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“Ser negra no Brasil é nascer sabendo que terá de resistir”

Criadora de uma rede de formação social voltada para jovens negros, Monique Evelle é nossa segunda entrevistada no Especial de Consciência Negra.

Por Letícia Paiva Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Guta Nascimento
Atualizado em 15 abr 2024, 10h37 - Publicado em 20 nov 2016, 17h22
 (Carolina Horita/MdeMulher)
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No dia 20 de novembro é celebrado o Dia da Consciência Negra. Para reforçar a importância dessa data, neste mês, CLAUDIA procurou mulheres negras formadoras de opinião e militantes da causa para discutir temas como apropriação cultural, racismo e representatividade. Como resultado, lançamos uma série de entrevistas sobre a importância de se debater cada vez mais as questões raciais no Brasil.

Aos 16 anos, a baiana Monique Evelle criou a rede Desabafo Social, focada em jovens negros da periferia, que conta com iniciativas em educação e direitos humanos, levadas para as ruas e salas de aula. O projeto, hoje, conta com colaboradores – adolescentes periféricos, em suas maioria – em 13 estados do Brasil. Por sua iniciativa, ela foi colocada na lista de 30 mulheres com menos de 30 anos para ficar de olho, do MdeMulher, em 2015. Além de ter sido indicada pelo Think Olga como uma das mulheres mais inspiradoras daquele ano.

Agora, aos 22 anos, formada em Política e Gestão de Cultural pela Universidade Federal da Bahia, é apontada como uma das novas vozes do feminismo negro e corre o país com palestras sobre educação e tecnologia. Monique é uma das mulheres que você precisa ouvir neste mês da Consciência Negra.

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Seu projeto é focado em educação e direitos humanos. Por isso, queria saber: como foi a sua educação?
Moro em Nordeste de Amaralina, periferia de Salvador. Estudei em colégio particular sempre com bolsa, em um modelo tradicional: escola do século XVIII, professores do século XIX e estudantes do século XXI. A conta não fechava. Sendo a única negra no espaço, ainda bem que eu tive minha mãe. Toda vez que eu chegava em casa por conta de xingamentos à minha cor e cabelo, ela contava histórias de princesas negras parecidas comigo, construindo de acordo com o que ia acontecendo na escola, de modo a me dar autoestima. Quando eu tinha 8 anos, eu ganhei o livro Por uma Semente de Paz, de Ganymédes José, que fala de uma professora que mudou a realidade dos estudantes e da comunidade. Anos depois, assisti ao filme Escritores da Liberdade, que era muito parecido com o livro que eu tinha lido. Eu decidi então que queria ser professora. A professora é uma super-heroína e pode mudar o mundo – eu pensava. O Desabafo surgiu seguindo essa linha educativa, debatendo educação e direitos humanos.

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Porque você sentiu a necessidade de criar o grupo Desabafo Social?
Eu queria falar sobre questões de gênero e raça, mas não se discutia isso na escola. Todas as vezes em que eu tentava falar sobre isso em sala de aula, meus colegas diziam que não se importavam e ninguém iria entender. Claro que não iriam entender, só eu passava por isso ali. Fui a diretoria do colégio para tentar criar um grêmio estudantil e recebi um não. Resolvi criar assim mesmo, pensando que teria poder de voz. Eu estava no último ano do colégio e queria continuar fazendo atividades quando saísse. Comecei a fazer nas ruas: via grupos de meninas e meninas e me aproximava com poesias e músicas de rap. Percebi que a partir do rap, do funk, do pagode eu iria conseguir chegar aos adolescentes das quebradas. E por meio dessas letras eu poderia falar sobre direitos humanos. Oferecemos discussões de questões que a escola não ensina.

Depois criei o blog para repassar metodologias do que estava dando certo com as iniciativas nas ruas – e o projeto viralizou na internet. Notei o tamanho que se tornou o Desabafo quando vi que vários jovens marcavam nas redes sociais que trabalhavam em Desabafo Social, pessoas que eu nunca tinha visto na vida, de várias cidades. Elas estavam lendo o que fazíamos e levavam para suas escolas.

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Como você acredita que essas ações podem empoderar meninas negras?
Existe a mídia que trata o jovem, a mulher, e o negro de uma forma equivocada. Iniciativas como essa vem para oferecer uma contranarrativa, mostrar que existem vários lados. A gente não se conforma com uma única solução, com uma única versão. As contranarrativas servem para que as pessoas repensem e reescrevam a própria história. Cada uma, com sua subjetividade, podem entender de que forma podem transformar o mundo.

De que forma você acha que deve-se trabalhar para que as agressões que você sofreu não aconteçam com outras meninas?
Nem todo mundo tem a sorte de ter tido um aporte como o que eu tive em minha família, de me colocar em outro espaço que não é o que nos colocam geralmente. A partir disso, podemos pensar em contação de histórias. Com histórias, podemos nos enxergar em espaços que sempre nos tiraram. Nos livros didáticos a gente não vai se ver e na tv também não nos enxergamos. A contação de histórias pode aumentar muito a autoestima porque aumenta a representatividade. No entanto, mais do que representatividade precisamos de proporcionalidade, principalmente para as crianças. Representatividade importa mas não adianta termos apenas uma pessoa negra no espaço, sobrevivendo naquela selva. Com representatividade e proporcionalidade, a criança pode se ver e pensar: eu também posso fazer aquilo, não é impossível.

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Para você, o que significa ser uma jovem mulher negra no Brasil hoje?
Se não for resistência política, eu não sei o que é. É toda vez que sair de casa não ter certeza se vai voltar. Ter que ouvir o tempo todo sobre o crescimento da violência contra negras, que é no mínimo preocupante. Ser uma mulher negra no Brasil é ter muita resistência política. Mesmo não querendo, querendo ficar em paz, você já nasce sabendo que terá que resistir.

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