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Renata Brosina é jornalista, host de podcast e editora de moda com foco em luxo e sustentabilidade. Com 15 anos de carreira e alguns títulos internacionais no currículo, ela é curiosa, gosta de entrevistar e vestir pessoas, e analisar as transformações que vêm acontecendo no mercado.
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Issey Miyake e as roupas que sabiam dançar

Por trás do perfume minimalista e blusa de gola rolê usada por Steve Jobs, existia um nome sensível e doce, que fazia a moda viver

Por Renata Brosina
Atualizado em 15 ago 2022, 12h43 - Publicado em 13 ago 2022, 08h01

Nos últimos dois anos, temos nos acostumado com a ideia de dar adeus a grandes criadores da moda. Na lista estão nomes como Alber Elbaz, Kenzo Takada, Thierry Mugler, Virgil Abloh e, o mais recente, Issey Miyake. O último da lista, sem dúvidas, é o mais low-profile de todos. O seu nome circulava por aí por conta do sucesso do perfume L’Eau d’Issey, lançado em 1992, com frasco minimalista desenhado por Fabien Baron e fragrância assinada por Jacques Cavallier (quem hoje é responsável pela perfumaria da Louis Vuitton). Uma conexão que fez o perfume dar certo. Mas o Sr. Miyake não era o monge do mundo da beleza. Aliás, como ele, a beleza era muito diferente.

Lembro que, em 2007, quando entrei na faculdade de moda, assisti na aula inaugural do curso ao desfile de Verão 1995 da Pleats Please Issey Miyake. Essa era a linha assinada pelo estilista, que foi criada em 1993 graças às experimentações feitas com plissados em 1988 – o que, na época, era uma inovação, tanto na construção quanto no quesito têxtil. Isso porque as pregas costumavam ser feitas antes do corte e costura da peça. Issey, que gostava de ser do contra, reverteu todo o processo, aumentou a metragem do tecido de poliéster, já entendendo a porcentagem de encolhimento, e provou que era possível finalizar o look assim. Eu, que era novata na área da moda que saísse do miolo Chanel-Dior-Giorgio Armani, fiquei hipnotizada com a apresentação feita naquela passarela. Mais para o final do desfile, modelos entraram descalças na passarela usando vestidos que pareciam ter saias de mola. O shape, que lembrava o famoso vestido-abajur lançado por Paul Poiret em 1911, era inacreditável. Cada uma das modelos ficou parada enquanto o vestido batizado Minaret permanecia em movimento. Foi com ele que entendi que a moda ia além da tendência “pink-paetê-cintura baixa”.

Issey Miyake
Desfile de Verão por Issey Miyake, em 1995. (Alexis DUCLOS/Gamma-Rapho via/Getty Images)

Era uma dedicação artística. E, como já sabemos, a moda vinda de diretores criativos nascidos no Japão tende a sair do comum e impressionar. É cultural, mas ele não gostava de ser rotulado como “estilista japonês”. Ele tinha muito orgulho das suas origens, mas gostava de conectar muito do oriental com o ocidental. Após sua graduação em 1964 em Tóquio, ele foi estudar na Chambre Syndicale de la Couture Parisienne – e, então, foi trabalhar com Guy Laroche e, em 1968, com o mestre Hubert de Givenchy. Anos mais tarde, resolveu viver em Nova York, onde também bebeu de novas fontes para, então, retornar para Tóquio. Nesse vai e vem, Issey Miyake, nascido em 1938, em Hiroshima, já entendia como funcionava o sistema da moda em dois mercados importantes, mas sem deixar suas ambições de lado. Aliás, uma delas era a dança.

Miyake sonhava em ser dançarino e tentava entender como isso poderia fazer sentido no seu trabalho. Em 1991, ele colaborou com o coreógrafo William Forsythe para o espetáculo The Loss of Small Detail, do Ballet de Frankfurt – esse foi o gatilho para a criação da Pleats Please dois anos mais tarde. A forma como os plissados se movimentavam no corpo e como se expandiram fascinou o estilista, que seguiu entendendo como a sua moda poderia funcionar em diferentes corpos. Aliás, ele, antes mesmo do olhar para a inclusão que vem acontecendo há menos de uma década no mercado, já era parte das suas prioridades. O plissado, em si, é um tipo de trabalho que se adequa belamente em diferentes tamanhos e curvas – e ele já entendia sobre isso. Assim como a sustentabilidade.

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O poliéster usado nas suas criações, que pode ser julgado anti-natureza à primeira vista, já vinha de uma série de reusos. A visão do diretor criativo sempre ia além nessa conexão entre a tradição e o futurismo. Não o futurismo óbvio, como vimos na moda de Paco Rabanne no final da década de 1960, mas na forma como técnicas seculares, como o sashiko, uma técnica de acolchoado, poderia fazer parte de roupas contemporâneas, que fizessem o uso da tecnologia. A fusão dessa linha do tempo, no caso de Miyake, era o que tornavam suas coleções compostas por esculturas tecnológicas. Ele adorava brincar com peças que pudessem dar novos moldes ao corpo. E, se a apresentação fosse em forma de espetáculo de dança, melhor ainda. Em junho deste ano, por exemplo, a Hommé Plissé, marca masculina criada por ele em 2013, brincou com um elenco composto por modelos atléticos e dançarinos acrobáticos do Chaillot Theatre National de la Danse. O espetáculo deixa evidente o significado da roupa para o estilista. Mesmo tendo criado cerca de nove marcas, que fazem parte da Issey Miyake Inc., e ter deixado a direção criativa para outros nomes, Issey seguia suas pesquisas de técnicas e processos têxteis e de modelagem. Para ele, a missão de “fazer as roupas viverem” era infinita. E ele fez isso até o fim como um bom estudioso.

Issey Miyake
Passarela de Issey Miyake na Paris Fahion Week de outono-inverno 2016/2017. (Francois Durand/Getty Images)

Por trás de um perfume minimalista ou da blusa de gola rolê usada, incansavelmente, por Steve Jobs (sim, era feita pelo estilista!), existia um nome sensível e doce, que fazia a moda viver. Todo esse encantamento com o belo tinha um reflexo resistente a uma experiência vivida na sua infância. Em 6 de agosto de 1945, aos sete anos, ele e sua irmã assistiram à queda da bomba em Hiroshima. Sua mãe, anos mais tarde, faleceu devido aos ferimentos causados pelo acontecimento. Em 2009, Issey revelou ter passado por este episódio e o quanto a vida para ele precisava ser bela – e extrema. O máximo que ele poderia entregar de si ao que ele criava para o outro. E o quanto era importante ser por completo. A magia do seu plissado ia além de um procedimento industrial em série. Cada prega carregava uma excelência, um sentimento de paixão pelo movimento – e era assim que ele enxergava a moda. E, graças a ele, que raramente estava à frente dos holofotes, a indústria está em movimento, seja inspirando novos nomes, como Jonathan Anderson, que é assumidíssimo seu fã, ou pelo que já foi criado pelas suas mãos e está exposto em museus e galerias mundo afora. Em meio ao caos comercial e, eventualmente, sem graça na moda, vale lembrar de Issey. Ele foi um dos maiores e sempre será. 

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