A importância da representatividade asiática no cinema e na televisão
Em entrevista a CLAUDIA, Jacqueline Sato conta como foi resolver seguir carreira de atriz sem ter quase ninguém para se inspirar
Sandra Oh, Awkwafina e Lana Condor são grandes nomes do cinema atual. Além de ótimas atrizes, elas representam muito para a comunidade asiática, que geralmente não se vê representada nas grandes obras de Hollywood. Para Todos os Garotos que Já Amei, franquia de sucesso da qual Lana é protagonista, pode parecer só mais uma comédia adolescente clichê, mas ganhou ainda mais fãs por ter a atriz vietnamita em papel importante e comum, sem reproduzir clichês e estereótipos asiáticos. Esse foi um grande passo para a discussão sobre a representatividade asiática na indústria do cinema e entretenimento.
Em geral, asiáticos são escalados para filmes e novelas para interpretar papéis rasos sempre com as mesmas características – nerds, bons em matemática, entusiastas da tecnologia, ingênuos e tímidos. Isso sem contar o fato de todos os povos e etnias do continente serem resumidos a japoneses e chineses. Além de não se sentirem representados, a reprodução desses tipos de estereótipos pode afetar a autoestima e a confiança, já que, especialmente crianças, podem se sentir inferiores por não cumprirem os papéis que esperam delas.
Isso acontece mesmo no Brasil, a maior comunidade com origem japonesa fora do Japão, com mais de 2 milhões de japoneses e descendentes e mais de 50 mil descendentes chineses, além de um crescimento muito grande de outras etnias asiáticas.
Em entrevista a CLAUDIA, a atriz Jacqueline Sato, de ascendência japonesa, contou como foi crescer sem referências no mundo do cinema e dos desenhos e, mesmo assim, resolver seguir carreira no ramo. Atualmente, ela trabalha na BAND apresentando a série Bruce Lee – A Lenda, produzida pela filha do artista, Shannon Lee.
“Desde bem pequena eu sempre amei dançar, cantar e contar histórias. Eu me sentia diferente dos meus amigos da escola porque era a única asiática e sentia que os olhares para mim eram diferentes. Ligava a TV e não via ninguém parecida comigo, nenhuma das minhas bonecas parecia comigo. Eu não me sentia parte de nada e sonhava em poder ser diferente. Um pouco mais velha, quando percebi que não poderia mudar minha aparência, comecei a torcer para que meus filhos pudessem nascer diferentes, quando eu fosse tê-los”, conta Jacqueline. “Aos 16, decidi começar a estudar teatro e fazer vestibular para Rádio e TV, mesmo tendo essa insegurança. Na época, a Danni Suzuki interpretou Miyuki na Malhação e foi a primeira vez que vi uma pessoa parecida comigo na TV aberta. Isso me motivou a ir atrás. Quando crianças, nós sonhamos muito, é importante ter representatividade”, continua.
De fato, Miyuki foi uma das primeiras personagens asiáticas nas novelas brasileiras, em 2003. A primeira foi Cristiana Sano, em Roda de Fogo, no ano de 1986. A televisão já existia desde 1950. A única protagonista amarela até hoje foi Ana Hikari, em 2017, em Malhação: Viva a diferença. Para os homens, o passo aconteceu anos antes, em 2008, com Jui Huang protagonizando Negócio da China.
“Assim como eu me inspirei na Dani, a Ana Hikari disse que se inspirou muito em mim quando resolveu ser atriz. Ela me assistiu em algumas novelas e percebeu que suas características de mulher amarela não eram impeditivas para fazer o que amava. Fico muito honrada e feliz de fazer parte dessa mudança e poder tocar outras meninas. Hoje em dia temos a Sandra Oh e a Awkwafina que são grandes ícones pra mim e estão ajudando as asiáticas a conquistarem mais espaço”, diz Jacqueline.
Raízes
A falta de representatividade étnico-racial tem uma raiz antiga, quando o homem branco “conquistou” novos territórios e novos povos. Os colonizadores mataram e suprimiram suas culturas, se colocando como superiores. Até hoje, os brancos detêm grande parte do poder e muitos dos privilégios que os descendentes dos outros povos não têm. “Os povos racializados precisam batalhar, e muito, para conquistar o direito simplesmente viver de acordo com seus costumes, precisam lutar para não sofrerem discriminação, precisam se unir e se desdobrar para terem o direito de serem ouvidas, de terem suas culturas vistas e valorizadas, assim como, terem sua aparência física aceita, e tida como bela também”, afirma a atriz.
A discussão em torno da representatividade amarela chega para somar com a luta de outros grupos racializados, como pretos e indígenas. Apesar de serem questões diferentes devido a diferentes contextos históricos, acredita-se que a discussão sobre o racismo contra asiáticos demorou mais para acontecer porque a imigração asiática é bem mais recente. Os primeiros chineses chegaram no Brasil em 1808, frutos do tráfico para trabalharem em plantações de chá e o japoneses começaram a vir apenas em 1908.
“Não podemos comparar, mas também foi uma história de dor. Como, em geral, os asiáticos são mais reservados, as histórias não são passadas muito para frente, mas nós sabemos que durante a Era Vargas, por exemplo, era proibido falar japonês. Um amigo me contou que seu avô, quando saía para trabalhar, já foi preso várias vezes, simplesmente por falar japonês. Isso envergonha e, por isso, pouca gente sabe”, relata a atriz.
É importante lembrar que asiáticos não se resumem a japoneses, chineses e coreanos. Na região do Oriente Médio, por exemplo, a maioria da população é asiática marrom. Apesar das características diferentes do que estamos acostumados a ver como “asiático”, os países também fazem parte da Ásia. O mesmo ocorre na Índia, ao sul do continente. Na região central, no sudeste, no leste e no sul estão os amarelos.
Os comentários e apelidos pejorativos e as generalizações fazem com que, além da vergonha e falta de confiança, os asiáticos não se sintam parte em nenhum lugar. Muitos descendentes de 3ª ou 4ª geração, que já nasceram no Brasil e são filhos de brasileiros, se sentem estranhos em seu próprio país natal, mas, ao mesmo tempo, não se sentem japoneses, chineses, coreanos, vietnamitas, entre outros.
Usar apelidos como “Japa” e “China” reforça a ideia de que essas pessoas são estranhas em seu próprio país. Pelos estereótipos impostos aos povos asiáticos serem, quase sempre, com características consideradas positivas, como a inteligência e o intelecto, muita gente não vê esse tipo de comentário como racismo. Porém, ninguém gosta de ser colocado em uma mesma caixinha.
“A pessoa que não tem origem em algum desses grupos racializados não costuma refletir sobre nada. A aceitação vem de forma muito mais natural e rápida para eles e, por isso, conseguem depositar a energia que nós gastamos nisso em outras coisas. É como se existisse um, ou vários, degraus a menos. Por isso é tão importante falar sobre a representatividade e o racismo”, diz Jacqueline.
Racismo no cinema
Apesar do avanço dos últimos anos, especialmente em algumas produções internacionais do cinema, os passos são lentos e existem ações, seja de Hollywood ou da indústria nacional, que são extremamente racistas. Uma delas, que é bastante comum, é o whitewashing – quando atores brancos são escalados para interpretar papéis de personagens de outras etnias. A discussão sobre o assunto ascendeu nos últimos anos devido a algumas produções de força que utilizaram a “técnica”.
Em 2017, Scarlett Johansson foi escalada para interpretar a protagonista da live action do anime Ghost in Shell. Obviamente, nos quadrinhos, a personagem era amarela. Tilda Swinton também foi muito criticada ao interpretar Anciã em Doutor Estranho, uma personagem tibetana.
No Brasil, a novela Sol Nascente, em 2016, foi um dos maiores exemplos de whitewashing. A trama contava a história de uma família de ascendência japonesa e uma italiana. O pai da família oriental foi interpretado por Luis Melo, que não possui nenhuma origem asiática, e a filha por Giovanna Antoneli, que também não tem ascendência japonesa. Na época, a situação se agravou ainda mais porque representantes da Rede Globo chegaram a dizer que “não encontraram atores japoneses com ‘status de estrela’ para participar da novela”. Anos depois, Danni Suzuki revelou que chegou a fazer os testes para a personagem que acabou sendo de Antonelli.
Além do whitewashing, outra forma de racismo comum na indústria do entretenimento é o yellowface – quando é utilizada maquiagem para simular traços orientais em um artista branco. Um dos exemplos mais famosos é do clássico Bonequinha de Luxo. No filme, Sr. Yunioshi, o teoricamente japonês proprietário do apartamento em que a protagonista vive, é retratado por Mickey Rooney, um ator branco. É um dos exemplos mais absurdos de yellowface e estereotipagem feita por Hollywood. O ator americano com origem escocesa ganhou olhos puxados e se forçava a falar um sotaque pesado, ridicularizando os descendentes de japoneses.
Pandemia
Neste ano, com a pandemia do coronavírus, a xenofobia contra asiáticos e, especialmente chineses, cresceu ao redor do mundo. Ao chamar o vírus de “vírus chinês”, os governos norte-americano e brasileiro legitimam atitudes racistas e até agressões físicas que cresceram nas ruas nos últimos meses. Não são raros os relatos de migrantes ou descendentes que ouviram comentários dizendo que eram sujos ou que estavam espalhando doenças pelo mundo e deveriam voltar ao “seu país”.
Para Jacqueline Sato, a melhor maneira de aumentar a representatividade amarela em filmes, seriados e novelas e combater a xenofobia e o racismo e discutir cada vez mais sobre o assunto, além de exigir isso das empresas.
“Não podemos mais nos calar quando vermos filmes reproduzindo estereótipos ou usando atores brancos para representar personagens asiáticos. Atualmente, a comunicação está sendo mais direta pela internet e, cada vez mais, somos mais ouvidos. Devemos usar isso para manifestar nossas necessidades como povo”, afirma a atriz.
“Não adianta também colocar algum ator ou atriz com ascendência amarela apenas como uma forma de ‘tapar buraco’. As crianças e pessoas com ascendência asiáticas só se identificarão com histórias relevantes e complexas. A etnia não necessariamente precisa ser uma pauta para um personagem de origem asiática”, completa. A atriz mostra estar muito feliz com seus próximos dois trabalhos justamente por isso – são personagens que, não necessariamente, precisariam ser interpretados por uma atriz amarela. Na série Os Ausentes, que deve ser lançada ano que vem, ela interpreta a tia de um menino desaparecido e no filme 10 Horas para o Natal, que deve estrear em dezembro, se aventura na comédia e traz uma produção natalina 100% nacional, um gênero que é muito popular fora do Brasil.
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