Bertha Lutz: a brasileira que lutou pelos direitos das mulheres na ONU
Novo documentário da HBO mostra história da cientista que trouxe ao Brasil a luta pela igualdade de gênero
“Bertha Lutz – A mulher na carta da ONU”, nova produção da HBO adicionada recentemente ao catálogo da plataforma de streaming, é um promissor documentário que alcançou seu objetivo de sutilmente criticar e debater temas como a igualdade de gênero e os direitos garantidos às mulheres.
O longa de caráter investigativo volta os olhos dos telespectadores para a trajetória de duas estudantes, a argelina Fatima Sator e a norueguesa Elise Luhr Dietrichson, que entram em uma corrida contra fatos históricos para garantir o reconhecimento à Bertha Lutz.
Cientista brasileira, temperamental e especialista em sapos, Bertha lutou durante a Conferência de São Francisco para que o termo “mulheres” fosse incluído no documento que fundou a ONU e garante a todos os seres humanos o direito à vida.
Sim, a cientista além de ser uma das principais sufragistas brasileiras, contribuiu para que todas as mulheres do mundo tivessem seus direitos básicos garantidos. Entretanto, quem ainda não viu o documentário ou pesquisou a fundo sobre a vida de Bertha, provavelmente não saberia da informação, visto que a história exalta apenas a figura de Eleanor Roosevelt, mulher do então atual presidente dos Estados Unidos, e um dos homens presentes na conferência.
“Bertha Lutz disse que era importante incluir a palavra “mulheres”, porque se não fosse incluso, elas poderiam perder seus direitos”, disse Fatima Sator em fala no documentário
Tatiana Issa e Guto Barra, diretores do longa, contam que adentraram no projeto de documentação da jornada quando sequer sabiam profundamente quem foi Bertha Lutz, logo no início das pesquisas sobre Fatima e Elise.
“A gente se apaixonou por elas e mergulhar nesta busca foi como se a gente estivesse vivendo todas as descobertas juntos. A gente ficou feliz junto, chorou, ficou pé da vida junto. Foi um processo muito legal”, diz Tatiana.
Os diretores, que conheciam Bertha Lutz apenas dos tempos de escola, quando foram apresentados brevemente às contribuições biológicas da cientista, descobriram uma biografia espetacular e se viram completamente conquistados pela brasileira que teve sua história apagada.
A cientista, umas das únicas quatro representantes do sexo feminino na conferência que reuniu 850 líderes de todo o mundo, não tinha medo de defender as mulheres e se posicionar e, por diversas vezes, sofreu tentativas de ser silenciada, inclusive das próprias mulheres que ali estavam, relatos que ela própria dividiu através de cartas.
“Ela (Senhorita Gildersleeve, uma das delegadas da conferência) prosseguiu dizendo que esperava que eu não fosse pedir nada ‘pelas mulheres’ na Carta da ONU, pois seria algo muito vulgar. Eu informei a ela que, muito pelo contrário, a defesa dos direitos femininos era justamente o motivo pelo qual o governo brasileiro me colocou na delegação”, escreveu Bertha.
Por ironia do destino, as mulheres que se levantaram para “dar a Bertha o que é de Bertha” foram alvo de uma história que se repete, mostrando que ainda há uma necessidade de ascensão de um feminismo ainda latente.
O documentário mostra cuidadosamente uma série de cenas em que as pesquisadoras foram ignoradas ou desprezadas por influentes políticos e estudiosos. Homens? Sim. Mas espantosamente, mulheres também. Desprezo este que levou as pesquisadoras a acreditarem que todo o esforço para alcançar seu objetivo foi em vão.
“Nós ainda fomos econômicos na edição”, relata Tatiane Sadala em meio a risadas sobre as cenas em questão. “É muito chocante porque você se depara claramente com tudo isso que está sendo falado e vivenciado de uma maneira muito dura e muito clara.”
“É uma cultura tão enraizada do patriarcado e do machismo que você não precisa nem tentar ser tendencioso. Você pode abrir a câmera e mostrar a realidade e ela mostrará isso”, complementa Guto Barra.
“É chocante. Você entra e não vê representatividade feminina e nenhum respeito. É como se a mulher só servisse pra ser a secretária ou a pessoa que traz o café”, expressa Tatiane
“A gente foi percebendo muito que elas estavam encontrando barreiras bem similares às que a Bertha encontrou 70 anos antes. O mesmo tipo de retórica que acontecia lá trás estava acontecendo de novo ali com elas. Muita frustração, lentidão, isso por uma coisa que era tão legal que elas estavam querendo fazer, que era só dar crédito para uma pessoa”, diz Guto.
“A gente estava bem desiludido, achando que o final do filme iria ser realmente só a frustração delas em não ter conseguido chegar a lugar nenhum”, afirma o diretor.
O documentário que, apesar de trazer à mesa pautas com as quais lidamos regularmente, expressa tudo de uma forma muito chocante, como um despertar de que a luta ainda não acabou e para isso, nós, mulheres e homens, precisamos nos posicionar.
Além de sua riqueza de informação, o longa pode ser considerado como a herança da cientista, papel antes cumprido pelos artefatos que estavam no Museu Nacional do Rio de Janeiro e foram destruídos com o fogo, em 2018.
“Se a gente não tivesse gravado aquilo, feito este documentário, isso teria se perdido pra sempre. É como se divinamente a gente tivesse tido esta oportunidade de documentar aquela história, na hora certa, antes de tudo aquilo ser apagado”, se emociona Tatiane.
O projeto, a luta e a pesquisa de Fatima e Elise surtiram resultado, venceram barreiras e garantiu à Bertha o seu reconhecimento. Agora, todos têm acesso à história não apenas de uma cientista da elite, mas de uma sufragista de caráter forte.
Conhecer e inspirar-se na história de Bertha Lutz, Fatima Sator e Elise Luhr é dar continuidade a uma luta pelos direitos que um dia foram conquistados.
O documentário “Bertha Lutz – A mulher na carta da ONU” está disponível na plataforma de streaming HBO GO.