Quero ser grande: mulheres que apostam na hipertrofia
Nada de treinar fofo. Essas mulheres vão à academia para ficar cada vez maiores e mais musculosas
Há certos atributos que um corpo feminino deve ter para ser considerado “padrão” pela sociedade: esbelto, leve, pequeno, frágil. Por isso é tão revolucionário quando mulheres decidem amar seus corpos cultivando caminhos inversos, tornando-os fortes, com tônus evidente. São mulheres orgulhosamente “grandonas”, que vão à academia para ocupar cada vez mais espaço — literalmente. São braços e pernas de grandes circunferências, costas desenhadas por músculos aparentes, pescoços ornados por grandes triângulos. Tudo esculpido por muitas horas de treino. “Esse visual forte é consequência da estimulação da hipertrofia muscular, ou seja, o aumento do volume muscular por sobrecarga”, explica Taline Santos da Costa, médica especialista em medicina esportiva e doutoranda em fisiologia do exercício.
“O tamanho é obtido apenas por meio de treino de força elevada, como a musculação, e uma dieta balanceada”, completa.
Uma dessas mulheres é Raquel Bressanini (@raquelbressanini), de 26 anos, atleta natural (ou seja, que não faz uso de anabolizantes) e estudante de educação física e esporte na USP. Desde 2018, ela segue um treino centrado na hipertrofia. “Eu fiz esporte a vida toda, de futebol a atletismo. Mas, aos 20 anos, fui diagnosticada com condropatia patelar — um desgaste na articulação do joelho. Isso me forçou a focar na musculação. A verdade é que eu nem curtia tanto, era só uma necessidade”, conta. O que começou como uma obrigação, porém, logo se tornou uma paixão. “Com o tempo, fui tendo novas referências de mulheres. Foi então que pensei na ideia de ficar verdadeiramente forte e percebi que queria ficar grandona”, brinca a atleta.
Ao seguir o desejo por um corpo hipertrofiado, a composição corporal muda, explica a médica Taline. A principal alteração vem no ganho da fibra muscular do tipo F2, também chamada de fibra de contração rápida, que cresce nos treinos de força. “Geralmente esses exercícios vêm em forma de séries curtas, mas tanto as repetições quanto os exercícios específicos devem ser alinhados com o médico do esporte ou o profissional de educação física”, diz.
“Eu brinco que o treino focado em hipertrofia e força é um pouco monótono”, diz Raquel, entre risadas. “Eu faço exatamente o mesmo treino por meses, a diferença a cada dia é a carga que eu uso. Se hoje eu faço um supino com 50kg e consigo fazer seis repetições, no meu próximo treino eu vou me desafiar a colocar 1kg a mais ou realizar mais uma repetição.” Atualmente, Raquel consegue erguer 100kg no levantamento terra, que consiste em erguer um haltere ou barra do chão com os joelhos levemente flexionados. Haja músculos para isso.
Come-se bem para a hipertrofia
Uma das inspirações de Raquel nessa nova vida foi Thay Fidelis (@thayfidelis), de 32 anos, influenciadora e profissional de educação física. Thay passou do crossfit para a musculação mas, diferente de sua atual amiga, esse esporte sempre foi sua grande paixão — tanto que abandonou sua graduação em design de interiores para focar na educação física. “O corpo ‘bombado’ veio como consequência da constância dos treinos. De certa forma, eu sou um padrão. Não o padrão patriarcal, mas uma referência para mulheres grandes”, reflete a consultora.
Em relação à frequência, ambas vivem um dia a dia semelhante. A sequência de treinos acontece de segunda a sexta e dura uma hora e meia — ou seja, pode esquecer aquele mito de que é preciso passar no mínimo três horas malhando por dia. “É um privilégio poder treinar mais do que isso. Não é uma realidade que se adequa à rotina da grande maioria das pessoas. Por isso eu sempre enfatizo que é possível enxugar o treino, e ainda conseguir bons resultados”, diz Thay.
Tanto Thay quanto Raquel seguem rotinas de “hipertrofia limpa” — sem o uso de anabolizantes. Ambas dizem que isso é perceptível pelo traço, tamanho e formato natural dos músculos. No mundo da hipertrofia, a chamada “bomba” ainda é polêmica entre os praticantes. Taline da Costa, por exemplo, não aconselha o uso de anabolizantes aos pacientes. A longo prazo, essas substâncias trazem inúmeros efeitos secundários, especialmente para mulheres, como o crescimento de pelos no rosto e o engrossamento da voz. Além dos efeitos estéticos, há também os riscos à saúde, como alteração do colesterol. “Isso não quer dizer que não podemos ter a ajuda dos chamados suplementos, como o whey. Eles são complementos à alimentação”, diz.
A alimentação, aliás, é o outro eixo central da hipertrofia, junto com os exercícios e bons períodos de descanso. De um modo geral, para crescer, é preciso uma grande ingestão de calorias, o chamado bulking. Taline explica que, para o músculo crescer, ele precisa de substrato energético, sem cortar nenhum dos grupos alimentares, incluindo açúcar e gordura. “Tem que reduzir o açúcar e as gorduras, mas nunca eliminar. Precisamos do que chamamos de alimentação ‘limpa’, com foco em carboidratos e principalmente proteínas”, diz.
Isso não quer dizer, no entanto, que não haja margem para uma rodada de sushi ou aquele cheat day. Thay, por exemplo, diz que vai a aniversários, festas e pizzadas sem remorso. “Tudo é equilíbrio. Se você já segue sua dieta certinha durante a semana, o que te impede de ir jantar com a namorada? Se eu tiver um dia estressante, eu vou comer um docinho, mas ainda vou estar seguindo minha dieta que é, acima de tudo, saudável”, aponta. Sem radicalismos.
Grande e saudável
Entre os diversos benefícios da hipertrofia muscular, a médica Taline lista a prevenção de doenças cardíacas, pressão alta e diabetes. “A musculação mudou tudo para mim, eu não sinto mais aquelas dores extenuantes no joelho. Meu condicionamento melhorou bastante, minha saúde intestinal teve uma alta, e eu raramente fico doente. Mentalmente, você se sente capaz de qualquer coisa. Mesmo nos dias de fragilidade, aquela força física se transfere para o meu psicológico”, reflete Raquel.
Já Thay lembra do ditado: treinar não é terapia, é terapêutico. “Para além da saúde física, eu faço pela liberação de endorfinas depois daquele treino massa. Mesmo quando estou sem vontade de treinar, eu já sei que depois vou sentir aquele bem-estar gratificante”, diz. “Eu já fiz a minha paz com meu corpo, o julgamento não é uma coisa que me pega mais. Eu gosto muito do aspecto musculoso. Se fosse por mim, seria ainda maior”, brinca Raquel.
Mentalmente , você se sente capaz de qualquer coisa. Mesmo nos dias de fragilidade,a força física se transfere para o meu psicológico
Raquel Bressanini, atleta natural e estudante
O corpo ‘bombado’ é consequência da constância dos treinos. De certa forma, eu sou um padrão. Não o padrão patriarcal, mas uma referência para mulheres grandes
Thay Fidelis, influenciadora e profissional de educação física