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Porta trancada e desespero: ela conta como escapou do incêndio em ocupação

Passamos um dia com as vítimas do incêndio no centro de São Paulo e ouvimos a história de Fabiana Santos, que salvou a família da tragédia

Por Felipe Maciel
Atualizado em 16 jan 2020, 14h37 - Publicado em 5 Maio 2018, 17h30
Moradores que não deixaram o local montaram um acampamento em frente à Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, próximo ao edifício que desabou. (Felipe Maciel/Divulgação)
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Quatro dias após o incêndio seguido de desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida, no Largo do Paissandu, zona central de São Paulo, muitos moradores se recusam a deixar o local. Entre eles a vendedora Fabiana Ribeiro da Silva Santos, 38 anos, que morava com o marido, uma das filhas e a neta no primeiro andar do edifício. Ela diz ter vivido um dia normal na segunda-feira que antecedeu ao que ela descreve como um enorme pesadelo.

“Até agora eu tô perdida ainda. Na segunda de manhã, eu levei a minha filha no posto de saúde, porque ela está grávida. Fui trabalhar, fiz tudo o que eu tinha que fazer no dia, cheguei do serviço, entrei em casa, fiz comida. Tive uma rotina normal. De repente a minha vida acaba assim, em um estalar de dedos. Questão de uma hora, o prédio estava no chão”, conta Fabiana.

Como em todas as madrugadas, a vendedora assistia televisão com a neta de dois anos, que não dorme sem antes ver os seus desenhos animados favoritos. Foi quando percebeu algo estranho vindo dos andares superiores. Inicialmente achou que fosse mais uma briga do casal do quinto andar, que costuma gritar bastante, no entanto, um forte barulho a tirou da cama às pressas.

“Eu abri a porta para a minha laje, olhei para cima e vi o quinto andar todo tomado (pelo fogo), já estava subindo para o sexto andar. Quando eu menos esperava, vi o fogo caindo. Achei que era o poste na rua que tinha explodido. Eu só virei para trás, peguei a minha neta da cama, puxei a minha filha e o meu marido que estavam dormindo e saí do jeito que estava e não peguei mais nada. A fumaça já tinha tomado tudo”.

Fabiana Santos
A vendedora Fabiana Santos dorme em uma das barracas cedidas para o acampamento montado pelas famílias que ocupavam o edifício que pegou fogo. (Felipe Maciel/Divulgação)

Instalações precárias

Segundo os residentes, só era permitida a entrada no prédio dos moradores ou visitantes autorizados pelos mesmos. Das 6h às 18h, uma senhora cuidava da portaria, enquanto dois rapazes cuidavam do acesso à noite. Na hora do incêndio, ao descer as escadas para o térreo com a família, Fabiana encontrou a porta que dava acesso para a rua trancada. Foi a ação de um homem, que dormia na marquise do edifício, que ajudou a saída das vítimas do local.

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“Tinha um portão que estava trancado. Para a nossa segurança, eles trancavam às 20h porque aqui é uma área perigosa. Quem quisesse sair, tinha que falar com o porteiro. Só que na hora do desespero, não lembraram de abrir o portão. A parede do térreo era de vidro, aí veio um morador de rua e estourou tudo. Foi por lá que a gente conseguiu sair e se salvar. Eu fui arrastada pelas pessoas que correram todas de uma vez”.

Fabiana se entristece ao pensar nas pessoas que moravam na ocupação. Ela conta das dificuldades para quem residia do quinto andar para cima. Por se tratar de uma edificação antiga e sem manutenção, as escadas estavam danificadas e os degraus que faltavam foram completados com madeiras, o que facilitou para o fogo se espalhar. Além do vão onde ficavam os elevadores servir como uma espécie de chaminé para todos os outros andares, alastrando as chamas e a fumaça.

“O fogo pegou tudo. As pessoas estavam se jogando pelos buracos das escadas. Lá tinha muitos animais que morreram também. Meu Deus! Um amigo que morava no sétimo andar conseguiu se salvar, disse que quando estava descendo, ele conseguia sentir o cheiro de cabelo e carne queimando”.

Uma tragédia ainda maior

Fabiana costuma sair à noite com frequência e diz que pretendia passear com o marido na madrugada do dia 1º de maio, deixando a neta com a filha no apartamento. Ela conta que desistiu quando viu que o companheiro estava dormindo. Ao pensar na possibilidade da neta e da filha estarem mortas, ela olha para baixo e cobre o rosto com uma das mãos. Por alguns minutos fica em silêncio e quando retoma a voz, com olhos marejados, fala sobre o amor que sente pela família.

“Imagina se eu tivesse saído? Era véspera de feriado. Minha filha e minha netinha teriam morrido. Não consigo imaginar o que eu faria sem elas aqui comigo. Eu ainda olhei para o meu marido e disse “vamos sair?” e ele concordou, mas depois pegou no sono. Parece que foi Deus mesmo. É difícil de imaginar isso tudo”.

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A filha e a neta que moravam no apartamento foram levadas para a casa de uma amiga da Fabiana na Zona Norte da capital. Ainda no centro, na região da Sé, a outra filha de Fabiana reside em um edifício também ocupado por movimentos sociais, onde a mãe consegue tomar banho. Como no acampamento não tem banheiros químicos ou duchas, as vítimas costumam contar com a solidariedade dos comerciantes da região, que cedem os banheiros para elas.

“Todos os dias de manhã eu vou no apartamento da minha filha tomar banho, mas lá é pequeno e ela tá grávida, não comporta a gente. Não quero preocupar a minha filha que tá quase ganhando o bebê. Eu vou lá, tomo um banho e vou sobrevivendo assim. Eu fico sentida com as pessoas que não têm como fazer isso”.

Criança vítima de incêndio
Segundo a Prefeitura de São Paulo, 131 crianças moravam na ocupação do edifício que pegou fogo. (Felipe Maciel/Divulgação)

Futuro incerto

Mesmo com opções de acolhimento em abrigos da Prefeitura, muitos moradores decidiram ficar na região com medo de serem esquecidos pela opinião pública e autoridades. Famílias inteiras dormem no chão logo na entrada da Igreja do Largo do Paissandu esperando conseguir um novo local seguro para morar. Fabiana dorme com o marido em uma das barracas do acampamento e não perde a esperança. “Eu não saio não, só vou sair daqui para a minha casa. A gente precisa de um lugar para morar. A ocupação não era um lugar onde as pessoas queriam estar. Também não era bagunça como muita gente pensa. Todo mundo aqui é de família”, conta. 

Na tarde de sexta-feira (4), um corpo foi encontrado* nos escombros do edifício e identificado como sendo de Ricardo Oliveira Galvão Pinheiro, de 39 anos, conhecido como “Tatuagem”. Ele aparece em um vídeo sendo resgatado pelos bombeiros, mas não conseguiu ser puxado a tempo e foi levado junto ao prédio que desabou. Até o momento, o Corpo de Bombeiros busca cinco pessoas que ainda estão desaparecidas.

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Segundo a Prefeitura de São Paulo, que realizou em março o cadastramento dos moradores que ocupavam o edifício, 131 dos 455 moradores cadastrados na época eram crianças de até 11 anos. Um laudo de 2015 dos bombeiros indicava riscos de incêndio no prédio.  

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