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A reforma que as mulheres querem na Família

A reforma proposta por CLAUDIA explica aos parlamentares as mudanças imprescindíveis para construirmos uma sociedade equilibrada

Por Patrícia Zaidan, Denise Pellegrini e Iracy Paulina | Consultoria técnica: Marina Ganzarolli, advogada
Atualizado em 15 abr 2024, 15h56 - Publicado em 3 Maio 2017, 09h52
 (Lucas Cobucci/CLAUDIA)
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Este dossiê, preparado por CLAUDIA, aponta o que é preciso mudar no país para que as mulheres tenham cidadania plena. Sem os avanços, aposentar mais tarde significaria novos prejuízos às brasileiras. Trata-se de uma reflexão sobre especificidades de gênero, o que, não raro, escapa aos legisladores, que atuam como se homens e mulheres tivessem direitos iguais. Não têm. Mesmo com o projeto de reforma da Previdência do governo abrandado pelo relatório do deputado Arthur Maia (PPS-BA), a injustiça persiste.

As brasileiras se aposentariam aos 62 anos, os homens aos 65, com todos contribuindo por quatro décadas. Chegar aí custará dez anos de suor a mais para elas (um terço além dos 30 anos que precisam recolher hoje). Eles contribuem por 35 e pagariam cinco anos a mais (um sexto). Junta-se a isso as tarefas da casa e da família, que a mulher ainda não conseguiu dividir com o homem.

Listamos seis áreas nas quais é fundamental buscar progressos. A reforma sugerida por CLAUDIA vai além da que será votada a partir deste mês na Câmara dos Deputados e depois no Senado. O dossiê explica aos parlamentares as mudanças imprescindíveis para construirmos uma sociedade equilibrada.

Abaixo, a reforma que as mulheres querem na FAMÍLIA.

Em 1995, as mulheres chefiavam 23% dos lares. Vinte anos depois, comandavam 40%, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Isso demonstra como a carga sobre a brasileira é crescente, pois soma a jornada de casa à do trabalho externo. Para aliviá-la, não basta a divisão de tarefas entre os membros da família, entende Flávia Biroli, professora do Instituto de Ciências Políticas da Universidade de Brasília (UnB): “Precisamos de políticas públicas de cuidados para crianças e idosos”. E de mais algumas:

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LICENÇA COMPARTILHADA

O Marco Regulatório da Primeira Infância, de 2016, permite que o empregado falte ao trabalho dois dias por ano para ir ao ginecologista com a esposa gestante e mais um para levar o filho ao pediatra. “É pouco, não incentiva a participação dele na família”, observa Jacqueline Pitanguy, coordenadora executiva da organização Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação (Cepia). Um exemplo que poderia ser seguido nas companhias privadas, segundo ela, é a regra bem mais generosa do funcionalismo público, estipulada pela Lei no 59/2008, que regulamenta os contratos de trabalho e estipula que profissionais, homens e mulheres, têm direito a até 20 dias para assistência aos filhos, em caso de doença ou acidente.

A ampliação da licença-maternidade de 120 para 180 dias e a do pai, de cinco para 20, ainda não entrou na rotina da maioria das corporações, que precisam aderir ao Programa Empresa Cidadã. As mudanças devem ir além. “O ideal é o casal partilhar o período de ausência para cuidar do bebê”, afirma a juíza Noemia Porto, diretora de Cidadania e Direitos Humanos da Família da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra). Em outros países onde a igualdade de gênero já alcançou um patamar mais satisfatório, como é o caso da Suécia, existe a licença parental, que pode ser dividida pelo casal. “Nesses casos, os dois decidem responsavelmente qual parte da licença caberá a cada um. Se, por exemplo, o marido se considera mais bem inserido no mercado de trabalho que a mulher, podem combinar que ele ficará com o período de recesso maior para cuidar do filho, permitindo que ela volte mais cedo à ativa para seguir crescendo na carreira”, observa Porto. A criação dessa licença no Brasil evitaria que só a mulher se afastasse do trabalho, perdendo terreno profissional. Para que o casal divida a licença parental seria necessário alterar a Constituição. Já a licença-paternidade expandida é possível por lei ordinária ou até medida provisória. Só precisa de vontade política.

APOIO AO CUIDADOR DO IDOSO

Seguindo uma tendência mundial, a parcela de idosos é cada vez maior na pirâmide etária do país. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre 2005 e 2015, o percentual de brasileiros com mais de 60 anos aumentou de 9,8% para 14,3% – um ritmo de crescimento considerável, pois essa taxa sempre se manteve abaixo dos 10%. A estatística revela a urgência de colocar em pauta os cuidados com os idosos. Nos arranjos familiares, é usual que a mulher arque, sozinha, com a lida dos mais velhos e dos doentes.

Embora a Constituição e o Estatuto do Idoso indiquem que a atenção à velhice cabe prioritariamente à família, para Flávia Biroli, pesquisadora da Universidade de Brasília, a questão deve envolver o que chama de responsabilidade coletiva, que inclui três frentes. Uma delas é tirar a responsabilidade dos ombros da mulher: o homem deve ser incentivado – inclusive por meio de campanhas publicitárias – a exercer esse papel. A segunda frente, como sugere o documento Mais Igualdade para as Mulheres Brasileiras, da ONU Mulheres, é a maior presença do Estado quando os idosos perdem autonomia. Isso se daria em convênios com serviços de assistência domiciliar e apoio aos cuidadores familiares. “O Chile tem um bom programa de atenção aos idosos, com possibilidade de atendimento em casa e na comunidade. No Brasil, se já é difícil para os mais jovens enfrentarem a ida ao hospital, imagine para o idoso”, observa Biroli.

Algo que tem surgido no exterior e já existe no mercado privado no Brasil são day cares para idosos, que funcionam aos moldes das creches. Nesses locais, aqueles que precisam de acompanhamento para tomar medicamentos e ajuda em higiene pessoal podem ficar durante o dia, com supervisão de profissionais. É uma solução que requer recursos e poderia ser um serviço oferecido pelo poder público às faixas menos favorecidas. No terceiro eixo entrariam soluções que envolvam iniciativas comunitárias de acolhimento aos idosos. Nessa linha, atua o movimento Cidade Amiga do Idoso, lançado em 2007 pelo programa global sobre envelhecimento da Organização Mundial da Saúde (OMS). A entidade concede o selo aos municípios que adaptarem serviços e estruturas para que se tornem acessíveis aos moradores mais velhos. Isso inclui: transporte público, atenção à saúde e assistência social, programas de qualificação de funcionários e espaços públicos que promovam a inclusão.

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PATERNIDADE RECONHECIDA

Desde 1992, para registrar uma criança, a mãe pode informar o nome do pai, e o cartório recorre ao Ministério Público, que solicita ao homem assumir ou fazer o exame de DNA. Se ele se recusar, o MP instaura processo de investigação de paternidade. “Enquanto isso, a mulher arca sozinha com as despesas da criação do filho”, lembra Maria Berenice Dias, desembargadora aposentada, especialista em direito de família e vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). “Ora, a recusa é uma confissão.” Por isso, o instituto defende que o cartório já informe o nome do pai no registro a partir da recusa. “Ele deve provar na Justiça que não é, mas terá de contribuir com o sustento da criança até sair a decisão.”

PENSÃO ALIMENTÍCIA MAIS RÁPIDA

A partir do terceiro mês de atraso da pensão, a mãe pode entrar com processo. Se não pagar, o pai corre risco de prisão. Mas existem recursos protelatórios que fazem o processo se arrastar. “Nesses casos, caberia colocar na lei mecanismos alternativos para induzir o pai a pagar, como apreensão do passaporte e da carteira de motorista, bloqueio de cartão de crédito ou conta bancária”, indica Dias. “Essas medidas têm sido adotadas por alguns juízes.”

FIM DO CASAMENTO DE MENINAS

O Brasil ocupa o quarto lugar em número de crianças casadas. São 500 mil, entre 10 e 17 anos, nas camadas mais pobres. Isso leva à perpetuação da miséria, pois os filhos tendem a ser menos escolarizados e a repetir o casamento antes da hora. A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (CRC), que o Brasil assinou e ratificou em 1990, reconhece como violação aos direitos humanos a união em que pelo menos um dos cônjuges é menor de 18 anos. Na lei brasileira, sexo com criança abaixo de 14 anos é crime. O casamento só é permitido após os 18 anos. Mas existem exceções listadas no Código Civil. “Ele é possível a partir dos 16 anos, desde que com o consentimento de ambos os pais. Se um deles não concordar, é necessária autorização judicial”, explica Dias. A menina também pode se casar antes dos 16 em caso de gravidez. “Porém, a maioria desse tipo de união no país passa ao largo da lei. Simplesmente, o casal passa a viver junto, o que acaba por constituir uma união estável”, observa Dias.

Evita-se o problema garantindo à menina o acesso à educação de qualidade. Com ensino médio, ela terá mais chances de conquistar um emprego formal e se sustentar antes de constituir uma família. É importante sensibilizar os pais e lideranças comunitárias e religiosas sobre os problemas que o casamento precoce acarreta para o pleno desenvolvimento da menina. Muitas vezes, os responsáveis por ela acreditam que incentivar a união é uma forma de protegê-la. Para as garotas que se encontram em situação de vulnerabilidade social, também é urgente aumentar e qualificar as políticas de assistência. “Elas precisam de apoio, já que o casamento infantil as coloca em situação de maior risco de violência doméstica”, observa a advogada Marina Ganzarolli, cofundadora da Rede Feminista de Juristas. Apoiar entidades como o Instituto ProMundo e outras que trabalham com o tema, falar mais sobre o assunto e desenvolver campanhas sobre os problemas da gravidez precoce são mais algumas medidas que podem contribuir para a diminuição dos casamentos infantis.

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