Cinderela de Camilla Cabello tenta atualizar fábula milenar
"O conceito da Cinderella latina, trabalhadora, ambiciosa e focada é muito divertido e bem-vindo", diz a colunista Ana Claudia Paixão
Quase toda menina, em algum momento, se encantou com Cinderela. Embora nos últimos 71 anos seja o filme da Disney que tenha povoado a nossa imaginação com a história da jovem maltratada pela madrasta e meias-irmãs, mas que é ajudada pela fada madrinha e acaba sendo escolhida pelo príncipe encantado, o conto que inspirou o filme de 1950 é bem mais antigo e tem muitas versões.
Dizem que a primeira é grega, contada desde antes do nascimento de Cristo, e falava sobre uma escrava grega (Rhodopis) que acaba casando com o rei do Egito. Na Europa os italianos saíram na frente, com registros de 1634 e a versão francesa, de Charles Perrault, de 1697 foi a a Disney usou. Os irmãos Grimm também revisitaram a história, em 1812, mas, mesmo avançando em tantos séculos, culturas e países, Cinderella sempre era maltratada e só encontrava sua redenção com o casamento. Em 2021 não cola mais, não é?
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Nos últimos anos houve muitas tentativas de “modernizar” ou até “atualizar” a história de Cinderella no cinema, mas as mensagens antifeministas da fábula eram complicadas de superar. Nenhuma das traduções traz sororidade (ao contrário), e todas colocam apenas o casamento como solução de vida, entre outros problemas. Para outras heroínas e até vilãs, apenas com pequenos ajustes foi possível contextualizar suas trajetórias de forma que não perdessem identificação com novas gerações e os tempos atuais. Cinderella, no entanto, não tinha feito ainda essa movimentação. A melhor versão modernizada foi a de Drew Barrymore, em Ever After.
Neste filme do final dos anos 1990, a relação de Cinderella com a Madrasta, vivida por Anjelica Huston, era motivada por inveja/ciúme que ela tinha sobre a enteada. A mesma dinâmica se repetiu com o filme da Disney de 2015, estrelado por Lilly James e Cate Blanchett. Lindo, mas ainda preso ao problema da rivalidade feminina como fonte de motivação. Com Camilla Cabello e Idina Menzel vemos, finalmente, uma alternativa diferente.
No filme da Amazon Prime Video, que foi disponibilizado nesta sexta-feira (3) na plataforma, temos uma Cinderella que quer ser empresária, não princesa. Nos explicam que a Madrasta age de forma cruel com a enteada por conformidade com as regras sociais, as mesmas que que a oprimiram e acabaram com seus sonhos artísticos.
Nesta versão, o Rei não é mais viúvo e temos uma Rainha que se recusa a “ser silenciada”. O príncipe tem uma irmã mais capaz e interessada em governar do que ele e a fada madrinha é ninguém menos do que Billy Porter, genial, hilário, fabuloso. O filme, porém, não é dos melhores. É uma coleção de hits pops colados em sequências e situações forçosamente cômicas o tempo todo. A leveza acaba pesando um pouco nesse sentido. Uma pena, porque o conceito da Cinderella latina, trabalhadora, ambiciosa e focada é muito divertido e bem-vindo.
O musical, idealizado por James Corden (um dos ratinhos), foi dirigido por Kay Cannon, que assinou todos os A Escolha Perfeita (Pitch Perfect), por isso faz sentido todos os mashups da trilha sonora. A estreia de Camilla Cabello – que está bem no papel – merecia mais. Para quem tem filhas e sobrinhas, o filme pode até divertir. Mas a Cinderella continua sem sua revisão definitiva. Quem sabe em uma próxima?