Pouco conhecida, Lei de Importunação Sexual faz 2 anos. O que ela pune?
A ONG Think Olga e o Tribunal Federal Regional da 3ª Região (TRF-3) criaram um projeto para que lei se torne mais conhecida pelos brasileiros
Na última semana, a Lei 13.718/18, conhecida como Lei de Importunação Sexual, completou dois anos. Ela foi sancionada pelo então presidente Michel Temer tendo como base o PL 5452/16, de autoria da senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB), pouco mais de 6 meses depois do projeto ser aprovado na Câmara dos Deputados.
Como é uma lei muito nova, é pouco conhecida pela população e até pela esfera pública, como juízes e policiais, e o crime é comumente confundido com assédio sexual ou estupro. Pensando nisso e em como o conhecimento da lei traria benefícios para as brasileiras, a ONG Think Olga se uniu ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), que abrange os estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul, para criar estratégias de disseminação da lei, celebrando os 2 anos da mudança da legislação.
Como surgiu a Lei?
Em 2017, um caso de importunação sexual ficou conhecido por todo o Brasil e reascendeu as discussões sobre o tema. Diego Novaes ejaculou no pescoço de uma mulher dentro de um ônibus em São Paulo e foi preso, com o caso registrado pela Polícia Civil como estupro. Poucos dias depois, ele foi solto, mesmo tendo histórico de pelo menos outros 16 casos semelhantes em transportes públicos da capital paulista.
Iniciou-se uma grande discussão na mídia, entre a população e mesmo no âmbito jurídico porque o ato não era propriamente um estupro e, até então, o ato de “Importunar alguém em local público, de modo ofensivo ao pudor” era considerado apenas um delito previsto no artigo 61 na Lei de Contravenções Penais.
Na mesma semana de sua soltura, Diego Novaes foi pego “se esfregando” em outra mulher no transporte público. Dessa vez, ele foi preso e indiciado por “suspeita de ato obsceno”, posteriormente mudando a classificação para crime de estupro. Dessa vez, o argumento do delegado para tal tipificação levou em consideração o fato de, além de cometer o ato, o infrator ter impedido a vítima de sair de sua posição no ônibus. Na ocasião, segundo a decisão do juiz responsável pelo caso, Antonio de Oliveira Agrisani Filho, na época da 27ª Vara Criminal do Fórum da Barra Funda, Novaes foi condenado por infração ao artigo 215 do Código Penal.
Pouco mais de um ano depois, foi sancionada a Lei de Importunação Sexual, que buscava sanar uma lacuna na legislação que dificultava a punição de autores de crimes como esses, que não poderiam ser considerados estupro ou assédio sexual. “Apalpadas”, “passadas de mão” e outras condutas similares não poderiam continuar sendo consideradas apenas uma contravenção na lei. Por isso, a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB) criou a PL que depois deu origem à lei que completa dois anos. Houve revogação da contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor.
“A lei foi aprovada relativamente rápido, mas, após o ocorrido, não houve um debate tão amplo sobre ela e, por isso, muitas mulheres que sofrem importunação sexual nem sabem que isso poderia ser caracterizado como um crime e não denunciam ou chamam a polícia. Obviamente o caráter punitivo da lei é importante, mas o que é mais importante são as ferramentas que ela nos dá para inibir os assediadores e o caráter educativo que ela pode ter se for conhecida pela população e pelos agentes públicos”, explica Maíra Liguori, co-fundadora e diretora de impacto da Think Olga.
O que é Importunação Sexual?
Assim como a lei não é muito conhecida, a própria terminologia ainda confunde muita gente. Afinal, o que é a importunação sexual e por que ela é diferente do assédio sexual?
A lei caracteriza como crime atos libidinosos na presença de alguém sem seu consentimento, como toques inapropriados, beijos sem permissão, “encoxar”, cantadas invasivas, ejacular. A importunação acontece, em geral, em espaços públicos e sem uso de força.
Já o assédio sexual acontece quando há uma posição de hierarquia entre o assediador e a vítima, como no ambiente de trabalho, e caracteriza-se por constrangimentos com a finalidade de obter favores sexuais, segundo o Artigo 216 do Código Penal. Um estudo realizado pela organização internacional de combate à pobreza, ActionAid, ouviu 500 jovens entre 14 e 21 anos do Brasil em dezembro de 2018 e 78% delas afirmaram terem sido assediadas nos últimos seis meses. Comparado com outros três países pesquisados – Quênia (24%), Índia (16%) e Reino Unido (14%) – o Brasil foi considerado o país onde meninas se sentem mais ameaçadas a realizar ações do cotidiano.
O estupro, por sua vez, é o ato de constranger alguém mediante violência ou ameaça, a ter conjunção carnal ou permitir que com ele se pratique um ato libidinoso, segundo o Artigo 213 do Código Penal.
Quem pratica atos que se encaixem na Lei Importunação Sexual pode pegar de 1 a 5 anos de prisão. Antes, como era apenas uma contravenção, os culpados apenas pagavam multas. “A lei não é falha. Como já disse, ela tem uma proposta educativa muito importante. Ainda assim, é muito difícil conseguir encaixar alguns tipos de importunação, como é o caso do ‘fiu fiu’ ou de cantadas. A lei é pouco ‘utilizada’ porque é pouco conhecida, então, agora o trabalho deve ser difundir a lei para que seja mais fácil enquadrar esses casos”, diz Maíra.
A LIS
A Think Olga já trabalha combatendo o assédio sexual desde 2013, quando criou a campanha “Chega de Fiu Fiu”. Há alguns meses, mulheres do TRF-3 entraram em contato com a ONG para buscar maneiras de tornar a lei de importunação mais conhecida no país. Então, a Think Olga se reuniu com elas e com outras especialistas para conseguir encontrar essas soluções. “Nós sempre buscamos buscar soluções pontuais para problemas macro, como é o caso do assédio ou da importunação sexual. Desse trabalho em conjunto com o TRF-3 surgiu a LIS (Lei de Importunação Sexual), uma página dentro do site do TRF com todas as informações sobre a Lei”, explica a co-fundadora da ONG.
A página mostra dados, como o fato de que 97% das mulheres brasileiras já sofreram algum tipo de importunação sexual durante a vida, que as pretas são as mais prejudicadas e que o transporte público é o local em que se sentem mais expostas. Além disso, a LIS dá acesso a uma cartilha feita pela Think Olga com todas as informações sobre a Lei e sobre ser mulher no Brasil, sugestões de leitura para quem quiser se aprofundar no tema e a possibilidade de se cadastrar em uma newsletter para receber novidades sobre sua aplicação.
“Esse projeto também serve como uma ferramenta muito importante para juristas mulheres, que muitas vezes têm suas pautas tidas como de menor importância. Ao conseguirmos uma maior mobilização da sociedade, há mais chances de elas serem levadas a sério”, afirma Maíra. “Há um viés machista muito grande no poder público, em todas as instâncias, começando pela denúncia, pelo agente de segurança que está na rua, chegando até o juiz. Precisamos começar uma sensibilização dentro do judiciário e educar agentes públicos para a aplicação correta, para assim conseguirmos colher os frutos de uma lei tão importante”, completa.
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