Estas 4 mulheres querem aumentar a representatividade feminina no humor
A insatisfação com os poucos papéis em peças de teatro fizeram as amigas Lorena, Karina, Anita e Andrezza criarem o grupo
Quantos filmes de comédia você viu nos últimos tempos que tinham mulheres como protagonistas? É bem provável que sua resposta tenha sido “nenhum”. Ao pensar em humoristas, quantos nomes femininos surgem na sua mente? Provavelmente, poucos.
Por muito tempo, o mundo do humor ficou fechado para as mulheres. Nas telas, seus papéis sempre têm pouco espaço ou as personagens são pouco desenvolvidas. Segundo uma pesquisa do Instituto Geena Davis existem, em média, 2.24 personagens masculinos para cada personagem feminina (com falas) em filmes blockbusters de comédia. Nos palcos, ouvem comentários machistas e são criticadas por fazerem o mesmo tipo de humor que vários outros homens fazem sem receber nenhum comentário maldoso, claro.
Apaixonadas por teatro, Andrezza Abreu, Anita Chaves, Karina Ramil e Lorena Comparato nunca se conformaram com essa realidade. Anita e Karina eram amigas da escola e, mais velhas, resolveram se inscrever para estudar teatro no Tablado, no Rio de Janeiro. Lá, conheceram Andrezza e resolveram trabalhar juntas. “A gente pensava: ‘caramba, somos tão boas e temos que ficar batalhando por papéis que nem são legais, que a gente nem quer fazer’. Só os homens tinham personagens legais nas peças. Então, nos unimos para trabalhar juntas e fazer o que a gente queria”, conta Anita em entrevista a CLAUDIA.
O primeiro trabalho foi uma versão de um esquete que Britney Spears havia interpretado em um programa norte-americano anos antes. Na versão das meninas, além da Barbie, que originalmente foi interpretada pela cantora, havia também a Suzy, boneca brasileira. A peça foi um sucesso e foi assim que Lorena as conheceu. Em 2011, as quatro criaram a Companhia de Quatro Mulheres, buscando abordar temas profundos de forma cômica e com um olhar feminino, sem cair no clichê.
“A ida para o humor foi algo natural, porque nós todas temos essa maneira mais engraçada de nos comunicar. Até hoje quando tentamos criar algo mais sério, acabamos sempre caindo no cômico. Lá no Tablado, havia uma divisão muito clara entre palco e plateia e a reação mais clara que você tem do público quando está se apresentando é a risada. É difícil ver alguém chorar, por exemplo. Acredito que por isso também acabamos enveredando mais para esse lado”, explica Karina.
Machismo
O primeiro trabalho autoral da Cia foi a peça RICARDO, que foi um sucesso e, desde então, as atrizes criam seus próprios roteiros para os palcos, TV e, mais recentemente, redes sociais. Elas contam que já sofreram preconceito, afinal, não é tão comum ver mulheres ocupando esses espaços. “Ver mulheres em locais que geralmente elas não estão incomoda. Às vezes, quando fazemos algo mais escrachado, falamos palavrão, somos muito criticadas, chamadas de baixas. E é algo comum no humor feito por homem, que ninguém se incomoda. E o mais triste é que lemos muito esse tipo de comentário vindo de mulheres”, diz Karina.
A comédia feita por homens, com linguagem mais masculina e ponto de vista masculino é considerada uma comédia global. Porém, a comédia feita por mulheres é considerada algo nichado, só para o público feminino. Um dos maiores objetivos da Cia é quebrar esse paradigma e levar seu trabalho para todo o tipo de pessoas. Elas acreditam que estamos vivendo um momento de mudança cultural, que marcará uma evolução no mercado cultural.
“É o momento de continuar criando, batalhando e existindo. Também queremos trabalhar cada vez mais com representatividade, trazer mulheres diferentes. Só assim conseguiremos quebrar esses padrões”, afirma Anita. “Só a maneira como nós somos é uma quebra de expectativa, para mim. Existe muito essa ideia de que atriz tem que se importar com aparência, estar sempre arrumada e nosso tipo de trabalho é outro, nos vestimos de várias coisas, temos um jeito mais escrachado. Acho que também é uma maneira de resistir”, continua.
Nos quase 10 anos de Companhia, as integrantes continuaram tendo alguns projetos pessoais. Nos últimos anos, Anita escreveu algumas séries e peças infantis. Já Karina virou integrante do canal Porta dos Fundos e gravou a nova temporada do Zorra, que estreou em agosto.
Novas plataformas
Atualmente, é difícil ver algum artista que foque apenas algum tipo de plataforma ou conteúdo. A variedade de meios de comunicação praticamente obrigou todos a se renderem a eles. Anita conta que, para ela, foi bem difícil se familiarizar. “Eu não usava Instagram para nada, por exemplo, mas hoje em dia isso é muito valorizado, as próprias emissoras valorizam muito um ator que tem milhões de seguidores, mesmo que outro seja melhor para um papel. Ouvi meus amigos e resolvi começar a investir na rede, mas foi difícil”.
Karina concorda e levanta a questão da massificação do conteúdo de humor, que não a atrai. “Apesar de as redes nos tornarem donas do nosso próprio conteúdo, de fazer com que a gente tenha liberdade de criar e chegar em cada vez mais gente, eu acho um lugar meio estranho. Tudo muda muito rápido, é um humor muito raso, as pessoas não têm paciência para assistir algo que tenha mais que um minuto. No TikTok, por exemplo, que está bombando, a gente vê vários vídeos de 10 segundos exatamente iguais e sem conteúdo. Claro que tem gente muito boa, mas é desanimador”, reflete. “É difícil mesmo, vivemos naquele dilema de ‘até que ponto eu devo jogar esse jogo porque é necessário e até que ponto devo me manter fiel e real a mim mesma?'”, completa Anita.
Ainda assim, a Cia está investindo muito em conteúdo para o Instagram, além de ter um podcast original, o Prato Frio. A cada episódio mulheres narram histórias de vingança como se fossem áudios de WhatsApp. Algumas histórias são contadas por mulheres que se vingaram, outras contam vinganças que testemunharam e há também aquelas que foram o alvo da vingança. “É muito legal fazer podcast porque é algo que te desprende da imagem. Só com a voz, podemos interpretar vários tipos de papéis que, pela nossa idade ou tipo físico, não poderíamos em peças ou na TV”, diz Karina.
A Companhia também está de volta à televisão com a segunda temporada do #ENoFilterWknd, do canal fechado E! Entertainment. O projeto é todo criado, roteirizado e atuado por elas. São esquetes curtos que têm a ver com o filme que está sendo exibido no canal nquela noite. O programa passa durante os intervalos. Para elas, fazer esses esquetes é como ter o melhor dos dois mundos: a liberdade de criação e a estrutura e facilidade de filmar em um grande canal de TV.
Criatividade na pandemia
Todos nós vimos nossas rotinas mudarem drasticamente esse ano, com a chegada da pandemia. Isso foi ainda mais forte para quem trabalha com arte. Teatros e cinemas fechados, shows cancelados e gravações pausadas trouxeram dificuldades para essa classe trabalhadora, que criou saídas inovadoras para conseguir continuar produzindo e se sustentando. Porém, como conseguir manter a criatividade e a motivação em um período tão parado de nossas vidas?
“À base de muita terapia”, brinca Karina. “Como nós temos nossos projetos pessoais, que foram todos pausados, tivemos tempo para nos dedicar integralmente à Companhia e produzir coisas novas. Nós somos pessoas borbulhantes, qualquer coisa que vemos, seja um filme, um livro, uma imagem, pode render”, completa.
Realmente, o tempo livre fez com que a Cia de 4 criasse dois projetos novos nos últimos meses: a série de esquetes Zodíaca na Quarentena, disponível no IGTV do Portal Hysteria, que trata sobre o comportamento da confinada de cada signo; e o Jornal das 4, programa no IGTV da Companhia que trata das notícias do cotidiano de forma bem humorada.
A ideia do Jornal foi de Andrezza, que há tempos queria trabalhar com algo mais político dentro do humor. A linguagem – feita com a notícia ao fundo do vídeo – foi inspirada em vídeos populares do TikTok. “A política brasileira é bem humorada, não tem nada mais engraçado e trágico do que as notícias que ouvimos do governo. As reuniões para o Jornal são muito rápidas, porque é fácil conseguir sacadas legais com as notícias que vemos diariamente”, explica Karina.
Anita alerta, no entanto, que elas não abordam todo tipo de acontecimento no programa. “Falar sobre o governo e rir, ok. Mas tem coisas muito trágicas que não são motivo para brincadeira, como foi o caso da explosão em Beirute ou o aborto da menina de 10 anos. Por mais que tratemos com respeito, são assuntos muito delicados para entrar em um programa de humor”.
Elas contam que, durante a pandemia, apesar de criarem novos projetos e estarem a todo vapor, se permitiam tirar um tempo para si caso precisassem, afinal, é um período delicado. Por serem em quatro, no entanto, quando uma precisava se afastar, ainda restavam outras para gerar conteúdo. “E mesmo assim, o afastamento durava pouco. Nós somos inquietas, víamos que todo mundo estava procurando conteúdo e queríamos produzir”, diz Anita.
“Queremos mostrar que a mulher pode ter mil camadas e não precisa ficar presa em uma coisa só. Sinto que estamos vivendo uma evolução, seja em relação ao feminismo ou à arte em si. As pessoas perceberam, agora com a pandemia, que a arte é essencial para a vida, não adianta querer viver sem cultura. Hoje há uma facilidade de acessar conteúdos, mas ainda assim é uma parcela pequena da sociedade que tem acesso. Queremos atingir cada vez mais pessoas diferentes”, diz Para elas, a comédia é uma ferramenta do feminismo tanto por sua capacidade de apontar as estruturas do patriarcado quanto por satirizar a experiência feminina dentro dele.
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