O que podemos aprender com o fim dos excessos na moda masculina?
No Outono-Inverno 2023 em Milão, Gucci, Giorgio Armani e até Dolce & Gabbana apresentaram caminhos que apontam uma atemporalidade para além do minimalismo
A atemporalidade já era uma pauta na moda masculina. Na última temporada de Verão 2023, que reuniu desfiles em Milão e Paris, em junho e setembro de 2022, uma quantidade significativa de grifes trazia sua forma de interpretar o que era feito para durar e não ser engolido pela enxurrada de tendências a cada seis meses. Fato é que, mesmo explorando cartelas neutras e itens de alfaiatarias que cabem, inclusive no guarda-roupa feminino, foi possível alcançar um novo patamar de elegância permanente para o Inverno 2023, a simplicidade. Digo isso porque o conceito máximo do luxo é “não ser efêmero” foi a aposta das casas italianas conhecidas pela sua tradição – e, sim, outras conhecidas pelo seu excesso também embarcaram neste caminho.
A começar pela mais aguardada do calendário, a Gucci. Com a primeira coleção apresentada após a saída de Alessandro Michele da direção criativa, a marca voltou ao calendário de moda masculina com uma limpeza nos excessos. Michele era conhecido por carregar o maximalismo como identidade da sua passarela – bordar, estampar e sobrepor peças era uma atividade já esperada do criativo italiano. O que não foi esperado, desta vez, era a forma como a equipe de estilo trabalharia com a base, muitas vezes, por baixo de tanta “decoração”.
A limpeza foi essencial para colocar o foco no preciosismo da construção da roupa e, na marca, destacou não só a modelagem, mas reviveu uma vibe forte da época de Tom Ford – e, ainda assim, uma certa delicadeza apresentada na primeira coleção de Michele para a Gucci, durante Inverno 2015. A rebeldia do movimento indie, clássico dos anos 2000, foi representado por composições de calças de alfaiataria com camisetas brancas, casacos amplos (alguns deles, paletós retos), camisas com certo ar romântico, jeans, bombers e suéters. Com pouquíssimas exceções de estampas, a sequência de looks foi limpa e certeira. Alguns visuais até lembraram a estética de Slimane no período Saint Laurent, como na composição de tricô listrado com botões nos ombros, jeans e botas terrosas de cano médio.
Quem também acompanhou o ritmo de varrer com maximalismo foi a Dolce & Gabbana, marcada por boas temporadas pelo seu excesso de detalhes para conquistar as gerações mais jovens. Agora, a grife decidiu investir na sua essência e tirar “tudo que fosse desnecessário”. Ou seja, lembrando de tempos da marca nos anos 2000, com a dominância de alfaiataria simples, de cortes impecáveis e a predominância do preto e branco. A sensualidade, da pele em evidência, seja com transparências, vazados ou da falta de tops, já era uma prática da dupla de designers, mas ela ganhou um novo tom desta vez. A presença do espartilho enfatizou a cintura de uma maneira delicada – assim como a proposta do casaco e cueca boxer também revelaram a facilidade da vestimenta. Em uma cartela que mira 80% no preto, com algumas poucas participações de cinza e branco, esse homem Dolce & Gabbana vem à passarela com a sofisticação pautada pela excepcionalidade no desenvolvimento das peças feitas à mão, que não precisam de mais nada, além da linha que prende suas cavas das mangas.
Na Prada, a co-criação de Miuccia Prada e Raf Simons trouxe uma nova ideia de minimalismo acompanhada do conforto – valorizando o foco na falta de excessos e na roupa em si. A coleção batizada de Let’s Talk About Clothes tem mais a cara de Raf do que da Sra. Prada. Ele é conhecido por grandes elementos praticados nessa sequência, seja pelos volumes ou pela maestria de trazer pequenos detalhes para uma alfaiataria limpa. Algo do estilista belga, sabemos. Ele já mostrou à exaustão nas labels por onde passou ou na sua marca homônima que foi encerrada no final do ano passado. Ou seja, o que se viu agora foi uma brincadeira com maneiras novas de compor o paletó ou cardigã. Sem camisas por baixo, o destaque ficou para as golas pontudas em tonalidades contrastantes, presas em um ponto estratégico do decote. Há também as alças de corte mais próximo ao corpo, assim como as jaquetas bombers, algumas encurtadas.
Já na Fendi, a simplicidade se viu de um jeito descontraído. Silvia Fendi, conhecida por interpretar os códigos da casa mais do que ninguém, equilibrou referências disco dos anos 1970 (visível principalmente nos tops de um ombro só) e o DNA sofisticado composto por uma série de alfaiatarias, caxemiras assimétricas e jaquetas de pelo (entre elas, versões com trompe l’oeil).
Ainda em Milão, quem fortaleceu sua filosofia de manter o simples cada vez mais distante do simplista foi o Sr. Armani. O estilista italiano, que aposta nesse modus operandi de fortalecer a relação entre elegância atemporal e peças para ir às ruas, apresentou suas coleções para a Emporio Armani e Giorgio Armani com a maestria e olhar atento aos detalhes da construção preciosa da sua roupa. Os tecidos, a composição de cores, a estrutura da modelagem e o corte são de brilhar os olhos, mesmo que em materiais foscos. Existe uma exclusividade na maneira como o Sr. Armani vê a roupa há décadas.
Esse resgate à verdadeira essência da moda e do guarda-roupa é um ato gentil a ser feito nesses tempos de exaustão de informação – e de muita banalização do que enxergamos como indústria fashion. É importante valorizar o que há nas mãos de artesãos e outros profissionais do mercado que sabem que uma peça, que demora dias para ser executada, é feita para durar. Por isso, é válido tentar enxergá-la limpa, livre e despida de tantas camadas.