Gabriela Prioli e o poder de dialogar com diferentes ideologias políticas
Em novo livro, 'Ideologias', advogada e comunicadora explica o que são liberalismo, conservadorismo e socialismo
Você sabe o que é liberalismo? E conservadorismo? Não se envergonhe se a resposta for “não”. Principalmente nos últimos anos, a simplificação direita versus esquerda e a polarização política na qual o Brasil permanece mergulhado eclipsaram as contextualizações mais embasadas sobre esses conceitos. Por isso, com a linguagem didática que lhe é característica, a advogada e apresentadora Gabriela Prioli, de 36 anos, acaba de lançar Ideologias (Companhia das Letras), seu segundo livro, no qual apresenta e explica as três principais ideologias políticas que nos ajudam a pensar e entender a sociedade contemporânea: liberalismo, conservadorismo e socialismo.
Depois do sucesso de Tudo é Política (publicado pela mesma editora), sua primeira obra, que se tornou bestseller no ano passado, Prioli se aprofunda nas origens históricas dessas principais correntes de pensamento político e mostra como elas vão mudando ao longo do tempo.
A origem de direita e esquerda
O primeiro fato curioso é a origem dos próprios termos direita e esquerda. Como ela conta em Ideologias, ambos conceitos vêm da Revolução Francesa e se referiam à posição das cadeiras que determinados grupos ocupavam numa assembleia deliberativa: quem era a favor de manter o poder de veto do rei e, em consequência, a norma da época —ou seja, conservadores—, sentava-se à direita. Já os que eram mais contrários a esse poder e queriam mudar totalmente o status quo sentavam-se à esquerda. “Hoje, é claro, é impossível pensar as coisas nesses termos”, diz a autora em entrevista a CLAUDIA. E ela foge de todo tipo de anacronismos em seu novo livro, que, apesar de abordar outros temas, traz a mesma proposta do primeiro. “É uma continuação narrativa no sentido de incitação ao diálogo político”, afirma.
Estamos prontas para ouvir o outro?
Formada como advogada criminalista, Prioli é professora, tem o próprio escritório de advocacia e, eventualmente, aparecia como comentarista em programas televisivos. Até que que virou celebridade em março de 2020, quando tornou-se comentarista política fixa na CNN e se consolidou nas redes sociais, onde soma mais de dois milhões de seguidores. Ela se considera uma educadora política? “Com muita humildade, digo que sim”, assume. “Desde sempre, quis comunicar, mesmo escolhendo Direito. Por isso, fui para a sala de aula, gosto de ser professora.”
Prioli considera positivo que, depois de muitos anos de uma sociedade regida pela máxima de que “política e religião não se discutem”, o debate político ocupe, hoje, um lugar central na vida dos brasileiros. “Infelizmente, nem todos vivenciam, de fato, esse debate com sustância”, pondera. “Muitos ficam apenas no embate de opiniões rivais, mais interessados em apontar o dedo e rotular o outro”, lamenta. De fato, basta olhar para o resultado das últimas eleições presidenciais, seladas por uma diferença de pouco mais de dois milhões de votos, para enxergar a polarização que rasga o país. Se estamos mais dispostos a falar de política, temos a mesma propensão para escutar?
“Nessa dinâmica de redes sociais, nos acostumamos a olhar muito para o outro, mas o quanto nós mesmas estamos dispostas a escutar opiniões e perspectivas diferentes?”, questiona. Prioli lembra, inclusive, que embora a religião (esse outro tema tabu) não tenha sido um ponto central no desenvolvimento do liberalismo, conservadorismo e socialismo, foi o avanço da tolerância religiosa que, historicamente, abriu espaço para diferentes formas de pensar o mundo. “Encontramos pessoas dispostas a dialogar em todas as ideologias. E também há pessoas indispostas e intolerantes em todas elas. Por isso, coloco nos meus livros essa propensão para o debate como um norte”, explica ela, lembrando que é igualmente importante alimentar um campo progressista e um “campo conservador saudável” no Brasil. Afinal, é assim que se faz democracia.
Prioli ensina também —e isso ela destrincha perfeitamente em Ideologias— que cada corrente política tem muitos “galhos” e contém diferentes correntes de pensamento e posicionamento. “Não podemos generalizar, por exemplo, e considerar que tudo que é direita ou conservadorismo significa bolsonarismo“, diz ela, referindo-se ao que considera “uma força política com a qual teremos que lidar por um bom tempo”. Segundo ela, esse tipo de reducionismo é um dos fatores que levam a uma fadiga sócio-política. Quem não ouviu ou mesmo falou durante as eleições algo como: “Não aguento mais, não quero conversar sobre isso com mais ninguém”?
Esse cansaço generalizado é um risco? A advogada considera que não. “É um sentimento que pode, inclusive, ser positivo. Porque quanto mais as lideranças políticas entenderem que as pessoas estão saturadas, mais poderemos pressioná-las a fazer política de uma maneira mais sadia e eficaz para a população”, diz. Ela até recomenda o afastamento dos debates nessa área para quem sente que eles têm um peso na saúde mental e emocional. “É sempre importante lembrar que, estando doente, ninguém muda o mundo.”
Ela própria se cerca de cuidados, sendo a terapia o principal deles, para lidar com o seu trabalho e as diferentes recepções a ele. Como toda mulher que ousa falar e fazer política, Prioli é alvo constante de ataques misóginos nas redes sociais. “Acho que só 1% do hate que recebo é sobre meus posicionamentos ideológicos. Quase tudo é puro suco de machismo mesmo”, conta. Mas ela segue firme e forte, tentando não se abalar com o chorume, nem se iludir com a fama. “Essa exposição toda só é um perigo se seu único objetivo for ganhar likes e fazer sucesso para satisfazer a vaidade. Eu realmente tenho o objetivo de pregar valores que são importantes para mim”, afirma. O principal deles, ela demonstra mais uma vez, é fazer um convite constante à reflexão e ao diálogo respeitoso mesmo entre divergentes.