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Juliana Borges é escritora, pisciana, antipunitivista, fã de Beyoncé, Miles Davis, Nina Simone e Rolling Stones. Quer ser antropóloga um dia. É autora do livro “Encarceramento em massa”, da Coleção Feminismos Plurais.
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Palhaça com muito orgulho, com muito amor

O crescente desrespeito das pessoas à quarentena tem feito a colunista se sentir como uma palhaça. Mas uma palhaça consciente.

Por Juliana Borges
2 jul 2020, 21h00

São Paulo, 02 de julho de 2020.

Hoje, tive que ir ao mercado. Ah, o mercado! Quem diria que isso se tornaria tema de crônica? No meu caso, crônicas, já que não é a primeira vez que você me lê falando sobre isso. Uma simples ida ao mercado se tornou uma tarefa e tanto, que requer preparação física e psicológica. Porque, você sabe, como é importante exercer a paciência com pessoas que se jogam na sua frente para pegar um produto quando ele não vai fugir da prateleira e, pior, sem respeitar o distanciamento social. Eu me tornei a pessoa dos pulos no mercado. Alguém se aproxima e eu pulo. Alguém olha para mim e eu… pulo. Nada alto. Um leve pulinho de afastamento. Mas, veja você no que eu me tornei. O que me alivia é saber que muita gente também passa por isso. É saber que não estou só.

Mas esse senso coletivo, de que estávamos todos e todas, ou a maioria de nós, praticando o isolamento social, aderindo à quarentena, fazendo o esforço de conversar com pessoas para convencê-las da importância disso, tem diminuído. As pessoas estão afrouxando a quarentena. Cada vez que preciso sair à rua, em questões muito pontuais, eu vejo mais pessoas circulando. E isso desencadeia dois sentimentos em mim.

Primeiro, eu sinto uma imensa ansiedade. As crises estão piores e só o chá de camomila não está dando conta. Com o devido acompanhamento médico, deus-shiva-javé abençoe o ansiolítico. Eu sigo em quarentena, mas me dá uma tristeza imensa ver que cada vez menos pessoas estão na mesma. É totalmente compreensível que muitas pessoas que precisavam garantir o sustento familiar, ou passariam fome, já que cerca de 41% das pessoas em periferias não conseguiram acessar o auxílio emergencial – mas a gente vê as crescentes denúncias de fraudes no acesso ao benefício. Mas, no caminho ao mercado, eu vi gente indo comprar sapatos, eu vi gente notadamente passeando. Um indício importante da nossa inversão de prioridades e a prova de que a vida tem valido cada vez menos é o fato de que shoppings estão abertos e parques seguem fechados. E isso me deixa ansiosa. E isso me dá taquicardia, falta de ar, insônia, angústia. E deus-shiva-javé-ansiolíticos que me salvem.

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O segundo sentimento é de me sentir palhaça. Otária. Já tem gente chamando isso de “Síndrome do palhaço”. E isso me faz pensar que diacho que eu fiz em alguma vida passada, se elas existem, para ter tanto sofrimento mental nessa existência. Eu devo ter uma placa na testa com os dizeres “essa otária pega todas as síndromes”. Eu tenho imensa insegurança sobre a minha escrita e sobre a minha produção, sobre a minha capacidade para cumprir algumas tarefas. E isso, chamam de “síndrome do impostor”. Eu sou ansiosa e essa ansiedade, que antes era algo normal, virou uma coisa horrível que, quando em crise, eu penso que vou passar dessa para melhor-pior (ambas, porque tudo depende da perspectiva). E para isso, deram o nome de transtorno de ansiedade. E, agora, com a pandemia, para além de quarentener e de ter todos os sintomas da estafa mental que isso ocasiona, eu me vejo enquadrada entre os que vivem “síndrome do palhaço”.

Conforme apontou uma matéria do El País, muita gente, mesmo as maiores defensoras da quarentena, estão passando por uma fadiga. Ou seja, quando o corpo já não aguenta mais, está em profundo sofrimento e estresse. Psicologicamente, estamos arrasados, quebrados. E isso piora quando a gente começa a ver fotos de pessoas próximas em festinhas, postando que estão indo transar, algumas postando sobre viagens – eu jurava que não era possível viajar, mas percebi que sou uma otária porque vejo pessoas aparecendo em cidades diferentes e distantes. Ou alguém desvendou o teletransporte e meu aplicativo ainda não foi atualizado. A gente começa a se sentir otária e palhaça porque, veja bem, está desde março dentro de casa, evitando ao máximo sair, voltando para casa e cumprindo um ritual que já se tornou religioso de limpeza, lavando as mãos como quem tem algum toque. Mas, daí, você escuta as risadas do quintal ao lado e é o seu vizinho dando um churrasco, ou pior: jogando truco em uma mesinha na rua mesmo, ao som de um forrózão e regado a muita cerveja. E você, bem, você diminuiu o consumo de alcoólicos para não detonar tanto o seu sistema imunológico, está comendo tudo, de arroz a salada, com cúrcuma e gengibre porque fortalecem sua imunidade. E você não vê esse empenho das pessoas.

Eu me sinto uma palhaça, mas decidi que, melhor do que minha tristeza, indignação e o meu ressentimento – que eu confesso ser grande, no momento – é ser uma palhaça consciente. Enquanto a OMS, o Instituto Butantã e o Átila Iamarino não me disserem que é seguro sair de casa, eu seguirei em quarentena. Não tem governo que diga que “as aulas tem que voltar”, que “a vida tem que continuar”, que me fará enviar minha adolescente para a escola – e eu quero ver quem é que vai reprová-la por isso – ou me fará entrar em um antro de vírus que é um shopping center. Não tem cristo – com perdão e respeito – que me tire de casa, a não ser que ele apareça com uma seringa e uma dose de vacina testada e comprovada junto. Amém. Eu me recuso a entrar na lógica de deixar de dizer que tenho medo de contrair o vírus para começar a pensar em quando contrairei a doença. Não! Alguém, por gentileza, me envie o nariz de palhaço por sedex. Viverei minha síndrome com a dignidade que ela merece.

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Ps: e com um adendo que é sempre bom repetir: obrigada à ciência e a deus pelo ansiolítico.

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