Posso amar sem me amar antes?
Se não nos amamos, fica difícil amar o outro, porque só conseguimos dar aquilo que temos
Sempre ouço ou leio artigos a respeito da autoestima e do amor-próprio. Há um consenso entre todos os especialistas de que não é possível amar outra pessoa de forma verdadeira sem antes se amar. Mas se essa é a regra, por que não conseguimos segui-la?
Eu mesma tenho feito um trabalho interno há algum tempo para atingir esse objetivo. Mas ainda estou aprendendo, ciente de que tenho uma boa jornada pela frente. O que sei é que este caminho não é uma linha reta e ascendente. É uma estrada cheia de surpresas e com altos e baixos. Há momentos em que parece que estou na direção contrária. Ainda bem que tenho a terapia, que me ajuda a reconhecer meus avanços.
Decidi falar sobre esse tema aqui na coluna, porque acredito que não sou a única nessa busca. Fui atrás de um especialista que pudesse não só comentar a respeito, mas também trazer orientações de como podemos evoluir no cultivo de amor-próprio.
Falei com Rossandro Klinjey, psicólogo, professor, consultor em educação e um grande especialista nesse tema. Segundo ele, o que impede o ser humano de se amar é a falta de autoconhecimento. “Sem isso, tudo mais é muito superficial e vulnerável. Você pode ter riqueza, pode ter status, mas você não valida, porque não sente isso. Você precisa do elogio do outro para poder se sentir grato pela própria vida”, afirmou.
Se não nos amamos, fica difícil amar o outro, porque só conseguimos dar aquilo que temos. “Sem autoamor não existe amor ao outro, porque é a experiência comigo que me dá a habilidade, a expertise, o know-how para estabelecer uma relação com o outro”, disse Klinjey.
Mas o que é o autoamor?
“Quando há amor-próprio, somos nós os primeiros a nos estender a mão depois de um tropeço”
Segundo o psicólogo, autoamor não é uma visão romântica de si, é uma capacidade de se aceitar como se é, inclusive com nossos defeitos e sombras, sem que isso represente um convite para estacionar. Ou seja, é quando reconhecemos o que temos a melhorar e nos esforçamos para isso. Quando há amor-próprio, somos nós os primeiros a nos estender a mão depois de um tropeço. “Eu não posso ser inimigo de mim. No momento em que eu consigo aprender a me amar com minhas virtudes e sombras, eu desenvolvo intimidade comigo, é uma relação real e não fictícia. Eu desidealizo qualquer visão de perfeição, me enxergo como um ser humano e me amo”.
É essa intimidade conosco que nos traz a capacidade de enxergar as outras pessoas com a mesma maturidade, sem expectativas fantasiosas, aceitando-as como são, seja o marido, namorado, filho, pai ou mãe. Isso nos permite construir relações em que a vulnerabilidade vai estar presente e isso é bom, porque cria intimidade na relação. Quando um não está bem, basta um olhar para o outro saber. Ambos sabem que não estão sós e têm com quem contar. “O autoamor é uma leveza de ver a vida, é uma forma inteligente de se avaliar sem se cobrar, sem se punir, mas se convidando para mudar. E isso faz com que a relação com outras pessoas seja do mesmo nível”, diz Klinjey.
Intimidade exige autoconhecimento
Para desenvolver essa intimidade conosco é preciso autoconhecimento. O porém é que vivemos numa sociedade em que há um esforço para a falta de consciência. Fazemos tudo para fugir do autoconhecimento. Quando estamos mal, não paramos para entender o motivo, pelo contrário, tentamos nos anestesiar com compras, comida, álcool, balada e com bajuladores. “Esse adiar constantemente de se conhecer provoca uma grande dor na humanidade. É um encontro necessário e intransferível. Não se pode terceirizar a tarefa de se conhecer. Podemos contar com a ajuda de um profissional, mas o trabalho de parar e se olhar é de cada um”, afirma.
Segundo o psicólogo, se autoconhecer ao ponto de adquirir essa intimidade é uma questão de escolha. Precisamos criar essa prioridade. As pessoas ficam no piloto automático de tal modo que vão se deixando como secundário. A consequência é que elas passam a ser vistas dessa forma pelos outros. Quem não se ama não terá dos outros aquilo que não se dá. “O autoamor é o sistema operacional da alma, todo o resto é secundário. O celular funciona sem aplicativos, mas não funciona sem o sistema operacional. Sem o amor e o autoconhecimento, os outros aplicativos ficam numa estrutura completamente vulnerável”.
A dica que Klingjey dá é: coloque-se no lugar do seu filho. O que você faria por seu filho se ele estivesse doente? Faça o mesmo por você. O que você aconselharia seu filho fazer se estivesse passando por um momento difícil? Faça o mesmo por você. “A paz do mundo começa em nós e o caos também. É sempre essa referência”.