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Síndrome de Wendy: Quando cuidar do outro é ruim para você

Você se vê constantemente ignorando suas necessidades? Veja quando o cuidado com os outros pode se tornar um problema

Por Adriana Marruffo
6 abr 2024, 08h00
cudado excessivo
Você vive no modo multi tasker e não tem tempo para si? Isso pode se tornar um problema, entenda (Sarah Chai/Pexels)
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Imagine um dia repleto de compromissos: levar os filhos para a escola, reuniões importantes no trabalho, ligar para as amigas e prestar apoio emocional, correr para a casa dos pais para fazer as compras da semana, tudo isso para ser o mais prestativa possível. E, claro, apesar de empático, que momento do dia resta para o autocuidado? Nesses casos, é comum que as pessoas – historicamente, tende a ser um padrão instruído às mulheres – tomem o cuidado excessivo com os outros, e optem por negligenciar suas próprias necessidades e desejos, fenômeno conhecido como Síndrome de Wendy

Claro, todos nós temos obrigações diárias, seja com o nosso trabalho ou com as nossas famílias, mas não podemos esquecer de colocar as nossas necessidades (e, inclusive, os nossos sonhos e metas) na lista.

Quantas vezes você já adiou marcar uma consulta médica porque existiam “coisas mais importantes”? Ou, quem sabe, já deixou seu tempo de lazer de lado para completar aquela tarefa “urgente” que, no fim, acaba nem sendo tão urgente assim?

“Não existe uma régua fixa para medir o quanto você deve ou não cuidar dos outros. Existem pessoas que irão conseguir se doar mais que outras. Mães de crianças pequenas, temporariamente, passam por um período de excesso de cuidado com os outros que não é saudável e sustentável para a saúde mental a longo prazo, por exemplo”, reflete a psicóloga Lara Marques (@laramarquespsi).

O cuidado como atribuição feminina

Quando se trata de cuidado, as mulheres são rotineiramente as mais afetadas pela falta de tempo para dedicar a si mesmas.

Em 2019, um estudo do IBGE estimou que mulheres de 14 anos ou mais dedicavam, em média, 21,4 horas semanais aos afazeres domésticos e/ou às tarefas de cuidado de pessoas, enquanto os homens dedicavam 11 horas. 

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Além disso, em análise mais aprofundada, a pesquisa também apontou que mulheres sem ocupação fora do domicílio dedicavam, em média, 24 horas semanais a essas tarefas, enquanto mulheres com ocupação fora do lar dedicavam 18,5 horas, o que correspondia a 6,4 horas a mais dedicadas do que os homens não ocupados (12,1 horas em média).

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As mulheres são comumente levadas ao papel de cuidadoras (Andrea Piacquadio/Pexels)

“Esse desejo de cuidado se dá devido às normas sociais instituídas, assim como expectativas de gênero. Desde pequenas, muitas vezes somos socializadas com papéis pré-estabelecidos, ensinadas a sermos cuidadoras, preocupadas com os outros. Isso corrobora para o desenvolvimento de um padrão onde o cuidado com o outro passa a ser priorizado, acima das nossas próprias escolhas”, explica Isabela Teixeira (@isabelateixeirapsi), psicóloga de mulheres sobre o padrão. 

Lara exemplifica que esse tipo de socialização para o cuidado acontece de maneiras explícitas, como cobrar que as filhas cuidem da casa e não aplicar a mesma demanda para os irmãos, e de maneiras implícitas, como brincadeiras e filmes que sempre retratam mulheres nas posições de cuidado.

“O próprio exemplo de viver em uma família onde somente as mulheres cuidam da casa e das pessoas já é um grande reforçador da mensagem de que o trabalho de cuidado é nossa responsabilidade”, reforça Lara. 

Assim, as pressões reforçadas de sermos “boas” e “prestativas” criam uma resposta de funcionalidade errônea no cérebro, colaborando para o desenvolvimento de culpa, ressentimento, estresse, ansiedade, necessidade de aprovação e até depressão.

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“A negligência consigo mesmo leva a problemas nos âmbitos físico e emocional, e corrobora para dificuldades nas relações interpessoais”, coloca a psicóloga de mulheres. 

Será que estou vivendo uma Síndrome de Wendy?

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Não existe uma medida certa para o cuidado, você define seus limites (August de Richelieu/Pexels)

Assim como estipulado pela psicóloga Lara Marques, não existe uma medida ‘ideal’ ou milimetricamente pensada em relação a quanta ajuda devemos dar até atingir o excesso, se trata de algo pessoal e diferente para cada um.

Porém, uma coisa é certa: o excesso é atingido quando passamos a ignorar nossas necessidades, sonhos e desejos. Seja a vontade de começar um novo hobby ou, quem sabe, apenas aquele tempo sozinha antes do banho: nossas necessidades e desejos não podem ficar de lado para fornecer ajuda. 

Claro, isso nem sempre depende unicamente da pessoa que sofre com este padrão, mas também do grupo que a rodeia. Por exemplo, as mães são sempre vistas como uma extensão da vida de seus filhos, vivendo por e para as necessidades deles e, na hora de pensar em começar um novo hobby, não recebem apoio do parceiro. Isso leva muitas mulheres a nem sequer cogitarem deixar seus ‘postos’ para cumprir seus sonhos e, por vezes, inclusive para marcar uma ida ao médico. 

“Um questionamento importante é: qual a sua motivação e comportamentos ao cuidar dos outros? Assim, consegue perceber se está se sacrificando demais, se está se colocando em segundo plano, ou se está se negligenciando. Você pode cultivar a autoconsciência questionando as pessoas próximas, solicitando feedbacks sobre como você parece estar lidando com as responsabilidades; talvez isso corrobore, pois as pessoas vão trazer perspectivas externas sobre a situação”, pontua Isabela. 

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Entre os possíveis sinais do exagero, as psicólogas ressaltam desregulação emocional, fadiga e exaustão, dificuldades em estabelecer limites ou dizer não, ressentimento, irritabilidade, isolamento social, sentimento de culpa, inadequação, problemas de sono e até mesmo problemas de saúde física e emocional.

“O que eu já consegui visualizar na minha prática clínica foram pessoas muito ansiosas, cansadas fisicamente e emocionalmente, com burnouts, com baixa autoestima e falta de sentido nas suas próprias vidas, justamente porque não investem em si mesmas, e sim nos outros”, lembra Lara. 

O que nos leva ao exagero?

Onde está a linha ténue entre o excesso e o apoio? É inegável que, quando vemos a oportunidade de ajudar alguém, sentimos o ímpeto de deixar tudo de lado e prestar essa ajuda, mas existem limites que devemos entender de maneira interpessoal para não atingir o exagero.

“Os limites saudáveis podem ser definidos quando nossos valores, nossos desejos e nossas necessidades também são atendidos. Os limites saudáveis começam quando percebemos até que ponto determinada atitude ultrapassa esses aspectos”, aponta Isabela sobre a definição de limites. 

O desejo por estar em modo de ‘cuidador constante’ pode ir para além das relações patriarcais, podendo surgir da necessidade de aceitação e valorização em grupos, usando esse cuidado excessivo como forma de receber reconhecimento. 

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“O desejo de cuidar dos outros faz parte de uma experiência humana de sentir empatia, mas é reforçado pela necessidade de pertencimento. Precisamos saber que, enquanto espécie, nós só chegamos até aqui porque vivemos em bando, ou seja, em grupos. Na natureza, ser excluído do grupo significava morrer. Nós ainda temos esse componente instintivo em nós”, reflete Lara. 

Porém, existem outros padrões de comportamento que podem levar ao desenvolvimento do excesso de cuidados, como medo do conflito, omissão ou medo da rejeição, busca de aprovação e reconhecimento, crença de que só terá valor se o outro concordar, reconhecer ou validar o que está sendo realizado.

“Também podem estar presentes crenças associadas ao autossacrifício pessoal, quando algumas acreditam que é nobre colocar suas necessidades e desejos em prol de outras pessoas, mesmo que isso custe a própria satisfação”, acrescenta a psicóloga de mulheres.

As consequência do excesso do “cuidar”

Para além da negligência pessoal, o excesso de cuidado com os outros pode levar a outras consequências e distúrbios: “Esse excesso pode levar a casos de exaustão, burnout ou esgotamento físico e mental. O excesso de responsabilidades e a falta de tempo para si, para pensar no próprio cuidado, corroboram para esse estado. Bem como o estresse crônico, ansiedade, ressentimento, frustração, baixa autoestima, isolamento social, pensamentos desadaptativos e perspectiva de não suficiência, ou distorções de perspectiva sobre si mesmo”, explica Isabela. 

Além disso, Lara destaca que, esse excesso de cuidado, pode significar uma dependência emocional para com o outro. 

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Cultive a autoconsciência

Por ser uma conduta bastante comum, existem diversas maneiras de caminhar até o cuidado pessoal, e uma delas é a autoconsciência: “A autoconsciência só é possível quando nós temos o hábito de parar e nos observar, conversar com nós mesmas. Fazer perguntas honestas sobre como estamos investindo nos outros e em nós, sobre como estamos nos sentindo. Se priorizar é importante”, reflete a psicóloga Lara.

Isabela indica marcar consigo mesma um tempo regular de autocuidado,  com práticas de atividades que promovam bem estar físico, emocional e mental.

“É interessante  incluir hobbies, atividades físicas, leituras, meditações ou qualquer atividade que possibilite uma autoconsciência e ajude a relaxar. Uma estratégia que uso muito na clínica é listar coisas importantes, como seus desejos, valores, necessidades e limites, visando autoconhecimento e a priorização desses aspectos após percebidos”, acrescenta.

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Existem diversas técnicas para cultivar o autocuidado, como praticar exercícios (Andrea Piacquadio/Pexels)

Outra estratégia é realizar uma análise regular dos próprios sentimentos, por exemplo, através da escrita terapêutica. Porém, um espaço interessante para abordar esses problemas e padrões de comportamento é a psicoterapia, onde será possível aprender estratégias de equilíbrio emocional.

“Crie ou imagine um gráfico em formato de pizza e pense, quanto desse gráfico cada área da sua vida ocupa? Quanto está sendo para o seu autocuidado, seu autodesenvolvimento ou descanso? Quantas fatias da pizza você tem dedicado aos outros?”, relembra Lara.

E a psicóloga Lara Marques  ainda anima com uma metáfora um tanto interessante: “Lembram daquela história que até no avião a aeromoça nos pede: 1caso a máscara de oxigênio caia, coloque primeiro em você mesmo e depois tente ajudar os outros’? É sobre isso. Checar sempre se você está colocando a sua máscara de oxigênio antes. Parece egoísmo, mas sem isso você não conseguirá cuidar nem de você, e nem dos outros”. 

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