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O que é a loucura? A brasileira que humanizou tratamentos psiquiátricos

Forte opositora de terapias agressivas em pacientes com transtornos mentais, Nise da Silveira encontrou na arte uma fonte de esperança

Por Camilla Venosa
Atualizado em 3 mar 2020, 12h59 - Publicado em 2 mar 2020, 19h08
 (Alexandre Sant’Anna/Revista Saúde)
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Muito mais do que uma comemoração, o mês das mulheres marca o reconhecimento e a luta contínua por igualdade de gênero. Mesmo representando mais de 51% da população brasileira, as mulheres sofrem na busca por espaço profissional. Apesar de serem a maioria com ensino superior, elas ainda ganham, em média, 25% a menos do que os homens. Quando falamos sobre ciência, então, essa desvalorização é ainda mais profunda. Pense bem, quantas brasileiras cientistas você conhece? Provavelmente, pouquíssimas. Ou, talvez, nenhuma. Para ampliar o debate, preparamos uma série especial de cinco matérias sobre brasileiras pioneiras em suas áreas de estudo.

Percursora da aplicação de terapias ocupacionais, a alagoana Nise Magalhães da Silveira mudou os rumos da medicina psiquiátrica com seu trabalho. Opositora radical de métodos agressivos de tratamento em pacientes com transtornos mentais, como camisa de força e eletrochoque, ela dedicou sua carreira na busca por métodos alternativos.

“Não se curem além da conta. Gente curada demais é gente chata. Todo mundo tem um pouco de loucura. Vou lhes fazer um pedido. Vivam a imaginação, pois ela é a nossa realidade mais profunda”

Nise da Silveira

Nascida em 1905, Silveira é filha de uma pianista e um professor de matemática. Rompendo barreiras desde o início da carreira, ela se formou na Faculdade de Medicina da Bahia, em 1931, sendo a única mulher em uma turma de 158 alunos. Ainda na faculdade, conheceu o sanitarista Mário Magalhães da Silveira, com quem viria a se casar anos mais tarde. Na época, o casal decidiu não ter filhos para que ambos pudessem se dedicar integralmente ao trabalho.

Nise da Silveira com a turma da faculdade de medicina
(Biblioteca Consuelo Pondé/Reprodução)

Após a morte dos pais, a médica se mudou para o Rio de Janeiro em busca de oportunidades de trabalho. Depois de um período de estágio na clínica do Dr. Antônio Austregésilo, grande nome da neurologia no país, foi aprovada em um concurso público para atuar no Serviço de Assistência a Psicopatas e Profilaxia Mental do Hospital da Praia Vermelha.

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Apesar da profunda dedicação, a medicina não era a única paixão de Nise. Nos anos 1930, envolveu-se na cena política, participando, por exemplo, da Liga Anti-Imperialista do Brasil e do Partido Comunista Brasileiro. Seu envolvimento com o comunismo foi denunciado por uma enfermeira, o que resultou na prisão da psiquiatra entre 1936 e 1937, durante o Estado Novo de Getúlio Vargas. No presídio, conheceu Olga Benário e o escritor Graciliano Ramos, que mais tarde a mencionaria na obra Memórias do Cárcere.

Jornal com manchete sobre a prisão de Nise da Silveira
(Biblioteca Consuelo Pondé/Reprodução)

“Lamentei ver a minha conterrânea fora do mundo, longe da profissão, do hospital, dos seus queridos loucos. Sabia-se culta e boa. Rachel de Queiroz me afirmara a grandeza moral daquela pessoinha tímida, sempre a esquivar-se, a reduzir-se, como a escusar-se a tomar espaço.”

Memórias do Cárcere - Graciliano Ramos

Ao sair da prisão, com medo de novas ameaças, passou um período clandestino. Em 1944, a médica foi reintegrada ao serviço público. No Hospital Pedro II, antigo Centro Psiquiátrico Nacional, começou uma forte oposição aos tratamentos agressivos aplicados em pacientes com transtornos mentais, como isolamentos, eletrochoques e camisas de força. Ao criar conflitos dentro da instituição por suas ideias rebeldes, foi ‘rebaixada’ à seção de Terapia Ocupacional, área desprezada até então. Foi lá que Nise encontrou o espaço necessário para se dedicar aos métodos humanitários na recuperação de pacientes.

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Nise da Silveira
(Reprodução/Pinterest)

O tratamento pela arte

Acreditando que loucura e sabedoria originavam-se no mesmo local, ela defendia que doentes e não doentes poderiam viver em um mesmo ambiente, não havendo, assim, a necessidade de manicômios. Em vez de aplicar agressões físicas ou forçar que os pacientes fizessem serviços de limpeza, Silveira deu tintas e telas em branco a pacientes. O resultado foi impressionante. Além de uma melhora no quadro clínico e comportamental, alguns tiveram seus trabalhos reconhecidos por sua estética e qualidade. Mais tarde, inclusive, algumas obras foram expostas no Museu de Imagens do Inconsciente, inaugurado pela médica em 1952.

Além dos tratamentos que incentivavam processos criativos, Silveira também foi pioneira no processo terapêutico envolvendo a interação com animais. A psiquiatra permitia que os pacientes cuidassem de cães vira-latas que vivam no pátio do hospital, o que criava vínculos afetivos.

Anos mais tarde, em 1956, conseguiu, enfim, concretizar o sonho de ter um espaço focado na reabilitação através do afeto e de tratamentos alternativos: a Casa das Palmeiras.

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O trabalho da médica foi tão revolucionário que chamou à atenção de expoentes da época. Através de cartas, ela se correspondia com o psiquiatra e psicoterapeuta suíço Carl Jung, relatando os métodos de tratamento que havia desenvolvido. Na troca de experiências, Silveira tornou-se defensora das práticas de Jung no Brasil.

Nise faleceu em 1999, aos 94 anos, por complicações de um pneumonia.

Para as telonas

Dirigido por Roberto Berliner, a trajetória da médica psiquiatra foi retratada no longa Nise – O coração da Loucura (2015).

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