O dia 25 de julho é uma data de memória e luta
Tudo começou com Tereza de Benguela, no quilombo Quariterê, com sua força política que perpetua até os dias de hoje
O ano era 1740 quando o Quilombo do Quariterê surgia, mais conhecido como Quilombo do Piolho, sendo ele o maior no Mato Grosso. Pesquisas apontam que a liderança dele era feita por Tereza de Benguela, desde o seu surgimento, ao lado do marido, José Piolho. Outros, que não desejam reconhecer a grandeza e força de Tereza, dizem que ela apenas tornou-se conhecida graças a José.
“Se formos olhar histórias de quilombos e aquilombamentos pelo país, boa parte deles tem lideranças femininas, como é o caso do Quilombo de Magé, que tem força representativa feminina. Todas as lutas do passado têm forças femininas, que são silenciadas por falas masculinas, ou como a presença do homem que representa a força e tirando a força de outras mulheres”, explica a historiadora e Mestra em Relações étnico-raciais, Aline Nascimento, do Instituto Identidades do Brasil (ID_BR).
A força e estratégia de Benguela não foi esquecida, nem silenciada, apesar dos poucos registros de sua luta. Ela navegava imponente pelos rios do Pantanal, e todos a chamavam de “Rainha Tereza”. A jovem representante comandou a estrutura política, econômica e administrativa do quilombo, que abrigava mais de cem pessoas, entre elas negros e indígenas.
A importância de lembrar de seus passos foi sentida e repercutida séculos depois, especificamente na década de 1990, quando o dia 25 de julho se tornou um marco internacional de luta e resistência de mulheres negras, latino-americanas e caribenhas. Elas se reuniram para discutir juntas suas vivências e identidades e, assim, partir para a ação.
“Os encontros geraram, em 1999, a importância de criar marcos e de estruturar luta pelo presente. Se estamos em 2020, esse processo de marco de identidade, de história e luta só existe porque estamos bebendo em uma fonte de muita luta na década de oitenta”, conta Aline.
Foi a partir dessas lutas, do Encontro de Mulheres Negras Latinas e Caribenhas, há 27 anos, e principalmente do reconhecimento e lembrança da atuação das mulheres do passado, que nasceu o dia Internacional da Mulher Negra, Latino-Americana e Caribenha, em homenagem à luta de Tereza de Benguela contra o sistema que escravizava negros e negras na época.
Não é uma data comemorativa, mas sim de lembrança
Quando comemoramos um aniversário, por exemplo, é um momento de recordar a data em que alguém nasceu, considerando que esse dia foi fundamental para a pessoa. É assim que funciona também o dia 25 de julho – não uma comemoração, como as datas festivas, mas sim um momento de recordar o passado e, a partir dele, pensar no futuro.
“A memória tem a função de preservar uma história, de projetar o futuro e dá a possibilidade de conexão entre o indivíduo e o lugar – tanto micro enquanto cidade, sociedade, bairro, quanto um lugar macro, como países, e continentes”, argumenta Aline. “O dia da mulher negra latino caribenha é uma forma de integrar tanto esse lugar micro por falar sobre a importância das mulheres negras em um contexto micro da vida cotidiana, como falar no contexto macro que é pensar a diáspora negra na América Latina”, aponta.
Falar sobre o dia da mulher negra, então, significa lembrar de quem foi Tereza de Benguela e pensar que as mulheres de hoje são frutos de sua ancestralidade. “Para mim é tão impactante pensar que somos herança. E ser herança é entender que só podemos e conseguimos fazer e falar com mulheres negras por conta de lutas de tantas mulheres negras do passado”, explica Aline.
Questionando as violências
De acordo com o Atlas da Violência de 2019, a cada 13 mulheres assassinadas no Brasil, 8 delas são negras. Nesse contexto, Aline questiona: “Quantas mulheres negras conhecem outras mulheres negras que sofreram violência? Temos uma responsabilidade gigante, porque estamos falando: mulheres negras, levantem-se. Mulheres negras, continuem na luta”.
Mas além de fortalecer as mulheres para que continuem a lutar, é preciso pensar em estratégias econômicas de empregabilidade que de fato funcionem. No mercado de trabalho, a taxa de desemprego entre mulheres negras é 17% maior do que entre mulheres brancas, como mostra uma pesquisa da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
O desemprego entre as mulheres negras é parte do cenário que perpetua os casos de violência doméstica – muitas delas não têm autonomia financeira e dependem de seus agressores para manter a casa e pagar suas contas. “É preciso falar sobre empregabilidade e criar uma estrutura em que muitas dessas mulheres negras tenham emprego, que seus empreendimentos funcionem. Precisamos criar uma estrutura para que o país olhe pra mudança de vida econômica dessas mulheres”, argumenta a historiadora.
Experimentar, conhecer e aprender
Segundo Aline, o hábito de lembrar momentos históricos faz com que se invente tradições. Um exemplo são os vários feriados criados para lembrar de homens (de maioria branca) que marcaram a história com suas ações. Logo, o dia 25 de julho é também um marco alfabetizador. “Quantas pessoas viram a data e não conheciam, se colocaram no movimento de ler sobre, de pesquisar e entender e refletir? Isso é fundamental. É sempre um convite a lembrar e se reunir pra conversar e ouvir outras mulheres negras, entende-las e experimentar a cultura negra”, conta Aline.
O momento é de entender que as mulheres negras, latino-americanas e caribenhas experimentam diferentes combinações de opressões, formando a base da sociedade. “Entendendo todo esse fluxo do tempo e as heranças que projetamos, o lugar de memória do dia 25 de julho é fundamental para que tenhamos uma próxima geração que vai chegar muito mais longe do que a gente chegou. Elas vão se entender como mulheres que lutam”, elucida a historiadora.
Entender todas as questões levantadas pelas mulheres negras durante todo esse tempo, é uma forma de fortalecer a importância da data e apoiar a luta diária, que antecede os passos de Tereza de Benguela. “Quando nos colocamos em defesa das nossas lutas, estamos fazendo por nós e pelos nossos. Estamos falando de uma luta que constrói na coletividade, que olha para o todo e que precisa respeitar quem está ao redor nesse processo. Isso é a experiência de mulheres negras”, finaliza Aline.
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