Nise da Silveira é homenageada em exposição no CCBB Belo Horizonte
Centro Cultural resgata trajetória da brasileira que revolucionou a psiquiatria no mundo através da arte e do afeto no tratamento de transtornos psíquicos
O afeto como tratamento e cura. Essa foi a grande revolução empreendida por Nise da Silveira (Maceió, 1905 – Rio de Janeiro, 1999), psiquiatra que mudou o entendimento da loucura na história da humanidade ao utilizar o afeto como metodologia científica no tratamento de pessoas com sofrimentos psíquicos. Uma de suas principais ideias vanguardistas foi a de aliar a expressão artística às aplicações científicas da psiquiatria para acessar as camadas do inconsciente e traduzi-las em imagens. Assim surgiu, em 1952, o Museu de Imagens do Inconsciente, no Rio de Janeiro, onde estão as 352 mil obras, entre pinturas, modelagens, poemas e outros textos dos pacientes de Nise. Parte desse acervo compõe a exposição Nise da Silveira – A Revolução pelo Afeto, aberta ao público gratuitamente no CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil) de Belo Horizonte (MG) até o dia 22 de março. Além dessas telas e esculturas, a mostra também conta com peças assinadas por Lygia Clark, Abraham Palatinik e Zé Carlos Garcia, retratos de Alice Brill, Rogério Reis e Rafael Bqueer, vídeos de Leon Hirzsman, aquarelas e fotos de Carlos Vergara e reproduções de desenhos de Carl Gustav Jung.
Jung foi um dos grandes admiradores do trabalho de Nise. Ela e o psiquiatra e psicoterapeuta suíço trocavam correspondências sobre seus respectivos trabalhos e, ao ver fotografias das obras desenvolvidas pelos pacientes de Nise, ele convidou-a para passar um ano estudando em seu instituto. Depois disso, a brasileira tornou-se uma das precursoras das práticas junguianas no país. Sua trajetória chegou aos cinemas em 2016 com o filme Nise – O Coração Loucura, protagonizado por Glória Pires.
Nise foi uma pioneira já ao decidir cursar uma faculdade: filha de uma pianista com um professor de matemática, ela foi a única mulher em uma turma de 158 alunos na Faculdade de Medicina da Bahia, onde ingressou em 1921. Cinco anos depois, tornou-se uma das primeiras brasileiras formadas nessa área e concluiu o curso com o estudo intitulado Ensaio sobre a criminalidade da mulher no Brasil. Começou a carreira em clínicas e hospitais do Rio, onde se especializou em psiquiatria. Sua longeva simpatia com o comunismo fez com que uma enfermeira a denunciasse ao Governo de Getúlio Vargas pela posse de livros marxistas. A médica foi presa em 1936, e ficou 18 meses detida no presídio Frei Caneca, onde conviveu com a militante Olga Benário e com o escritor Graciliano Ramos, que a menciona em seu livro Memórias do Cárcere.
Depois de viver na clandestinidade por quase 10 anos, passou a trabalhar no Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II, mostrando-se abertamente contrária aos métodos agressivos usados em pessoas com transtornos mentais, como confinamento, lobotomia, eletrochoques e o uso da camisa de força. Não tardou para que fosse transferida à seção de terapia ocupacional, até então uma área menosprezada pelos seus pares. Lá, substituiu as tarefas de limpeza e manutenção realizadas pelos pacientes por ateliês de pintura e modelagem, para que eles pudessem reatar vínculos com a realidade através da expressão de sua criatividade. Era o embrião do que viria a ser o Museu de Imagens do Subconsciente. Depois dele, Nise fundou, em 1956, a Casa das Palmeiras, uma instituição focada em reabilitar pessoas sem internação, onde também investiu no processo criativo e afetivo de quem ali se tratava.
Nise, aliás, se recusava a chamar essas pessoas de outra coisa que não indivíduos. “A palavra paciente, em especial, é horrível. Ela sugere uma atitude totalmente passiva da parte da pessoa. Também não acho que se deva caracterizar suas condições como doença”, disse em entrevista ao jornalista e escritor José Tadeu Arantes em 1991, quando tinha 87 anos.
Esse contraste entre a frieza das instituições de clausura e a abordagem calorosa e humana que Nise propunha está presente na exposição do CCBB, onde cada sala propõe uma viagem ao inconsciente e à arteterapia. Em uma delas, um um vídeo processa, em movimentos circulares, imagens da psique produzidas em seus ateliês e projetadas num espelho d’água em forma de poço. “Hoje, a grande maioria das pessoas só se preocupa com o exterior. Eu me dirigi, desde muito cedo, a tentar abrir a porta que liga o real ao mundo interno. Essa é a paixão de meu trabalho”, dizia, naquela mesma entrevista, a principal expoente brasileira da luta antimanicomial.
Exposição Nise da Silveira – A Revolução pelo afeto
Até 28 de março de 2022
Centro Cultural Banco do Brasil – (Praça da Liberdade, 450 , Funcionários, Belo Horizonte)
Dias e Horários de visitação: de quarta a segunda-feira, das 10h às 22h
Entrada Gratuita – mediante retirada de ingresso com agendamento prévio no site www.eventim.com.br