“A Consulta”, de Katharina Volckmer, é perfeito para ler de uma vez
Monólogo neurótico mostra uma personagem deliciosamente polêmica, sem cair em clichês contemporâneos
Sabe quando bate aquela vontade louca de ler um livro bom, mas tão bom que é só isso que você quer fazer pelas próximas horas? Fique com a dica de ouro de A Consulta (R$ 54,90, editora Fósforo), de Katharina Volckmer. Essa pérola me encontrou num dia de folga e foi minha companhia por três horas ininterruptas por um sem número de motivos. Como ele é curtinho, a ansiedade em acabá-lo não foi, assim, tão forte.
Alemã residente de Londres, a agente literária estreia seu primeiro romance com uma história bastante peculiar. Somos cúmplices de um monólogo neurótico de uma jovem durante uma consulta — da qual, só se descobre depois de muito tempo. A voz do médico não existe, só ela fala. E fala, fala, fala. Começa com suas questões sexuais envolvendo uma certa figura polêmica, mas passa por religião, gênero, machismo, relacionamentos e paixão.
Ela é afiada, irônica e deliciosamente polêmica. Me lembrou bastante a proposta de Jojo Rabbit, aquele filme lindo que toca Bowie em alemão de Taika Waititi. Esse tom inteligente que, se cruzasse uma linha bastante tênue, seria bem preocupante. Pois bem. Sorte que estamos diante de mais uma autora contemporânea preocupada com tudo menos com o politicamente correto de sua protagonista. Nem ela mesma está, a personagem. Erra, acerta, faz elaborações bastante lúcidas, depois volta para as suas preocupações neuróticas, daí tem mini surtos, mal respira nessa verborragia pseudo intelectual.
Gosto muito da escrita de Katharina, muito bem traduzida por Angélica Freitas, que, na minha opinião, junta as esquisitices alemãs com o humor inglês infalível. “O senhor acha que neva sobre o mar?” tem a mesma importância literária que uma das passagens mais filosóficas do livro, na qual ela elucida sobre o quanto o nosso corpo já sabe das coisas, mas a elaboração na fala demora a dar conta de tudo (oi, Freud). “[…] as palavras podem levar anos para seguir nosso corpo, para dizer o que já havia sido dito.” Terminei querendo ser amiga da autora.
Ps: sei que ela tem sido comparada com um tal de Roth e seu Portnoy (contém ironia, esse livro também é ótimo), mas, ai, que mania de justificar a qualidade de uma mulher a partir da obra de um homem. Deixa a gente.