um projeto de lei sobre educação sexual para adolescentes que divide opiniões e preocupa ativistas de movimentos em prol dos direitos de mulheres, de crianças e adolescentes. O PL 813/2019 seria votado na Câmara Municipal de São Paulo em junho, mas foi adiado após pressão de manifestantes.
Evangélico, o vereador Rinaldi Digilio (PSL) é autor do projeto que propõe a criação de um programa de “prevenção e conscientização sobre gravidez precoce” por meio de palestras e atividades com intuito de “disseminar informações sobre medidas preventivas e educativas”.
A vereador Luana Alves (PSOL) aponta que “é um projeto que estimula a abstinência sexual como política de educação sexual e que tira possibilidade de falar de contraceptivos”. Segundo a parlamentar, o PL representa um atraso na educação sexual do município.
“O que a gente quer na Câmara de São Paulo são políticas eficazes de prevenção a gravidez indesejada, políticas que falem sobre a conscientização e o uso de contraceptivos, sobre os limites do corpo, sobre autonomia em relação à maternidade e a paternidade e não um projeto de atraso [como esse]”, explica a vereadora.
Religião e política
Apesar do texto não mencionar a abstinência sexual ou defender o sexo antes do casamento, o nome é quase o mesmo do movimento internacional “Eu escolhi esperar”, que surgiu em 2011. Criado pelo pastor evangélico Nelson Júnior e sua esposa, Ângela Cristina, o projeto prega que as relações sexuais devem acontecer apenas depois do matrimônio.
A jornalista Isabela Garrido, autora do blog “Tem Mulher na Igreja!”, afirma que a medida fere o princípio do estado laico no país e desrespeita as outras religiões ao impor uma moral cristã.
“A proposta não diz diretamente que vai estimular abstinência sexual, mas também não diz o contrário e, como ele [Rinaldi Digilio] é um pastor evangélico, a gente sabe que se esse projeto passar vai por esse caminho da abstinência”, aponta Isabela, mencionando que também é um caminho defendido pela ministra Damares Alves (PP).
A pauta ganhou mais destaque com o governo de Jair Bolsonaro (sem partido), principalmente dentro do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos humanos liderado por Damares. A ministra defende a abstinência como política de combate a gravidez precoce e a proliferação de ISTs.
O autor do projeto, no entanto, nega que exista viés ideológico no PL. “Eu não faço parte do instituto [Eu Escolhi Esperar]. Conheço seus criadores, como conheço pastores de todo o Brasil”, afirmou.
O vereador reforçou também que o projeto consiste em “palestras, rodas de conversas e orientações feitas pelos profissionais da saúde e da educação para alertar sobre os riscos da gravidez precoce.”
Saúde pública
Isabela aponta que o projeto reforça o machismo entranhado na sociedade, já que a repressão sexual é mais forte sobre as mulheres. Além disso, “quando a abstinência sexual é imposta, ela também traz problemas e traumas pra vida dos jovens, porque é uma forma de repressão sexual”, considera a ativista.
“O PL desconsidera a autonomia do adolescente em conhecer todas as possibilidades para cuidar de si, para se conhecer e então escolher como, quando e com quem se relacionar”, afirma a médica obstetra e ginecologista Isis Quaresma.
Para a especialista, “as políticas públicas devem oferecer informação e segurança para que os jovens exerçam sua sexualidade” em vez de sugerir a abstinência sexual.
Além disso, o problema envolve inúmeros fatores que pedem medidas efetivas. Por ano, a taxa de gestação precoce no mundo é de 44 nascimentos a cada mil adolescentes de 15 a 19 anos, de acordo com um relatório realizado pela Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo). A situação no Brasil é ainda mais séria, porque o número salta para 62 nascimentos a cada mil jovens.
A maioria dos dados gira em torno dos 15 aos 19 anos, mas jovens de 10 a 14 anos também são acometidas. Um estudo realizado por especialistas da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), junto com outras instituições, revela que entre 2016 e 2015 o país registrou mais de 278 mil gestações entre mães que haviam acabado de sair da infância e entrado na adolescência.
A ginecologista aponta ainda que a privação não possui nenhuma base cientifica que demostre diminuição de gestações na adolescência. “Além disso, desconsidera outras relações que não a heterossexual e ainda pressupõe que todo adolescente está aguardando um suposto casamento”, finaliza.
Votação do projeto
Em setembro do ano passado, a oposição votou a favor do texto quando a proposta consistia em uma “Semana escolhi esperar”, com programação de atividades pontuais em março. Porém, agora o PL 813/2019 propõe um programa duradouro e permanente.
Vereadores do PSOL e do PT sugeriram a mudança do nome para “Semana de conscientização de métodos anticonceptivos”. Assim, o projeto focaria na prevenção de gestações indesejadas e conscientização sobre planejamento e saúde.
No entanto, quando a votação passou para o segundo turno, Rinaldi Digilio apresentou um novo texto que substituiu a proposta anterior. Se for aprovado, o PL precisará ser sancionado pelo atual prefeito Ricardo Nunes (MDB), que é ligado à bancada evangélica na Câmara e já se mostrou favorável à iniciativa.
A Prefeitura de São Paulo, em nota oficial, afirmou que não autoriza a interferência religiosa na política. “Sobre a abstinência sexual ser um método eficaz de evitar a gravidez precoce, essa escolha cabe à adolescente, e seu projeto de vida. A abstinência não será utilizada pelo município como política pública de prevenção da gravidez na adolescência.”
A votação foi adiada diversas vezes após a pressão de manifestantes. O último ato contra o PL 813/2019 ocorreu na última terça-feira (6) em frente à Câmara Municipal. “Apesar de ser um atraso, hoje o movimento de mulheres está barrando esse projeto. E nós, as vereadoras, estivemos na Câmara colocando quanto era absurdo esse projeto, inclusive ele não foi a votação porque não conseguiu ter força”, afirma a vereadora Luana Alves.