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Fio a Fio: ancestralidade através das tranças

Lu Safro e Virginia Alves Grazia, trancistas e especialistas em cabelos afro, compartilham seus conhecimentos e experiências

Por Sarah Catherine Seles
11 nov 2022, 09h35
Virginia fala sobre o poder do afeto presente no ato de trançar.
Virginia fala sobre o poder do afeto presente no ato de trançar. (Divulgação/Getty Images)
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Ancestralidade: substantivo feminino que denomina uma tradição ou legado de antepassados, é aquilo que se recebeu das gerações anteriores. Assim que podemos definir o cuidado com os cabelos afro, que, para além dos limites estéticos, constrói a autoestima e a identidade de mulheres pretas. Trançar os fios, armar o black e cuidar do cabelo segue sendo uma ferramenta de luta e identificação.

Historicamente, as tranças remontam a 3.500 a.C., sendo, desde então, símbolo de status social, etnia e resistência. O país africano Namíbia é o local dado como originário da técnica e a forma de trançar poderia indicar, inclusive, de qual tribo a pessoa fazia parte. A chegada forçada de povos africanos ao Brasil fez com que eles trouxessem essas tradições, que perduraram após o fim da escravatura. Nos anos 1960, o cabelo afro se tornou um dos principais símbolos de luta e resistência. Nos Estados Unidos, grupos como os Panteras Negras, ativistas contra a segregação, tinham o cabelo como um elemento indispensável dentro do movimento.

Apesar de ganhar grande visibilidade hoje, por conta do alcance das redes sociais, “não é moda”, como bem lembra Virginia Alves Grazia, sócia do salão Styllus V&V (@styllusvev) e especialista em tranças e alongamento. Ela, que aprendeu a cuidar de seu cabelo em família, acredita no poder do afeto presente no ato de trançar.

O cuidado ancestral com cabelos afro.
O cuidado ancestral com cabelos afro. (CLAUDIA/Getty Images)

“Eu comecei a trançar por necessidade, a gente não tinha dinheiro para arrumar nosso cabelo. Nós somos em cinco irmãs, uma aprendeu e ensinou às outras. Nos juntávamos no fundo no quintal de casa e íamos nos arrumando”, conta. Junto com sua irmã, ela começou a estudar, se especializar e praticar. “Como as famílias negras são muito numerosas, você trançava uma e, de repente, vinha outra irmã, as tias, a sobrinha…”

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O acolhimento, infelizmente, não era uma realidade da porta para fora. O cabelo deveria estar perfeitamente alinhado, limpo e arrumado, para não ouvir comentários racistas na escola. Desde cedo, ela usou de pente de ferro para reduzir o volume e alisar os fios até apliques que, muitas vezes, danificavam o cabelo para deixá-lo “aceitável”.

“Ainda não se falava sobre autoestima e nem representatividade para cabelo crespo. Mas as mulheres negras sempre se arrumaram muito, usando várias técnicas e, com o tempo, a indústria foi entendendo isso”, diz. Esse cuidado minucioso com o cabelo foi passado de avó para mãe e tias de Virginia, que também sempre trabalharam isso com ela. “Para nós, o cabelo impacta de uma forma bem forte na autoestima e em como você vai se sentir aceita. Se o seu cabelo está arrumado, você se sente segura para entrar em qualquer espaço”, explica.

A hairstylist especializada em tranças Lu Safro (@lu_safro) compartilha experiências semelhantes. Sua avó fazia o próprio cabelo e, na adolescência, ela começou a se interessar e testar penteados e formas de arrumar os fios. “Eu tive uma relação ruim com meu cabelo desde cedo, ouvia que era feio, ruim, e não era legal. Sofri com essas questões na infância, com os colegas de classe”, conta. “Meu cabelo é o que reflete o meu estado de espírito, é libertador para mim.”

“Para mim, a ancestralidade vai além da questão consanguínea, ela é encontrada na troca de mulheres negras”, afirma Lu Safro (CLAUDIA/Getty Images)

Natural de Itajubá, no sul da Bahia, ela carrega o conhecimento que adquiriu desde pequena em seu trabalho com cabelos. “Para mim, a ancestralidade vai além da questão consanguínea, ela é encontrada na troca de mulheres negras que vão aprendendo umas com as outras, se conectando e adquirindo novos conhecimentos”, explica. Nessas trocas, ela passou a se conhecer melhor e entender sua própria beleza. Para a especialista, a vaidade capilar não passa só pelos cabelos longos, mas também pela cabeça raspada e o carinho com os fios.

Ao longo da carreira, Lu Safro percebeu que o processo, muitas vezes, acabava sendo doloroso, porque envolve puxar os fios, machucando o couro cabeludo. “Eu gostava quando minha avó e minhas tias faziam meu cabelo, mas não gostava da dor. Sempre ouvi que ‘ficar bonita dói mesmo’, mas não queria que minhas filhas continuassem chorando ou que minhas clientes reclamassem”, conta Lu. Foi quando teve a ideia de desenvolver uma técnica de acabamento natural e indolor, seu Método Lusafro. “Eu fui construindo essa forma de arrumar e trançar o cabelo sem sofrer, para acabar com essa ideia de que, como essa é minha genética, eu tenho que sofrer mesmo.”

As duas especialistas relatam histórias de afago que entrelaçam suas trajetórias profissionais. Refúgio é a palavra que define o momento de troca, seja no salão ou em algum trabalho pontual. “Poder fazer isso por outras pessoas é fazer por mim também, para que elas se sintam bem como eu me sinto quando vou trançar um cabelo”, afirma Lu. Virgínia sente ainda que existe um espaço de acolhimento, aceitação e troca: “Uma vai fortalecendo a outra, compartilhando experiências de vida e conhecimentos”.

Tipos de tranças e procedimentos para cabelos afro

  1. A trança nagô é realizada a partir da raiz, bem rente ao couro cabeludo, seguindo por todo comprimento. Na parte de cima da cabeça, ela pode ter desenhos e escritos. Essa técnica é realizada apenas com os fios naturais ou com a adição de cabelos sintéticos. 
  2. As box braids são tranças finas feitas desde a raiz que seguem por toda a extensão do cabelo. Elas podem ampliar o comprimento das madeixas, já que combinam fibra sintética e o cabelo natural. A manutenção consiste em lavar a raiz com xampu neutro e secar bem, para que não estraguem. Além disso, elas duram de dois a três meses e o uso da touca de cetim durante a noite aumenta a conservação.
  3. Os dreads, símbolos presentes também nas culturas jamaicanas e indianas, são bastante pedidos nos salões. Eles são feitos desfiando o enrolando o cabelo com uma agulha de crochê. Normalmente é utilizado cabelo humano, sintético, lã ou linha para aumentar o comprimento, trocar a cor do fio ou a textura.
  4. Outra forma de mudar o visual é utilizando laces e apliques de cabelo, opções versáteis e que não mexem na estrutura do fio.
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