Moda cíclica: entenda o conceito
A cultura pop é um dos fatores que influenciam esse "ciclo" fashion, vide tendências como Barbiecore
Você já deve ter ouvido falar que estamos vivendo um retorno dos anos 2000 pois a moda tem vida útil de 20 anos. Mas essa história não começa bem assim: nem sempre foi necessário revisitar o passado para criar ou recriar novas tendências. “A tendência dos ciclos sazonais surgiu no início da moda moderna, quando as coleções passaram a ser organizadas com base em temporadas”, explica Carol Garcia, pesquisadora e consultora de moda do Bureau de Estilo.
Podemos dizer que a estilista francesa Jeanne Lanvin, pioneira na área, começou esse movimento nos anos de 1920, ao criar um vestido de inspiração romântica do século XVIII. “O objetivo era reviver a feminilidade que havia sido esquecida durante a Primeira Guerra Mundial”, conta Carol. “No entanto, o exemplo mais icônico de uma criação inspirada no passado é o New Look de Christian Dior, em 1947, uma coleção que remeteu à década de 1860. Essa imagem deu origem ao culto à figura da ampulheta”, completa.
Lanvin e Dior, exemplificando, foram atrás de um resgate como fuga de um período pós-guerra. Na década de 1940, as mulheres tiveram que ocupar “atividades masculinas” e as roupas precisaram se tornar mais práticas no setor feminino. “Dior adaptou a silhueta de 1860 para torná-la mais funcional e adequada para a vida contemporânea”, explica Carol.
Por que hoje em dia as tendências costumam se reciclar em 20 anos?
Vivemos em uma era onde as informações chegam muito rápido, e isso vale tanto para as notícias quanto para as tendências. Com isso, os conteúdos viralizam e somem na mesma intensidade. E ao falarmos de moda e beleza, temos que pensar na produção de massa (alô, fast fashion!).
“Seja qual for a duração, o importante é notar que de Jeanne Lanvin para cá, esse ciclo torna-se cada vez mais curto”. Um dos motivos das tendências se reciclarem está ligado ao consumo em massa e também aos acontecimentos históricos. “As tendências de moda dos anos 1920 foram influenciadas pela era do jazz, em 1960 pela revolução cultural e dos anos 1980 pela cultura pop e tecnologia emergente. Toda tendência tem uma explicação social”, explica Carol.
A influência da cultura pop
É impossível falar de massificação e não responsabilizar a mídia e a cultura pop. Filmes, séries e novelas, especialmente em nosso país, têm um poder absurdo quando falamos de moda. “O que parece mais certeiro: apostar numa ideia totalmente nova e original que ainda não foi testada pelo público e, portanto, não se sabe como será o retorno ou apostar numa franquia de sucesso que já tem milhares de fãs consolidados?”, pontua Carol Garcia.
“A cultura pop é uma indústria milionária e cada vez mais se comporta como tal, colocando o lucro certo acima da criatividade e experimentação.”
Vale lembrar: a etimologia da palavra ‘moda’ vem do latim modus, e um dos significados deste termo está atrelado aos costumes. Sendo assim, o que está em voga na cultura e história acaba influenciando a maneira em que nos vestimos.
“A moda não existe num vácuo, é sempre uma tradução estética do zeitgeist [expressão alemã que sintetiza o espírito da época], das ideias e acontecimentos do momento e, portanto, não foge à lógica que mencionei logo acima”, complementa a pesquisadora.
Reciclagem não apenas nas tendências, mas pensando em sustentabilidade
Além da cultura pop, que anda mais nostálgica do que nunca, um dos principais fatores para a moda ser cíclica é a grande demanda por novidades. Infelizmente, isso está associado a um descarte excessivo, vide o que aconteceu com o Deserto do Atacama, no Chile. O lugar se transformou, literalmente, num cemitério de roupas descartadas. Inclusive, a situação se tornou tão precária, que a Organização das Nações Unidas (ONU) está alertando para uma “emergência ambiental e social”.
O retorno de tendências antigas faz as roupas circularem, aumentando a demanda por roupas vintage e evitando a compra de peças novas, que vão gerar mais lixo se não forem duráveis. “A moda vintage foi uma das principais razões para o surgimento dos brechós, mas a sustentabilidade tem sido cada vez mais valorizada na indústria da moda e isso tem impulsionado o sucesso deles”, comenta Carol. No entanto, “o público mais fiel dos brechós não é aquele que se preocupa em seguir tendências”.