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Jornada de trabalho 6×1: Brasil está atrasado no debate da carga horária

Enquanto outros países testam a semana de quatro dias úteis, o Brasil ainda debate sobre a escala de trabalho de seis dias

Por Lorraine Moreira
Atualizado em 2 abr 2024, 20h42 - Publicado em 22 mar 2024, 08h00

Era 1926 quando a montadora Ford estabeleceu folgas aos sábados e domingos para aumentar a produtividade dos trabalhadores. Não demorou muito para o economista John Keynes estipular que os avanços tecnológicos permitiriam à sociedade uma semana de trabalho de apenas 15 horas. Quase um século depois, essa previsão está longe de se tornar realidade, e mais: a jornada de trabalho 6×1 (seis dias úteis por semana) ainda é presente no Brasil. A saúde do trabalhador e a economia, porém, perdem muito com isso.

Os impactos da jornada de trabalho 6×1

Mariana* acorda, toma seu café e sai para trabalhar. Depois de andar 18 minutos, chega ao emprego, uma doceria, de onde só é liberada às 18 horas. Na sequência, ela treina, estuda, dá uma geral na casa, janta e toma banho. Quando sobra tempo, procura meditar, ler livros ou assistir algo de que goste.

Todo dia é assim, menos aos domingos, momento em que ela está de folga. “Separo minhas marmitas, faço a unha, faço meu cabelo, arrumo meu quarto, passeio, dou banho no cachorro e pratico esporte. Ou seja, não descanso nada”, conta.

Aos 25 anos, Mariana é retrato da parte do Brasil para quem o sábado também é dia útil. A prática não é ilegal por aqui, na verdade a legislação trabalhista permite a jornada de trabalho de até 44 horas semanais, com direito a 24 horas de descanso. Isso não significa, entretanto, que ela seja benéfica para os trabalhadores ou a própria produtividade da empresa. 

“Essa configuração é um reflexo das normas estabelecidas, que muitas vezes não acompanham as mudanças sociais ou as necessidades individuais dos trabalhadores”, defende João Victor Felix, advogado e participante da equipe jurídica do Movimento VAT (Vida Além do Trabalho), que luta pelo fim da jornada 6×1. 

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Com essa escala, os trabalhadores possuem menos tempo para outras atividades que não sejam o trabalho. Mariana sabe bem disso. Ela conta que precisa se esforçar para encaixar hobbies e outros afazeres na sua rotina, muitas vezes sendo necessário abandonar o descanso e, consequentemente, se desgastando. 

Um estudo publicado no Journal of Experimental Social Psychology apontou para os problemas de não dedicar tempo ao lazer: estresse, ansiedade e sintomas depressivos. 

As mulheres são ainda mais prejudicas por essa dinâmica. Acontece que o trabalho do cuidado é feito majoritariamente por elas, segundo relatório da Oxfam, e, quando possuem uma dupla jornada de trabalho, cuidando de casa e do emprego, a rotina é mais exaustiva e sobra menos tempo ainda para praticar outras atividades, o que impacta a saúde mental desse grupo.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), elas estão mais expostas a riscos de saúde mental pela sobrecarga física e mental decorrente desse fenômeno.

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Jornada de trabalho 6x1 é exaustiva
Trabalhadores muitas vezes não conseguem descansar adequadamente com jornada de trabalho 6×1 (RDNE Stock project/Pexels)

Como a redução da jornada de trabalho pode beneficiar as empresas

Ao mesmo tempo, trabalhadores mais descansados e que possuem mais espaço para outras áreas de sua vida são mais motivados a trabalhar. Não à toa, a filial da Microsoft do Japão, depois de adotar um modelo de trabalho de quatro dias úteis por semana, verificou um aumento de 40% do faturamento, segundo reportagem da revista Exame.

Quando a comparação da carga horária e produtividade é feita entre países diferentes, também é possível descobrir motivos para a redução. O funcionário médio americano trabalha 4,6 horas por semana a mais do que o norueguês, por exemplo, mas os trabalhadores da Noruega contribuem para o Produto Interno Bruto (PIB) o equivalente a US$ 78,70 (R$ 300,20) por hora – em comparação com os US$ 69,60 (R$ 265,50) nos Estados Unidos.

E não para por aí. Uma pesquisa com quase 2 mil trabalhadores de escritório em tempo integral no Reino Unido descobriu que as pessoas eram produtivas apenas por 2 horas e 53 minutos em um dia de trabalho de 8 horas, gastando o restante do tempo checando as redes sociais, lendo notícias, conversando sobre temas não relacionados ao trabalho com os colegas, comendo e até procurando outros empregos.

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A economia poderia ser muito beneficiada pela diminuição da carga horária dos trabalhadores, de acordo com estudo da Revista FT. “Gera um cenário favorável à criação de novos postos de trabalho, principalmente na era da automação, em que a produtividade superou, e muito, os níveis de eficácia desde 1988, ano em que ficou definida a carga horária atual de 44 horas semanais”, constataram.

O que é o Movimento Vila Além do Trabalho

É nesse cenário que aparece o Movimento Vida Além do Trabalho. “Através de nossa ação coletiva, buscamos influenciar uma revisão nas leis trabalhistas que possa oferecer um modelo mais flexível e humano, onde o bem-estar dos trabalhadores seja colocado no centro das discussões sobre a organização do trabalho”, explica o advogado.

Mas essa história não é de agora. Tudo começou quando Rick, o fundador, estava de folga e convidou João para ir à praia. “Eu estava trabalhando e não poderia ir. Essa minha impossibilidade de juntar-me a ele naquele momento de lazer revelou um problema maior. Estamos muitas vezes tão imersos em nossas obrigações profissionais que perdemos oportunidades valiosas de viver fora do trabalho”, conta.

O episódio fez com que Rick falasse abertamente em seu perfil no Tik Tok sobre como a cultura de trabalho intensivo está afetando negativamente nossa saúde mental e nosso tempo de lazer. O assunto acabou viralizando. 

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“O Movimento VAT não é apenas uma resposta às demandas por uma revisão das normas trabalhistas. É um chamado para valorizar mais nossa vida pessoal, nossa saúde mental e nosso bem-estar”, afirma. A petição pública redigida por ele hoje conta com mais de 700 mil assinaturas.

E quando um funcionário trabalha além da jornada regular

“Quando um funcionário trabalha além da jornada regular, tem direito a receber horas extras, que são pagas a partir do valor que ganha por hora trabalhada, sendo necessário um acréscimo mínimo de 50% sobre o valor da hora normal”, explica a advogada Luciana Aranalde. Também é possível adotar o chamado banco de horas. 

“É um sistema flexível de controle de jornada de trabalho e permite que as horas extras trabalhadas pelos funcionários sejam acumuladas em um ‘banco de horas’ e posteriormente compensadas com folgas ou redução da jornada em outros períodos”, acrescenta.

Os trabalhadores que laboram em feriados têm direito a benefícios adicionais. “Inclui pagamento de horas extras em um percentual mais alto que o normal [100%], um dia de folga compensatório ou ambos”, conforme ela explica. A folga compensatória deve ser concedida até o 7º dia subsequente ao feriado trabalhado.

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Muitas vezes, eles só querem mais tempo fora do emprego. “Meu sonho é trabalhar para mim e não para os outros, para poder dar uma condição e ter tempo de qualidade com minha família e amigos”, não deixa negar Mariana.

*O nome da entrevistada foi modificado para proteger sua imagem. Ela precisa trabalhar.

 

 

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