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A reforma que as mulheres querem no Combate à Violência

A reforma sugerida por CLAUDIA explica aos parlamentares as mudanças imprescindíveis para construirmos uma sociedade equilibrada

Por Patrícia Zaidan, Denise Pellegrini e Iracy Paulina | Consultoria técnica: Marina Ganzarolli, advogada
Atualizado em 15 abr 2024, 15h57 - Publicado em 2 Maio 2017, 19h31
 (Lucas Cobucci/CLAUDIA)
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Este dossiê, preparado por CLAUDIA, aponta o que é preciso mudar no país para que as mulheres tenham cidadania plena. Sem os avanços, aposentar mais tarde significaria novos prejuízos às brasileiras. Trata-se de uma reflexão sobre especificidades de gênero, o que, não raro, escapa aos legisladores, que atuam como se homens e mulheres tivessem direitos iguais. Não têm. Mesmo com o projeto de reforma da Previdência do governo abrandado pelo relatório do deputado Arthur Maia (PPS-BA), a injustiça persiste.

As brasileiras se aposentariam aos 62 anos, os homens aos 65, com todos contribuindo por quatro décadas. Chegar aí custará dez anos de suor a mais para elas (um terço além dos 30 anos que precisam recolher hoje). Eles contribuem por 35 e pagariam cinco anos a mais (um sexto).

Listamos seis áreas nas quais é fundamental buscar progressos. A reforma sugerida por CLAUDIA vai além da que será votada a partir deste mês na Câmara dos Deputados e depois no Senado. O dossiê explica aos parlamentares as mudanças imprescindíveis para construirmos uma sociedade equilibrada.

Abaixo, a reforma que as mulheres querem para combater a VIOLÊNCIA.

Treze mulheres assassinadas por dia. Esta triste estatística põe o país em quinto lugar entre as nações mais cruéis – atrás apenas de El Salvador, Colômbia, Guatemala e Rússia. O dado é do Mapa da Violência 2015 – Homicídio de Mulheres no Brasil, da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso). “Essas mortes são a ponta do iceberg”, alerta a advogada Marina Ganzarolli, cofundadora da Rede Feminista de Juristas. “Antes do desfecho extremo, a mulher sofre diversas formas de violência, marcadas pela desigualdade de gênero.” Conquistamos marcos legais importantes para enfrentar a questão. A Lei Maria da Penha, de 2006, é um deles. Ela trouxe inovações no combate à violência doméstica e familiar e tornou claros ataques que antes eram tidos como aceitáveis, caso das agressões verbal e psicológica, que não ferem fisicamente mas destroem a autoestima e a autoconfiança da mulher. Em 2015, avançamos mais com a entrada em vigor da Lei do Feminicídio, que alcança inclusive os assassinos que não mantêm relações com as vítimas. Mas para a sociedade eliminar as mortes evitáveis, muitas ações precisam ser adotadas.

AMPLIAR E QUALIFICAR A REDE DE PROTEÇÃO

Prevista na lei Maria da Penha, a rede de proteção ainda é precária. A medida protetiva de urgência – que impede o agressor de se aproximar da vítima –, por exemplo, tem demorado a ser decretada por alguns juízes. A obrigatoriedade de um defensor público para atender a mulher em todos os atos processuais nem sempre é cumprida, pois há muitas localidades no país sem esses profissionais. Lançado em março, o livro Feminicídio – #InvisibilidadeMata, do Instituto Patrícia Galvão e da Fundação Rosa Luxemburgo, destaca o fato de as verbas reservadas à área serem insuficientes nas esferas federal, estadual e municipal. Assim, os serviços se concentram mais nas grandes cidades. Talvez por isso as capitais brasileiras não figurem entre os cem municípios com as maiores taxas de assassinato de mulheres, segundo o Mapa da Violência, ranking dominado por cidades de menor porte. Também é necessário qualificar o acolhimento e oferecê-lo no mesmo espaço físico, com equipes multidisciplinares, das áreas jurídica, social, saúde física e emocional e de educação para o trabalho. “Era o que propunha a Casa da Mulher Brasileira, uma política federal que perdeu forças e está abandonada”, diz a socióloga Fátima Pacheco Jordão, conselheira do Instituto Patrícia Galvão.

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Recomendada pelos promotores aos acusados de cometer violência doméstica, a atenção aos homens, citada em lei, é igualmente precária. Com o objetivo de ajudá-los, são formados grupos para discutir gênero, promover reflexões sobre a formação da masculinidade e desconstruir a cultura que promove os comportamentos violentos. Juízes podem determinar que o condenado frequente um deles como parte da pena. Mas essa medida não está disponível para todos. Na capital paulista, por exemplo, o serviço, que conseguiu reduzir a reincidência, tem sido oferecido em apenas três pequenos grupos masculinos. Só um deles mantido com verbas públicas.

Outra forma de evitar violência é emancipar financeiramente a mulher: “Se aprovada a reforma da Previdência com o texto atual, haverá aumento da pobreza feminina”, alerta a deputada Shéridan Oliveira (PSDB-RR), presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, da Câmara. Para ela, a dependência do dinheiro masculino leva a brasileira a se submeter ao pai ou marido agressor.

ERRADICAR O RACISMO INSTITUCIONAL

O grande desafio é fazer a mulher realizar a primeira denúncia. Muitas têm vergonha ou medo de comunicar que são agredidas pelo homem que amam ou pelo pai que sustenta os filhos. Por isso, ocorre a subnotificação”, afirma a deputada Luizianne Lins (PT-CE), que foi relatora, no Congresso, da Comissão Mista de Combate à Violência contra a Mulher, entre 2015 e 2017. Quando elas se encorajam a procurar ajuda, às vezes esbarram em despreparados. “Muitos delegados, juízes, promotores, legistas e outros agentes públicos são lenientes ou fazem seleção de classe ou cor”, observa Jordão. “Por omissão do Estado, ficam prejudicados a punição dos agressores e o resguardo das mais vulneráveis, como negras e índias.” Para Maria Sylvia de Oliveira, presidente do Geledés – Instituto da Mulher Negra, o racismo institucional desestimula a denúncia e pode explicar, em parte, o crescimento das mortes violentas de negras em 54% entre 2003 e 2013. No período, o mesmo crime contra as brancas regrediu em 9,8%. “Já ouvi relato de uma mulher que foi à delegacia pedir proteção e um delegado respondeu: ‘Mas uma negona do seu tamanho precisa de proteção?’”, recorda Oliveira.

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Como destaca Feminicídio – #InvisibilidadeMata, a impunidade e a violência institucional praticadas por agentes públicos contra a mulher são fatores que contribuem com a continuidade dos assassinatos. Nesses casos, o Estado pode ser responsabilizado por ação ou omissão.

REPLICAR AS BOAS PRÁTICAS DE PREVENÇÃO

Diante da dificuldade de fiscalização do cumprimento das medidas protetivas concedidas a mulheres vítimas de violência doméstica, têm surgido diversas alternativas pelo país, que foram analisadas e recomendadas pela Comissão Mista de Combate à Violência contra a Mulher. “Reunimos uma lista de iniciativas que podem ser replicadas, como o botão de pânico”, lembra Lins. Adotado em cidades dos estados de Espírito Santo, São Paulo, Paraíba, Maranhão e Pernambuco, trata-se de um aparelho simples e barato, com geolocalizador, que a vítima aciona para alertar a polícia quando se vê em risco. Também a criação da Patrulha Maria da Penha recebeu a chancela da comissão. Ela visita a casa de mulheres em situação de violência. Já funciona em capitais como Porto Alegre, Curitiba, Campo Grande, Fortaleza, Salvador e São Paulo. O Projeto de Lei no 547/2015, da senadora Gleisi Hoffmann (PT/PR), aprovado no Senado e tramitando na Câmara desde março, institui esse programa em todo o país.

COMBATER A IMPUNIDADE DOS ESTUPROS

De acordo com a Plan International Brasil, 50 mil casos de estupro são denunciados todos os anos – 70% das vítimas são crianças e adolescentes. Estima-se que isso represente menos de 10% das ocorrências, dada a dificuldade de fazer a queixa: os principais agressores são pais, padrastos, irmãos ou professores. À subnotificação soma-se a impunidade. A Lei Joanna Maranhão, de 2012, tem ajudado: estipulou o prazo de 20 anos para prescrição de estupro contra criança. Só começa a correr quando a vítima faz 18 anos e passa a ter discernimento sobre o que sofreu. “É preciso, porém, que o laudo psicológico e principalmente o depoimento dela sejam mais valorizados como prova”, diz Ganzarolli. Para a advogada, dificilmente uma mulher passa por um processo penal de estupro mentindo. “Porém, com frequência, os juízes duvidam da palavra da vítima.” Já para a maior de 18 anos, o prazo de prescrição de seis meses é muito curto: ela ainda está sob choque, sem condição para se manifestar e seguir com o processo penal.

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Outra lei, de 2013, reconhece que a vítima tem direito à preservação do material coletado na unidade de saúde e garante o acesso ao contraceptivo de emergência e ao coquetel antirretroviral. O médico tem a obrigação de informar a mulher sobre o direito ao aborto legal. Quando ela decidir entrar com um processo, as provas devem estar mantidas. Isso facilita a denúncia. Infelizmente, os profissionais de saúde ainda não respeitam essa lei. A socióloga Patrícia Rodrigues Pagu, do coletivo Levanta Zabelê, alerta sobre a invisibilidade das indígenas: “Nas disputas de terras, muitas são estupradas ou tratadas como moeda de troca”.

AUMENTAR A PENA PARA PORNOGRAFIA DE REVANCHE

Publicar nas redes sociais fotos de mulheres em situação íntima, sem a autorização delas e como instrumento de vingança é tratado hoje como injúria e difamação, delitos cujas penas são baixas. Deveria ser descrito como um crime específico e com punições mais pesadas. A ação penal nesses casos deveria passar à condução do Ministério Público, uma vez que levar para a frente a denúncia depende, atualmente, só da vontade da mulher. Coloca-se nela uma responsabilidade grande, quando está fragilizada”, opina Ganzarolli.

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COMBATER A INVISIBILIDADE

O livro Feminicídio – #InvisibilidadeMata ressalta que apenas uma parte da realidade dos crimes contra a mulher é conhecida. A razão: os dados são insuficientes. Além dos casos sem denúncia, há muitos outros que não são identificados pelos agentes de segurança no contexto da violência de gênero. Por isso, a publicação defende que a produção de dados e indicadores é indispensável para dimensionar o problema e monitorar as políticas públicas destinadas a combatê-los.

Para Jordão, a mídia pode contribuir com isso. Ela observa que o comportamento dos veículos de comunicação vem mudando: a abordagem, antes sensacionalista e discriminatória, tem se tornado mais fiel à realidade. Como exemplo, a socióloga aponta o caso do estupro coletivo de uma garota de 16 anos, ocorrido no ano passado, no Morro da Barão, na capital fluminense. Imagens gravadas pelos agressores se espalharam pela internet. A atuação do delegado, que iniciou a apuração do caso, foi criticada, por não dar crédito à vítima e não prender os suspeitos. “A grande repercussão na imprensa, pressão de lideranças políticas e movimentos feministas acabou revertendo o quadro”, lembra Jordão. “Uma delegada foi destacada para a investigação e concluiu o inquérito com sete indiciados”, diz.

O mesmo aconteceu, lembra ela, no episódio envolvendo o ator José Mayer, da Rede Globo, acusado de assédio sexual pela figurinista Susllem Tonani, que também teve repercussão. “Já sentimos uma diferença no tratamento da questão.” Ela observa que assassinatos de mulheres passaram a ser melhor investigados; e a cobertura da imprensa tem se fixado menos em estereótipos. “O noticiário não justifica a violência como reação a uma suposta traição feminina, que ocorria em passado recente.”

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