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O hip hop é delas: o flow e o talento das mulheres na cultura de rua

As artistas superam os estigmas e mostram suas habilidades rimando, discotecando, dançando e grafitando

Por Colaborou: Esmeralda Santos
Atualizado em 19 mar 2020, 14h56 - Publicado em 28 fev 2020, 17h05

“Não era coisa de menina cantar rap”, era o que a rapper Stefanie Ramos ouvia quando decidiu começar sua trajetória nessa cultura. A história dela com a música é longa, e vem do berço familiar. “Meus tios tocavam na bateria de uma escola de samba, onde meu pai tinha uma ala e meu avô era vice-presidente. Meu irmão era DJ”.

Influenciada por Cris SNJ, Dina Dee, Nina Brown e muitas outras mulheres que já atuavam nessa cultura nos anos 90, os eventos de rap a permitiram conhecer outros elementos da arte que circulava intensamente pelas periferias.

“Vi uma apresentação de um grupo na época e me identifiquei com a maneiras que eles rimavam, daí eu passei a ficar canetando algumas rimas em casa, mas sem pretensão de cantar”, conta ela, que hoje é uma das principais vozes femininas dentro do rap. “O tempo foi me mostrando que o hip hop fazia parte da minha vida e cá estou”.

Depois de marcar a adolescência de muitos com a música “Juventude” do grupo Simples, do qual fez parte, e passando pelo grupo feminino Rimas e Melodias, Stefanie cravou seus pés na carreira solo com a música “Mulher MC” que descreve como um grito de orgulho a todas as mulheres que vieram antes dela, e as que virão depois. “Algumas MCs já chegaram em mim dizendo que foi um som muito importante para elas, que as motivou a dar continuidade em suas carreiras, em seus sonhos e isso é maravilhoso”, conta.

Depois de passar por grupos de Rap, Stefanie se lançou na carreira solo em 2018 com seu primeiro single (Foto: Renato Nascimento/Divulgação)

Mas não é apenas na música que Stefanie consegue mostrar toda a sua versatilidade e talento. Mãe de Humberto e Malena, ela concilia a carreira de MC com a maternidade, um de seus maiores desafios. “Cuidar de casa, dos filhos e ter que produzir é bem complicado, mas meu marido me ajuda demais nessa jornada, além do apoio familiar que temos”, diz.

A marginalização que o rap sofreu na época trouxe algumas consequências em sua carreira e mesmo sendo apaixonada pela cultura, a rapper vivenciou situações difíceis . “Eu me auto-sabotei durante um bom tempo porque não conseguia me ver cantando”.

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“Muitas pessoas me desanimavam também, principalmente por ser um estilo com forte presença masculina. Se manter nesse mercado requer muita organização, dedicação e fé em nós mesmos, pois a grande maioria das pessoas não valoriza os artistas”.

A força de outras mulheres lutando pelo seu espaço dentro dessa contra-cultura trouxe para a MC um incentivo muito mais forte para continuar cantando e mostrando que sim, o lugar da mulher é também no hip hop. “Hoje felizmente vejo um número muito maior de mulheres, além de cantoras, vemos técnicas de som, produtoras musicais, produtoras executivas, o que antes não se via”, diz, animada.

Além de sua trajetória inspirando outras mulheres, Stefanie conseguiu dar um novo sentido e até mesmo seu estilo depois que começou a se entender dentro do hip hop. Quando começou, era natural que ela e outras mulheres usassem roupas mais largas, como uma tentativa de serem aceitas dentro do movimento. “Antes eu sentia vergonha de me maquiar ou me arrumar pra fazer show, hoje já não tenho nada disso, inclusive eu amo me produzir, me vestir como eu quero, arrumar meu cabelo como eu amo, me valorizar”, disse ela, feliz em fazer parte dessa transformação do rap.

Entre a rua, muros e cores

Foi através de batalhas de rap que Criola, como é conhecida, observava as paredes que cercavam aquele ambiente. Grafitadas, desenhadas, cheias de formas e letras. O autodidatismo no hip hop é uma realidade, já que muitos artistas percursores dessa arte, começaram sozinhos – e não foi diferente com ela. “Achava muito interessante, mas acreditava que era algo impossível de fazer, até comprar as tintas e tentar”, explica.

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Natural de Belo Horizonte, em 2008 Criola ganhou uma bolsa em um curso livre em design de moda, que foi fundamental para entender que qualquer pessoa pode desenhar. “No grafite, como em qualquer outra arte, é importante que se tenha prática”.

Grafiteira Criola
Criola já passou com sua arte por Estados como Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador (Instagram/Reprodução)

Seus desenhos já a permitiram colorir os arranhas-céus de cidades como São Paulo, Salvador, e Rio de Janeiro. Mas sua maior conquista, foi ir para fora do Brasil a convite da Nike. “Fui pra Paris. Se não fosse o grafite isso não seria possível. Era fora da minha realidade”, revelou.

O grafite sempre teve atuação das mulheres, mas com menos visibilidade. “Existe uma dificuldade em reconhecer qualquer tipo de arte no nosso país, ainda mais quando se fala de mulheres produzindo. Temos muitas grafiteiras talentosas nesse cenário, mas não são tão visadas”.

(Foto: Henrique Madeira/Reprodução)

A artista mistura a sua experiência com moda e a paixão pelo grafite, além de usar representações de corpos negros femininos para mostrar todo o seu talento através das pinturas. Cores e formas geométricas que são as marcas registradas de sua arte. “Gosto de dizer que a rua é o corpo da cidade, e o grafite é sua estampa, como uma roupa. Assim misturo a moda com os desenhos”, explica.

Os desenhos são reflexo de suas angustias, medos, alegrias e inspirações. É através dessa arte que ela dá um novo sentido para sua própria imagem e, consequentemente, para outras mulheres negras no cenário. “Sei do poder da arte e uso da melhor forma. Quero gerar conexões nas pessoas através do que eu desenho”, disse.

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Ela realmente segura esse baile?

Depois de sofrer uma fratura andando de skate aos 17 anos, Míria Santos Alves buscava um novo hobby para se dedicar. Mesmo longe das quatro rodinhas, ela participava de eventos e começou a perceber o trabalho dos DJs que tocavam no lugar.

Sua curiosidade a levou a buscar casas de cultura que ensinassem a arte de discotecar. “Foi nesses espaços que comecei a ter contato, e conheci outros DJs. A cultura hip hop sempre fez parte da minha vida, mas tudo mudou depois que conheci os discos”, conta.

Hoje, aos 29 anos, ela gerencia um projeto que tem feito a diferença não só dentro da cultura, mas transformando a vida de mulheres de todos os cantos do Brasil. O que parece ser algo clichê, com um nome que pode ser definido como “Tensão Pré Menstrual”, foi ressignificado pela DJ e sua equipe. “Comecei uma pesquisa nas redes sociais, perguntando para as mulheres o que vinha na cabeça quando pensavam em TPM, e elas respondiam que era algo ruim”. Então nasceu o TPM: Todas Podem Mixar, em 2016.

há 3 anos atrás, a DJ Míria Alves começava seu projeto de discotecagem para mulheres (V.monteiro/Divulgação)

“As oficinas de discotecagem têm o objetivo de ensinar às mulheres interessadas as principais técnicas que um DJ precisa saber e colocar as alunas no mercado da música como profissionais”, conta Míria, que antes desse feito, teve um longo caminho de aprendizagem e aperfeiçoamento do seu talento. “Nos primeiros seis anos fazia jornada dupla, dividia minha carreira de DJ com um trabalho formal. Tudo isso para juntar dinheiro e comprar meus equipamentos”.

A parte financeira foi resolvida assim que conseguiu comprar o que precisava para começar a discotecar, mas haviam outras dificuldades pelo caminho. “Foi difícil me colocar no mercado como DJ e representante do hip hop e da música negra. A mulher antes não era a primeira opção para ser contratada. Usei muito as redes sociais para mostrar o meu trabalho e isso me ajudou muito a me colocar como profissional”.

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Depois de ficar um ano no grupo de rap D Quebrada, a DJ começou a tocar nos bailes da cidade de São Paulo, o que firmou ainda mais a sua conexão com os toca discos e a mixagem. “Ali dei um start na noite e me apaixonei. Eu amo baile, amo tocar na noite, ver a reação das pessoas enquanto toco é fascinante”.

As oficinas de Míria tem colocado mais mulheres no mercado, possibilitando que elas vejam novas formas de trabalhar. (Foto: V.monteiro/Divulgação)

As primeiras edições do TPM contavam com 10 alunas. O número continua o mesmo e é proposital. “Abrimos novas turmas sempre que dá, mas queremos um número baixo de alunas para ensinar o ofício da discotecagem de verdade”, diz Míria, animada com os próximos passos do TPM, que já formou cerca de 350 alunas. “40% delas já trabalham na noite como DJs. Algumas não foram para a discotecagem, mas usaram todo o conhecimento que ganharam nas oficinas para ampliar os seus trabalhos”.

Passando por outros estados brasileiros e colocando cada vez mais mulheres dentro de uma cultura dominada por homens, Míria deseja ampliar ainda mais o alcance do TPM. “A ideia é levar para o Nordeste, mostrar para as mulheres de lá outras opções de carreira. Que elas tenham capacidade de crescer e fazer a música crescer em suas cidades”.

A dança não é efêmera

Fabiana Balduína, mais conhecida como Fabgirl, enxerga a dança como “um canal de expressão daquilo que é a minha essência, que eu achei que nunca fosse se manifestar”. Fã das divas pop, quando começou a surgir seu desejo pela dança, apenas copiava as coreografias dos vídeos clipes.

Até que um festival de dança conseguiu mudar o que ela entendia sobre essa arte. “Vi uma menina fazer moinho de vento [movimento do break], e aquilo me encantou. Sempre falo da importância das referências: foi uma mulher que me apresentou de forma indireta o break”.

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Assim, começou uma rotina intensa de treinos e estudos acerca desse estilo, que antes não abraçava as mulheres. “Quando comecei era uma das poucas que dançavam. Só podíamos entrar na roda de batalha se os caras permitissem”. O impasse para exercer sua paixão não foi o suficiente para que ela desistisse, e o ímpeto coletivo a impulsionou a criar a crew BSBGIRLS em 2003, sendo o primeiro grupo de bgirl do Distrito Federal.

(Foto: @Ernnacost/Divulgação)

Seu empenho a levou para lugares inimagináveis, e a primeira conquista aconteceu no ano de 2008, quando foi para a Alemanha representar o Brasil na competição Battle Of The Year, uma das mais importantes da modalidade. “Pensei em parar de dançar depois que vi a realidade e a diferença dos dançarinos. Fiquei impactada e imaginei que aquilo não era para mim”, explicou.

Mas ela não parou, e mais uma vez a dança a surpreendeu. Em 2018, a competição de bboys Red Bull BC One criou a categoria feminina – depois de mais de 15 anos de evento. O inesperado foi ter sido convidada para ser jurada da disputa, no dia de seu aniversário. “Foi muito marcante, considero um presente incrível do universo. Eu era a única mulher na banca de júri e poder assistir à categoria feminina acontecendo no Brasil e no mundo foi algo muito marcante”, disse.

(Foto: Jonathan Felipe/Divulgação)

Inspirada pela cultura e dança afro-brasileira, seus movimentos mostram a verdade e a essência de quem ela é. Fabiana se utiliza da dança para manifestar sua ancestralidade, força, e toda a cultura que sempre se empenhou em estudar.

Percursora dessa movimentação de mulheres dentro do Breaking, ela reconhece que há muito chão pela frente, mas tem disposição de sobra para continuar atuando junto a outras mulheres, dando continuidade à presença feminina no hip hop.

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