Quando D.H. Lawrence lançou seu livro O Amante de Lady Chatterley, no final dos anos 1920, foi um escândalo. A história de uma mulher nobre descobrindo os prazeres do sexo com um homem da classe operária era algo tão chocante quanto os palavrões e descrições de orgasmos e relações sexuais inseridas na obra. O resultado? Censura. O livro foi proibido no Reino Unido até os anos 1960 por “questões de decência” e só chegou ao mercado inglês depois de um longo processo judicial contra obscenidade. Considerado a obra-prima do autor, ainda é hoje, em pleno século 21, um best-seller, com milhões de cópias vendidas no mundo todo.
Outro motivo que gerou polêmica na Inglaterra é porque a história é inspirada em fatos reais. E, sem muita surpresa, logo virou conteúdo de interesse para o cinema e TV. A mais recente é a de 2022, pela Netflix, com Emma Corrin no papel de Lady Chatterley. Antes dela houve várias adaptações – mais castas ou não – com a primeira sendo uma versão francesa, de 1955, que chegou a ser banida nos Estados Unidos por “encorajar adultério” e só foi liberada quatro anos depois, com a Suprema Corte americana revertendo a decisão.
Em 1981, outra versão francesa fez sucesso, essa explorando mais o lado “pornográfico” da história e com Sylvia Kristel no papel de Constance Reid, a Lady Chatterley e Nicholas Clay como Oliver Mellors. Em outros doze anos, Ken Russell fez uma versão para BBC, com Joely Richardson e Sean Bean como os amantes. Depois dessa, apenas em 2015 houve uma nova tentativa, mas foi considerada casta demais, estrelada por Holliday Grainger, Richard Madden (na época recém-saído de Game of Thrones) e James Norton no elenco.
Exatamente por conta dessas últimas críticas é que havia uma grande expectativa quando a Netflix anunciou sua versão. Não está casta: há sexo e nudismo, mas nada exatamente erótico como se esperava. Emma Corrin, que por muito tempo será lembrada por sua interpretação precisa da Princesa Diana em The Crown, tem a idade e docilidade que se espera de Constante, e Jack O’Donnell tem carisma para interpretar Oliver, mas não há muita química entre os dois. Pelo menos não vi nada que fosse “chocante”. Curiosamente, a mesma Joely Richardson, que foi a Lady Chatterley no início dos anos 1990, está no elenco como a apoiadora Sra. Bolton.
Para quem não conhece a história, ainda na 1ª Guerra Mundial, a jovem Constance Reid se casa com Sir Clifford Chatterley, baronete de classe alta que, como ela, tem pensamentos liberais. O casal apaixonado encara um grave desafio: Clifford retorna da Guerra paralisado da cintura para baixo e com isso a vida sexual dos dois, já morna, passa a ser inexistente. Isolados no campo, Constance acaba tendo um caso com o guarda-caça, Oliver Mellors, descobrindo prazeres que não imaginava possível. Em uma sociedade de castas como a Monarquia britânica, a diferença social dos dois é ao mesmo tempo afrodisíaca e um escândalo, com consequências que impactam a vida de todos.
Pela primeira vez dirigido por uma mulher, a diretora Laure de Clermont-Tonnerre, a versão da Netflix tem mudanças do texto original, incluindo o final.
Atenção para SPOILERS abaixo
Por exemplo, se no livro Connie era uma mulher frustrada e sem conhecimento do prazer físico, na versão atual ela já era mais aberta e ciente de como ter orgasmos, tanto que se masturba após ver Oliver nu – se lavando – enquanto no livro ela chora até dormir. Outra alteração é ressaltar que Connie já tinha vivido um romance proibido antes do casamento, com alguém de classe inferior, mostrando sua postura liberal como genuína.
Outra mudança: no livro ela chega a ter um encontro casual com um escritor que frequenta sua casa (mas não tem o prazer esperado) antes de se arriscar mais. Na versão da Netflix isso não acontece, fica no flerte. Também embora a gravidez da heroína – assim como no livro – seria aceita por Clifford se fosse com alguém de classe social compatível com a deles, o que difere é o quanto Lady Chatterley é clara sobre as origens de sua gravidez e menos esnobe que a personagem pensada pelo escritor. O que é ainda mais diferente é o final feliz do filme. Na versão original, o destino dos amantes fica em aberto. Depois que Oliver é demitido, Connie permanece com sua irmã, recebendo uma carta do amante sem definir se haverá um reencontro dos dois.
Todas essas ressalvas não interferem. O Amante de Lady Chatterley é um bom filme, e o que permanece atemporal não é a ousadia de associar sexo à prazer, mas como os preconceitos sociais da sociedade britânica esbarram nos mesmos problemas ainda hoje. Ainda bem que dão uma mensagem de esperança.