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Somos todos neuróticos? Reconheça os sintomas

Sofrer menos com as neuroses passa por assumir os desejos e construir uma vida nos próprios termos, sem (tanta) necessidade de aprovação

Por Liliane Prata Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 25 abr 2017, 22h19 - Publicado em 25 abr 2017, 17h22
A imagem Gaële-1 pertence à série Espelhos, do fotógrafo francês baseado no Canadá Robin Cerutti (Robin Cerutti/CLAUDIA)
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Somos todos neuróticos? Resposta rápida à questão: não, não somos. Mas talvez você não se sinta melhor com as outras opções: para os psicanalistas, quem não é neurótico pode ser perverso ou psicótico – as três configurações psíquicas propostas por Freud.

O termo “neurose”, que saiu dos consultórios psiquiátricos há algumas décadas, continua consagrado nos divãs e no uso popular: quem não conhece (ou se considera) alguém cheio de “neuras”? O fato é que todos sofrem e precisam se virar para lidar com as próprias angústias, tanto as constituintes, relacionadas à infância, à história de vida e ao simples fato de ser humano, como as agravadas pelos tempos em que vivemos. Aliás, a ansiedade e a dependência da opinião alheia, tão características da neurose, podem ficar bem claras quando se está com um celular na mão sofrendo porque a mensagem foi visualizada e não respondida ou o textão no Facebook não teve muitas curtidas. Mas o que, afinal, se entende por neurose?

“Um neurótico é aquele que só consegue se relacionar a partir de certos pressupostos equívocos como: o que desejo é aquilo que imagino que o outro está me pedindo. Ou seja, identifico o desejo do outro com o meu”, explica Christian Dunker, psicanalista e professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP). Assim, estamos falando de uma maneira de encarar as relações que passa por fantasia, imaginação e insegurança – mas não alucinações, que já são do campo da psicose.

O neurótico sofre improdutivamente, de um jeito excessivamente orientado para fora, que não o leva a lugar algum

Christian Dunker, psicanalista

A neurose costuma ser tida socialmente como o jeito mais aceito de sofrer, como se fosse um distúrbio de comportamento “mais leve” – nos filmes e seriados, os loucos são os psicóticos e perversos, com seu sadismo e suas visões. Mas é preciso cuidado ao classificar a neurose como o jeito “normal” de lidar com a dor. “São muitas as formas de neurose e de possíveis relações com os sintomas. Em alguns casos, esses podem ser até piores e mais intensos do que os da psicose ou da perversão. Ao normalizá-la, transformamos em aceitável uma forma de sofrimento. Mais produtivo é encará-la e cuidar dela”, afirma Dunker. Como musicou Caetano Veloso, “de perto, ninguém é normal”. Olhar para as próprias “anormalidades”, portanto, é o começo do caminho para transformá-las e alcançar uma vida mais plena.

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Não é fácil, porém. O neurótico tem muita dificuldade de assumir seus desejos, porta-se como se vivesse para os outros. Dependente, com frequência se sente abandonado, questionando se o outro não deveria amá-lo mais, se estão implicando com ele. Quanto maior a necessidade de aprovação, mais neurótico. Ele também se angustia com o próprio comportamento, questiona-se onde errou e martiriza-se com a culpa. “Há sofrimentos produtivos e improdutivos. O neurótico sofre improdutivamente, de um jeito excessivamente orientado para fora, que não o leva a lugar algum. Ele quer ser tudo para o outro e espera ser admirado por isso”, continua Dunker. “A neurose é a maneira como cada um se enrola na tentativa de satisfazer o desejo“, define a psicanalista Dominique Fingermann, de São Paulo. Em alguns momentos da vida, podemos “nos enrolar” mais. “Então o conflito entre obter minha satisfação e dar satisfação ao outro vai tomando proporções que, pouco a pouco, vão tornando a vida impossível”, acrescenta ela. É, portanto, crucial olhar para o modo como se lida com os próprios desejos.

Sacrifício e gênero

Quanto mais a pessoa se deixa escravizar pelas expectativas sociais e familiares, mais sujeita estará a neuroses perturbadoras. Por exemplo, quem pensa “não posso me casar, pois preciso cuidar dos meus pais” ou ‘tenho de continuar neste casamento infeliz, pois é o melhor para os meus filhos” não está se permitindo ser quem é. E aí a vida vira um sacrifício. “A angústia faz parte da condição humana, não é uma neurose. A neurose tem a ver com não se conformar com nossa incompletude”, aponta o psiquiatra e psicanalista Mario Eduardo Costa Pereira, professor de psicopatologia clínica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Nesse contexto, fica claro por que, em uma sociedade que reprime e cerceia o desejo feminino, são as mulheres as principais candidatas ao mal-estar. Não à toa, a histeria (uma forma de neurose) é historicamente associada a elas: na sociedade vitoriana, tradicional, patriarcal, regida por uma dupla moral, em que a mulher não tinha direito ao prazer sexual, enquanto o homem gozava de liberdade para realizar seus desejos e fantasias, é compreensível que a reivindicação do feminino, da sexualidade, explodisse pela via histérica. “Hoje, há estudos que mostram que você encontra mais mulheres tendo ataques semelhantes nas culturas onde existe maior repressão da sexualidade delas”, conta Pereira.

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Desfecho possível

Independentemente do gênero, nem sempre é fácil perceber que se está abrindo mão dos próprios desejos e transformando a vida em uma sequência de sacrifícios. Até porque o neurótico não sofre o tempo todo. Por um longo período, é como se a pessoa estivesse fazendo uma “gambiarra” para viver mais ou menos bem. E aí, quando um fio é puxado – por exemplo, o casamento acaba ou a mãe, que estava sempre lá, morre –, tudo desaba. E a tristeza (ou as fobias, ou a obsessão) vem com tudo, de modo descontrolado.

“É possível transformar a neurose para que ela não atrapalhe a vida, mas que, pelo contrário, a providencie”, avisa Fingermann. Exige autoconhecimento e uma certa tranquilidade para que trabalhar a neurose não vire (mais) uma cobrança. O consultório é um dos caminhos – para quem está atrás de transformação, não apenas de medicamento. “Alguns pacientes chegam querendo saber de onde está vindo sua depressão, suas crises de pânico, e isso é ótimo. Mas é comum aqueles que não querem falar a respeito e me pedem um remédio para dormir. O comprimido vai funcionar, mas muito mais rico seria investigar o que, afinal, está tirando o sono”, diz Pereira.

Quantos não preferem continuar no mesmo emprego, no mesmo casamento, repetindo os padrões de comportamento e relacionamento? Conhecer o próprio desejo é desestabilizador, justamente porque pode provocar a conclusão de que é preciso reformar a vida. Com pavor de não suportar a liberdade, o neurótico vai se escravizando por aquilo que acha que os outros entendem como correto. “Ele está sempre se controlando, se impondo disciplina, se policiando, fazendo listas das coisas que precisa fazer”, diz Dunker, que classifica o “pós-neurótico” como aquele que, em vez de obedecer os outros e a si mesmo, passa a cuidar de si próprio. “Esse cuidado envolve a experiência de aceitar-se.” A aceitação pode vir com a terapia, ou mesmo com o tempo ou com uma experiência reveladora. Os caminhos são únicos de cada indivíduo e vale a pena investigar o seu.

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Características básicas do neurótico, segundo o psicanalista Christian Dunker.

• Dificilmente se sente amado. É comum querer ser o mundo do outro e precisar de atenção o tempo todo.

• Da mesma forma que não se sente querido o suficiente, acha que o outro não gosta tanto da relação como ele, que o parceiro não está tão feliz como “deveria”.

• Duvida de si mesmo, não sabe se tem o “direito” de ficar bravo ou se o cônjuge está certo. É típico que ele julgue sentimentos como ruins: não posso sentir raiva, não posso ficar triste.

• Você costuma repetir padrões de relacionamento? Em alguma medida, a repetição é esperada, claro, mas tem quem não varie quase nada. “Quanto mais você repete, mais neurótico é”, diz Dunker.

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