Marvel e C&A unem forças para lançar coleção desenhada por artistas pretos
“O Poder é Nosso” será um projeto recorrente da Marvel, se tornando parte do compromisso de diversidade, equidade e inclusão da Walt Disney Brasil
Ainda neste mês, a C&A estreia a sua nova coleção de roupas em parceria com a Marvel. Intitulado como “O Poder é Nosso”, o projeto traz designs atualizados de heróis atemporais produzidos por artistas pretos. O resultado dessas artes estará estampado em camisetas, blusas e outros produtos belíssimos da loja.
Ao todo, cinco artistas — Negritoo, Crica, Massai, Luna e DGOH — foram convocados para reimaginar os seguintes personagens icônicos: Pantera Negra, Tempestade, Miles Morales, Mulheres de Wakanda e Falcão, respectivamente. Com mentoria e coordenação da estilista Jal Vieira, a iniciativa transmite representatividade, vitória e singularidade artística.
Posteriormente, os heróis repaginados também serão licenciados em produtos de outras categorias como papelaria e brinquedos. Incrível, né? E para mergulhar no universo desta emocionante empreitada, CLAUDIA bateu um papo com os artistas envolvidos na coleção. Confira:
Massai (Miles Morales)
Parte da premissa de “O Poder é Nosso” foi selecionar artistas que, de alguma forma, tivessem trajetórias emocionais semelhantes às dos personagens repaginados. E isso definitivamente não foi um problema para o artista Massai: “Desde criança, tenho uma conexão com o Miles Morales”, afirma.
Ele conta que cresceu pensando no quanto seria fantástico ter um Homem-Aranha preto. “Depois de velho, eu descobri o Miles e fiquei maluco. Apenas sabia que precisava conhecer esse personagem a fundo para entender os pontos de convergência entre a história dele e a minha.”
Contudo, criar uma versão original de Morales não foi uma tarefa fácil. Devido a falta de referências e o apagamento histórico de heróis pretos na cultura pop, Massai precisou mergulhar num profundo processo de pesquisa para escapar do estilo adotado em Spiderverse. Entretanto, após buscar inúmeras referências e “rabiscar muito”, a arte saiu de forma genuína e original.
Crica (Tempestade)
A renomada grafiteira Crica Monteiro conta que a identificação com Tempestade foi imediata. “Já tive cabelo branco. Acompanho a personagem desde muito nova. Consumia tanto os HQ’s quanto os desenhos e os filmes. Definitivamente acompanhei todas as mudanças dessa heroína para compor minha criação”, afirma.
“A Tempestade já teve um período muito glamouroso. Mais para a frente, os criadores a colocaram numa estética 80s e 90s punk que eu simplesmente adoro”, esclarece.
E para Crica, toda essa riqueza visual não ofusca a profundidade emocional da heroína: “Tempestade cuida das pessoas, e eu também sou assim. Não acreditei quando recebi a proposta para repaginá-la, porque ela traz essa mensagem de: ‘Tá, eu tenho superpoderes, mas eu também sou amiga, mãe e companheira, e posso te aconselhar.’ Eu me sinto nesse lugar. E o mais engraçado: antes desse projeto, eu já estava pensando em criar a minha própria versão da Tempestade”, revela.
Porém, mesmo com tamanha afeição pela personagem, a artista afirma que se sentiu levemente pressionada durante o processo criativo: “Ela está na memória afetiva de muita gente. Demandou grande responsabilidade mexer numa imagem que já existe. Por isso, fiz questão de seguir caminhos estéticos diferentes daqueles que já haviam sido apresentados. Busquei coisas que eu queria ver.”
Negritoo (Pantera Negra)
Enquanto Crica precisou se afastar das dezenas de referências de Tempestade para criar a sua própria versão da heroína, Negritoo teve que lidar com a escassez de representações do Rei T’Challa na cultura pop. “O Black Panther não tinha muita expressividade nos quadrinhos. Ele estava sempre em segundo plano. Somente quando veio o filme que eu realmente consegui me aprofundar na história”, explica.
E assim que a obra protagonizada por Chadwick Boseman foi lançada, Negritoo rapidamente percebeu o quanto a sua trajetória e a do Pantera Negra estavam entrelaçadas: “ Ele tem essa conexão com as mulheres de Wakanda, assim como eu tenho com as mulheres da minha família. Meus pais se separaram cedo, e eu fui criado pela minha mãe, vó e tias. Sempre estive rodeado de mulheres e essa é uma referência que trago constantemente no meu trabalho. O respeito de T’Challa com elas é a nossa principal semelhança”, declara.
Por fim, Negritoo revela que utilizou muitas referências do longa-metragem — acopladas ao seu estilo que traz linhas e formas geométricas — para repaginar o herói de forma original.
DGOH (Falcão)
Assim como os outros artistas, DGOH também possui belas memórias de infância com o herói Falcão. “Mergulhei na pesquisa e vi que ele é um personagem do Harlem [bairro negro de Nova York]. Esse é um dos berços do hip-hop, e de certa forma, isso combina muito comigo, pois também sou do gueto. Peguei esses pontos e construí meu personagem neste contexto”, esclarece.
Além dos traços urbanos e cheios de atitude da remodelagem de DGOH, outro ponto estético chama a atenção em seu desenho: a pele azul do personagem. “Em 2015, perdi um brother meu. Fiquei abalado. Nestes tempos, encontrei um pote de tinta azul em casa, e senti uma necessidade enorme de usá-lo. Comecei a pintar, e a cor foi trazendo uma leveza para o meu coração. Os personagens ficaram leves. Depois descobri que esta é a tonalidade do infinito, da luz, do celeste. Então, os seres que desenho com azul são celestiais. Trago essa conotação leve no meu trabalho, pois o mundo está muito ruim. Precisamos desse acalento de vez em quando”, declara.
Luna (Mulheres de Wakanda)
“Para além da questão estética, Luna tem um processo de desenvolvimento que fala muito de seu ponto de vista enquanto mulher negra. Sua arte transborda a humanidade da mulher preta brasileira. Isso se conecta com as mulheres de Wakanda, que são super heroínas que defendem suas comunidades, mas ao mesmo tempo, possuem vivências com a família. Isso é algo muito especial sobre a Marvel: os personagens estão salvando o mundo, mas também são dotados de características humanas. Luna garantiu que isso não fosse perdido”, explica Jal Vieira ao ser questionada sobre o trabalho da artista.
“O Poder é Nosso” promove celebração cultural
Para Jal Vieira, a máxima do projeto é causar um impacto que reverbere em outras histórias. “O nome da iniciativa não foi escolhido à toa. ‘O Poder é Nosso’ fala por si só. As vitórias individuais também são coletivas, porque os artistas e pessoas envolvidas neste trabalho estampam o produto, mas também tomaram decisões nos bastidores”, afirma.
Por fim, a estilista declara que algo importante na empreitada foi mostrar corporalidades pretas em condição de vitória — algo que não é visto com frequência na mídia. “Precisamos mostrar esses corpos vencendo. Todos nós podemos vencer e sair da condição de vulnerabilidade pela qual nos definem. Nós passamos por muitas coisas, mas não somos essas coisas. Somos artistas complexos, potentes, que não se resumem a um acontecimento”, conclui.