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MC Soffia: “Demorei para achar profissionais que me escutassem”

Aos 17 anos, a rapper explica como a profissionalização foi crucial para chegar aos seus 10 anos de carreia de forma independente

Por Ana Carolina Pinheiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
17 abr 2021, 12h00
mc soffia
 (Wherb/Divulgação)
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A dinâmica acelerada e de particularidades cruéis (mas também emancipatórias) da periferia impulsionou a criação do movimento rap, na década de 1960, na Jamaica. O recurso de usar a arte como mecanismo de enfrentamento ao desamparo social se espalhou pelo mundo por meio das rimas dos mestres de cerimônia, os MCs.

Ainda sem entender todas as camadas dessa expressão cultural, uma menina de 6 anos, nascida no berço das batalhas de rima no Brasil, o centro de São Paulo, se encantou e escolheu o hip hop como objeto de estudo. Sua mãe trabalhava na área cultural e serviu de ponte para a jovem descobrir as batidas e desenvolver as próprias letras. A escolha precoce foi certeira e, há dez anos, Soffia Gomes da Rocha Gregório Correia, a MC Soffia, agrega ao estilo um novo olhar sobre o mundo: colorido, interseccional e estudantil.

Sonhadora assumida, a jovem de 17 anos lembra que, antes do despertar para o rap, sua lista de possíveis profissões era extensa e plural. “Sempre quis ser um monte de coisa, como atleta, médica, bombeira. Minha mãe nunca falou não. Inclusive, pensava como sairia do hospital para o campo de futebol, caso fosse médica e jogadora ao mesmo”, conta aos risos.

A questão foi solucionada com o tempo, que lhe deu segurança no meio cultural para subir ao palco pela primeira vez em um show solo. Aos 7 anos e com duas composições gravadas, ela recebeu o convite para se apresentar no aniversário da cidade de São Paulo. Engana-se quem pensa que a pouca idade e a discografia enxuta a intimidaram.

“Depois de cantar, pedia para o DJ tocar dance halls e improvisava coreografias com passos africanos, como o kuduro”, conta Soffia, que segue os caminhos do bisavô materno, músico, e da tia paterna, atriz. Desde então, a artista passou a se apresentar em oficinas culturais, escolas, eventos – ela foi indicada e cantou no Prêmio CLAUDIA – e até na abertura das Olimpíadas, em 2016, ao lado da rapper Karol Conká.

mc soffia
(Wherb/Divulgação)
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Rimas e beats

Menina Pretinha, primeiro hit de MC Soffia, transborda uma mensagem potente. “Canto rap por amor, essa é minha linha; sou criança, sou negra, também sou resistência”, dá o recado na canção, que selou o vínculo da artista com o público infantil. Ao longo da carreira, essas crianças se tornaram adolescentes e seguiram a acompanhando, assim como outra leva de fãs mirins que se renovou.

“Para Soffia, as experiências da infância são muito importantes. Ela ainda é uma menina no dia a dia, mas quando é para falar sério, se transforma”, revela Kamillah Pimentel, mãe e empresária. A responsabilidade de preservar as vivências dessa fase se tornou a maior missão para os pais da cantora.

O vínculo entre mãe e filha se estendeu para a profissão de forma natural e transformadora para ambas. Ao assumir a carreira de Soffia, Kamillah deu início a uma nova profissão na área do direito. O juridiquês dos contratos e alvarás para que a rapper fosse autorizada a se apresentar em eventos não era assimilado completamente.

“Quando comecei a trabalhar com ela, percebi que os documentos tinham uma linguagem bem específica, então resolvi entrar no curso. A partir disso, senti interesse pelo tema da propriedade intelectual, já que sou responsável pelo registro das composições dela. Quero focar nessa área”, conta Kamillah.

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Para Soffia, o movimento foi o contrário: a educação veio antes da descoberta pela vocação. “Na escola, aos 8 anos, eu tinha aula de música, teatro, matemática financeira e podia apresentar os trabalhos em formatos de sarau até. Era praticamente uma faculdade para a minha carreira. Entendi que a escola tem que ir além do vestibular” considera a estudante, que mudou para uma instituição mais rígida no Ensino Médio. “Depois que me formar, quero aprender outros idiomas e fazer faculdade de produção musical ou artes cênicas”, aspira a jovem.

Atrás do corre

Se as primeiras músicas, criadas quando a cantora ainda não era alfabetizada, contavam com uma ajudinha da mãe, hoje estão totalmente nas mãos da rapper. “No começo, meu único desejo para os clipes era estar ao lado de outros pretos, porque via isso nos clipes da [cantora e atriz americana] Willow Smith”, diz Soffia sobre uma das maiores referências na sua carreira.

Hoje, cada detalhe é pensado e decidido por ela com o suporte de profissionais escolhidos pela mãe. “Escrevo o roteiro, penso no perfil dos figurantes. Demorei para achar profissionais que me escutassem, porque, no nosso meio, assim como em outros, o machismo ainda tenta nos silenciar”, revela a artista, que se especializou em beat para se comunicar melhor com seus DJs.

Artista independente, Soffia aprendeu desde cedo que nada cai do céu. “Minha mãe sempre deixou muito claro o dinheiro que estava separado para fazer clipe e o que era para o meu lazer”, conta a MC, que acabou de se mudar com Kamillah e a avó Lucia Makena para um apartamento novo. Sem shows na agenda há um ano, a publicidade se mostrou um caminho promissor para a artista.

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mc soffia
(Wherb/Divulgação)

“A internet amplia minha forma de trabalhar e ainda consigo ajudar outras jovens negras”, explica sobre a iniciativa Pretinha Rainha, um espaço no seu Instagram em que, a cada domingo, outras meninas podem compartilhar seus trabalhos artísticos. “Quero ter 50 milhões de seguidores, como algumas cantoras têm, para disseminar o talento dessas jovens, mas não vou esperar uma atitude dos mais famosos. Prefiro usar o alcance que já conquistei para fazer o que acredito”, conta, reforçando o combate ao racismo que ainda encobre artistas negros.

A obstinação que guia Soffia para os seus valores no ambiente profissional também se reflete na vida pessoal. Para ter mais amigas negras – um desejo que não era suprido na escola nem no bairro –, a jovem decidiu se jogar nos encontros de instagrammers pretos e bailes black. “Ia sozinha e me apresentava para o pessoal. Tive que caçar mesmo, porque elas não iam bater na minha porta para serem minhas amigas”, brinca a adolescente, que criou laços com meninas que a acompanham desde coreografias virais do TikTok a debates sobre colorismo.

Papo reto

Os 10 anos de carreira de MC Soffia realmente não foram construídos sozinhos, logo a celebração será compartilhada com as suas referências femininas no clipe da música Papo Reto, lançado ainda este ano. Entre as participações, a jovem destaca a rapper Sharylaine, que foi a primeira artista que a convidou para dividir um palco.

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Como o nome avisa, a canção vem sem floreio: “Vou falar da ajuda que tive e da que não tive. ”São muitas as recordações nesse sentido: o microfone, que a acompanha nas cantorias dentro do quarto durante o isolamento foi dado por Criolo; a participação, a convite de Ice Blue, no show dos Racionais MC’s e o dueto com Tássia Reis são mais exemplos de pessoas que estenderam a mão para apoiá-la no difícil caminho do mundo artístico.

A gratidão aos que a impulsionaram a escrever e cantar é genuína, mas não a aprisiona. “Fui construindo minha personalidade e tendo mais consistência no meu trabalho com o passar dos anos. Mas ainda estou dando só os primeiros passos”, avisa bem dona de si.

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