Ofélia: um bar mineiro inspirado pelas cartas do tarô
Nesta casa, em Belo Horizonte, a carta de drinques é regida pela sorte — e também pela criatividade de Bruce Laviola
Ofélia é uma mulher intensa, daquelas que se deixa levar pelas experiências da vida. Adora garimpar peças para sua casa e embarcar no misticismo. Foi no Carnaval de Belo Horizonte que conheceu um espanhol e absorveu desse amor fugaz — que durou apenas uma semana — não só boas histórias para contar, mas um colar de pérolas que virou amuleto da sorte.
A joia pode ser encontrada no lustre de sua casa, no bairro de Santa Efigênia, na capital mineira, e reza a lenda que, quem por debaixo dele passa, é afortunado com prosperidade.
Ah, faltou um detalhe: Ofélia não tem idade, nem rosto. Isso porque a personagem é fruto das ideias mirabolantes de Bruce Laviola, diretor criativo do bar que recebe o nome da enigmática figura feminina, nascida a partir de uma história que não poderia começar de forma diferente, senão com intrigantes toques de mistério.
“Todo mundo busca um caminho, mas é tanta informação que nos perdemos. Ser o que chamam de ‘jovem místico’ não é ser extremamente espiritualizado, mas uma forma de encontrar um rumo.”
Bruce Laviola, diretor criativo
O nome da casa foi pensado em referência à peça Hamlet, de Shakespeare, mas essa Ofélia teve uma morte “triste por causa de um homem”, palavras do próprio Bruce.
“Sou o único homem da família: sou eu, minha mãe e três irmãs. Sempre fui colocado num lugar machista de ser o homem da casa e cuidar de todo mundo. Minha ideia era retratar algo que fosse contrário a esses conceitos pré-estabelecidos”, explica sobre a elaboração dessa personagem que rege a atmosfera do Ofélia, espaço inaugurado no final de 2021.
“Trabalhei em várias áreas, mas quando cheguei aos 30 anos me bateu aquela ansiedade de me perguntar o que estava fazendo da vida”, conta, hoje, aos 36. Decidiu, então, que era hora de se reencontrar.
“A astróloga com a qual me consulto desde 2011 falava muito que meu papel no mundo estava ligado à criatividade, ela me deu o norte que me faltava naquele momento. Foi um processo em que trabalhei por anos até chegar ao Ofélia”, expõe. Em 2019, ele voltou a encontrá-la e ouviu que finalmente havia chegado onde deveria estar. “Ela só me aconselhou a segurar o sonho do bar até abril de 2020”, conta.
Isso foi alguns meses antes da pandemia da Covid-19, que colocou o país em estado de emergência e fechou as portas de todos os estabelecimentos.
“Ainda bem que eu a ouvi, teria sido um caos”, aponta ele, que aproveitou o período para lapidar o projeto. E os sinais astrais não param por aí. Quando encontrou o espaço perfeito para o bar, um casarão tombado dos anos 1920, Bruce se deparou com o antigo nome da proprietária no contrato: Ofélia.
TIRANDO A SORTE GRANDE
Os drinques foram todos criados com base nas cartas do Tarô de Marselha (Tarot de Marseille, um clássico dos baralhos). Bruce convidou a ilustradora Thereza Nardelli para desenhar as peças, que posteriormente viraram inspiração para cada coquetel feito pelas mãos da mixologista Jocassia Coelho.
Além de Bruce na direção criativa e dos sócios do espaço, quem toca o dia a dia do Ofélia são Jess Garcez, chefe de bar, e Marcela Cristine, bartender.
Do balcão saem drinques que foram pensados para se conectar com as cartas do tarô não só no visual, como também na escolha de ingredientes.
- A Sacerdotisa está relacionada à sabedoria e intuição, então a solução foi fazer uma bebida de sabor criativo e delicado, com gim, licor de lavanda, albumina e limão.
- Já O Pendurado é uma carta que indica inércia e necessidade de readaptação: leva rum, limão, água tônica e um vidrinho de xarope de hibisco, que deve ser adicionado a gosto do cliente.
- A Estrela, que representa boas oportunidades e otimismo, vem na jarra para dividir com os amigos.
- A Morte, que pode causar espanto — assim como tirar essa carta no baralho — é, na verdade, um sinal positivo: remete ao recomeço e à transformação. Como drinque, é doce e leva vodca, xarope de morango, limão e Gum Nero (xarope de carvão vegetal).
“Todo lugar tem seu propósito, eu queria criar algo com personalidade. Quando abrimos as portas e vimos a galera toda animada com o tarô, que é algo que muita gente ainda tem preconceito, acho que conseguimos assumir um lugar muito legal em beagá. Inclusive, todas as quartas-feiras, tem um tarólogo por aqui. É gratificante ver essa reação positiva das pessoas com algo diferente”, arremata Bruce, mostrando que realmente encontrou seu lugar de felicidade.
Fotos: Lett Sousa | Direção de Arte: Kareen Sayuri | Produção: Tok&Stok (espelhos)