Poder sentir tudo: a importância de acolher as emoções
Ao tentarmos nos afastar de emoções como medo, raiva e tristeza, também nos afastamos de afetos que nos fazem sentir vivas
Estava eu bem tranquila quando recebi o convite para escrever essa coluna. Na hora senti um friozinho na barriga que reconheci, era uma sensação que já havia me visitado antes. Enquanto eu que pensava: “Que convite bonito, mas eu nunca escrevi nesse formato.”, fui transportada para outras primeiras vezes: meu primeiro dia de trabalho como psicóloga, primeiros encontros e a primeira vez que peguei um microfone para falar a uma plateia. As imagens em minha mente liberaram uma respiração profunda, meus ombros que já chegavam às orelhas desmontaram e foi como se uma voz interna me dissesse: você só está com medo, mas também está feliz e grata.
Ao longo da vida aprendi que tentar me livrar correndo das minhas emoções não me ajudava a lidar melhor com elas, ao contrário. Mas nem sempre foi assim. Recepcionar e acolher nossas emoções é um aprendizado que não termina nunca e no meu caso começou depois de anos de desconexão emocional.
Eu cresci em um ambiente de conflito e imprevisibilidade. O excesso de confusão fora fazia explodir o estresse dentro da criança assustada, que não conseguia se sentir segura nem na própria casa. Aquela carga emocional era muito maior do que o pequeno corpinho podia dar conta. Mas o corpo, em sua elegante sabedoria, encontra saídas, mesmo que seja na desconexão dos afetos como forma de sobreviver àquilo que é demais para ser sentido. A minha história pessoal se soma a uma história compartilhada por muitas de nós:
“Engole o choro!”;
“Você tem que ser forte.”
“Fica calma, não há motivo para tanto.”
“Chega de mimimi.”
Essas e tantas outras invalidações emocionais nos atravessam desde muito cedo em uma cultura que associou não sentir a conforto e força. Mas a desconexão de nossos afetos tem um custo alto. Ao tentarmos nos afastar de emoções como medo, raiva, tristeza e todos os outros afetos desconfortáveis, também nos afastamos daqueles que nos conectam com bem-estar e nos fazem sentir vivas, como alegria, contentamento, paz, ousadia.
Com o tempo, não ter espaço para sentir nos adoece
Ediane Ribeiro
No meu caminho de abrir esse espaço em mim, me lembro do dia em que rompi um relacionamento importante. Antes daquele término eu já tinha passado por um divórcio, já tinha vivido a perda do meu pai, tinha experimentado uma série de frustrações e até chorado algumas delas, mas parecia que a tristeza estava embotada. Aquele fim, em um momento de grande reconexão emocional, trouxe a tristeza ao centro do palco. Chorei um choro ancestral que cabiam nele todas as tristezas negadas até então. Senti um buraco se abrir no meu peito e nada mais havia a ser feito senão o recolhimento.
Essa, afinal, é uma das funções da tristeza: nos levar para a introspecção, para que possamos processar nossas perdas e lutos, e depois encontrarmos caminhos para seguir com aquilo que agora será uma ausência. Para voltar a caminhar depois da perda, há que se lavar a dor e lamber as próprias feridas. Mas para serem saudáveis as emoções precisam ser transitórias, então é importante também colocar luz naquilo que ficou, nas relações nutritivas e no que pode florescer dali por diante.
Assim como a tristeza, todas as emoções nos convidam para algum movimento, seja para dentro ou para fora de nós. A raiva, por exemplo, nos carrega de uma energia completamente diferente e nos ajuda a reposicionar um limite que foi violado, a proteger nossas necessidades ou nos posicionarmos diante de injustiças. Para tudo isso podemos usar a energia da raiva sem qualquer relação com violência. A violência é a distorção de uma raiva que não encontrou caminhos saudáveis para ser expressa.
Já o medo nos ajuda a não sairmos desprotegidas por aí. O medinho de escrever minha primeira coluna para uma revista foi importante para eu encontrar caminhos de compartilhar um pouco da minha intimidade e talvez você só esteja lendo esse texto agora porque o que acompanhou o medo foi a possibilidade de uma ponte entre nós, de uma conexão. É na força do amparo e dos vínculos que ganhamos segurança para permitir que tudo aquilo que se movimenta dentro de nós possa ser sentido, processado e, então, liberado. “Os afetos estão na base de como pensamos e agimos, não o contrário.”, afirma Antonio Damásio, um dos neurocientistas mais respeitados da atualidade, e a ele eu acrescento: poder sentir tudo nos devolve a segurança de existir na própria pele.