Reducitarianismo, a alternativa para quem quer reduzir o consumo de carne
A dieta diminui o consumo de alimentos de origem animal sem extremismo
Equilibrar a dieta e, ao mesmo tempo, colaborar para um mundo melhor. Esse é o objetivo dos seguidores do reducitarianismo, movimento que propõe um novo olhar sobre o consumo de alimentos de origem animal.
Em um momento em que a preocupação com o planeta, com o bem-estar dos animais e com o consumo exagerado só aumenta, o reducitarianismo faz muito sentido. Ele é relativamente recente – consolidou-se nos últimos quatro anos, principalmente nos Estados Unidos –, mas atrai cada vez mais adeptos ao prometer benefícios tanto para o ambiente como para a saúde.
É uma alternativa menos radical ao vegetarianismo e ao veganismo, pois abre um caminho para quem deseja diminuir a ingestão de carne mas ainda não está totalmente convicto de eliminá-la do cardápio.
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Ser um adepto desse movimento, segundo a Reducetarian Foundation (organização sem fins lucrativos americana e maior divulgadora da causa), é se comprometer a comer menos carne (vermelha, branca e frutos do mar) e consumir menos laticínios e ovos.
“Você pode fazer isso aderindo à campanha Segunda sem Carne, diminuindo as porções de proteínas em sua alimentação ou, se realmente desejar, experimentando o vegetarianismo ou o veganismo. Todas as gradações são válidas”, afirma Brian Kateman, cofundador da instituição.
Um dos principais focos do movimento é o ambiental. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, a indústria da carne, sozinha, responde por aproximadamente 15% da emissão de gases relacionados ao efeito estufa – caso do metano, liberado em quantidades massivas nos dejetos produzidos pelo gado. Além disso, milhares de hectares de florestas são desmatados para a formação de pastos, enquanto rios e lagos são poluídos com os resíduos da atividade.
A preocupação com os animais conta, e muito. De acordo com dados divulgados pela própria fundação reducitarianista, mais de 70 bilhões deles são mortos por ano para o consumo humano (nem todos sem crueldade). Aderir ao reducitarianismo ajudaria a combater essas questões e a equilibrar o meio ambiente. Além disso, muita gente, em especial os jovens, embarca no movimento por acreditar que mesmo uma pequena contribuição conta.
O reducitarianismo promove ganhos também para quem adere a ele. “Os estudos ainda são iniciais, mas há evidências de que consumir proteína animal em excesso pode provocar uma resposta inflamatória intestinal”, afirma o endocrinologista Guilherme Renke, da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia e diretor médico das clínicas Nutrindo Ideais.
“Como o intestino é um órgão com papel importante na defesa imunológica, isso poderia trazer efeitos colaterais indesejáveis.” O nutrólogo Durval Ribas Filho, presidente da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran), explica que a carne vermelha tem componentes que, durante a digestão, geram radicais livres, o que, por sua vez, pode levar a doenças degenerativas. Mas ressalva: “Isso só ocorre, obviamente, se a pessoa exagerar na quantidade e ingerir acima de 500 gramas por semana. Não é preciso radicalizar, mas ter como meta uma dieta mais balanceada”.
No dia a dia também se percebe a diferença. “O organismo demora mais tempo para quebrar as proteínas da carne em pedaços menores e, então, absorvê-los”, diz Guilherme. “Vem daí a sensação de estufamento que costumamos sentir quando ingerimos esse alimento exageradamente.”
Se, ainda por cima, forem carnes ricas em gordura – o que, em geral, é um hábito dos brasileiros –, o desconforto se acentua. “Comecei a seguir as propostas do reducitarianismo em janeiro, cortando proteína de origem animal duas vezes por semana, e notei uma grande melhora na digestão”, confirma a publicitária Maria Thalia Nicolao, de São Paulo. “O intestino funciona com mais regularidade, me sinto mais leve e com mais energia.”
A nutricionista Elaine de Pádua, mestre em ciências da saúde pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que acaba de retornar do Lifestyle Mecidine – encontro organizado pela Universidade Harvard, nos Estados Unidos, sobre a medicina focada no estilo de vida –, confirma que a tendência é recomendar a diminuição do consumo de carne para todos. “As evidências de saúde e a preocupação com a sustentabilidade estão andando juntas. A indicação é aumentar a ingestão de vegetais”, afirma.
Há controvérsias?
O sinal vermelho se acende quando a restrição de carne é radical e o corte é feito sem orientação ou cuidado profissional; e quando não se ajusta a dieta aumentando o consumo de cereais, leguminosas e vegetais.
“Brinco que não adianta nada deixar de ser carnívoro para virar ‘massariano’, alguém que só se alimenta de carboidratos”, alerta Elaine. “Nesse caso, a perda nutricional é grande, não só de proteínas como de outros nutrientes, como vitaminas e minerais.”
A de vitamina B12 e a de ferro são as mais frequentes. A modelo e atriz carioca Juliana Magalhães, que foi do reducitarianismo ao veganismo em apenas quatro meses, precisou apelar para os suplementos para manter o corpo em equilíbrio.
Depois, acabou optando por reintroduzir um pouco de proteína animal à dieta. “Eu me sentia muito bem sem comer carne, mas, como comecei a perder massa muscular, resolvi voltar a ingerir peixe e, eventualmente, carne vermelha. No meu caso, funciona melhor.”
Outro problema gerado pela adesão sem balanceamento nem supervisão é ocorrerem alterações hormonais. “Pode haver diminuição de estrogênio, inclusive com interrupção da menstruação, queda no metabolismo e redução da ação dos hormônios da tiroide”, alerta Guilherme.
Portanto, as mudanças devem ser feitas sempre de maneira muito cuidadosa. “Para que os nutrientes necessários cheguem ao organismo, é preciso se alimentar com vegetais de grupos variados”, ensina a nutricionista Paula Gandin, membro do conselho da Sociedade Vegetariana Brasileira.
O primeiro é o dos cereais integrais, que inclui trigo-sarraceno, quinua, cevada, milho, aveia, centeio. O segundo, o das leguminosas – feijão, lentilha, grão-de-bico, ervilha, edamame, entre outras. O terceiro agrupa as oleaginosas, como castanhas, amêndoas e nozes. O quarto é o de legumes e verduras – os vegetais verde-escuros, por serem fontes de cálcio e de ferro, têm papel especial e devem aparecer em todas as refeições principais. No quinto, estão as frutas.
Ainda há as sementes (de linhaça, girassol, abóbora, chia), ricas em gorduras úteis, e os tubérculos, como batata, mandioquinha e inhame, que são opcionais mas trazem sabor e variedade ao cardápio. Paula lembra que os cogumelos podem ser acrescentados às refeições e que ervas e especiarias não apenas temperam como têm poder antioxidante e anti-inflamatório. Por isso, não devem ser dispensadas.
A suplementação é sempre necessária? Quando a dieta é pobre e a deficiência de vitamina B12 e de ferro se instala, é preciso ingerir suplementos para chegar ao patamar mínimo desses nutrientes.
Mas o corpo humano pode passar até 15 dias sem carne sem que o estoque de vitamina B12 se esgote. No caso do ferro, o excesso muitas vezes provoca efeitos colaterais. Ou seja, antes de começar a tomar cápsulas e mais cápsulas por conta própria, convém passar pela avaliação de um especialista.
Cada um no seu quadrado
Entenda as principais diferenças entre vegetarianismo, veganismo, flexitarianismo e segunda sem carne.
- Vegetarianismo: Regime baseado em alimentos de origem vegetal. Tudo o que é animal ou derivado dele é cortado da dieta. Lactovegetarianismo, ovovegetarianismo e ovolactovegetarianismo são variações atenuadas que permitem, respectivamente, a ingestão de lácteos, de ovos e de ambos.
- Veganismo: Estende para além da alimentação a restrição. Roupas, acessórios, produtos de higiene e beleza e todos os tipos de bens de consumo devem ser livres de insumos de origem animal.
- Flexitarianismo: Vegetarianismo mais flexível (mas não aceito pelos puristas), que permite ingerir peixes e, esporadicamente, até carne. O termo apareceu na década de 1990 e pode ser considerado o antecessor do reducitarianismo.
- Segunda sem carne: Campanha criada nos Estados Unidos durante a Primeira Guerra Mundial como esforço comunitário para economizar recursos alimentares. Foi ressuscitada durante a Segunda Guerra pelos mesmos motivos e relançada em 2003 com a proposta de melhorar a saúde diminuindo o consumo de proteína animal. Atualmente, vem sendo associada ao movimento reducitarianista.
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