Método Marie Kondo não cabe na realidade brasileira, diz neurocientista
Para o especialista, nossa sociedade não é tão acumuladora quanto as de países mais desenvolvidos
Não faz muito tempo, Marie Kondo e suas técnicas de organização viraram febre pelo mundo ao ponto de a Netflix criar um seriado sobre o método da japonesa. Em “Ordem na Casa com Marie Kondo”, ela visita famílias norte-americanas que precisam de uma mãozinha para resolver a bagunça de suas casas e os ensina o verdadeiro valor da organização do lar.
Mas nem todos parecem aprovar seus ensinamentos. Em entrevista à BBC Brasil, o professor de neurociências Álvaro Machado Dias, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), classificou as técnicas como obviedades e afirmou que são incompatíveis com a realidade brasileira.
“Jogar fora as coisas da sua casa é um papo burguês, papo de país de primeiro mundo, no Brasil não faz nenhum sentido. Não é nossa pegada ser tão acumulador quanto o americano”, diz.
Ele não nega a relação entre o estado mental e o ambiente em que estamos, mas explica que as dicas de Kondo não funcionam igualmente para todos. “São modas que beneficiam uma parte grande da população que é caracterizada por excesso de bagunça mental e tem baixo nível motivacional.”
“Pensa: você já não tem muita energia para fazer as coisas, então sua vida vive jogada, assim como suas coisas. Se você organiza um pouco, tem uma representação do ambiente que te informa internamente que sua vida está menos jogada e com isso você se sente menos mal.”
Para ele, os ensinamentos seriam especialmente prejudiciais para quem tem tendências a sempre buscar se adequar às expectativas alheias. Pessoas assim possuem altos níveis de sentimentos negativos, ansiedade e angústia. “É um estado psicológico meio complexo, que tem a ver com a sensação de falta de originalidade, (a pessoa) não consegue se sentir plena, vive uma vida falsa, tudo ao redor é falso.”
A falta organização não seria benéfica para estes indivíduos por podar o estímulo para criatividade e quebra de monotonia de que tanto precisam. Ao contrário, prenderiam ainda mais a pessoa na “bolha de adequação”.
Machado Dias também discorda do critério de Kondo de avaliar apenas no momento do descarte o quanto de alegria um objeto proporciona. Segundo ele, isso deveria ser feito já no momento da compra. “Como filosofia, essa lógica (da alegria) poderia ir muito mais longe, e poderia ser uma própria lógica de racionalização do consumismo, afinal de contas, qual a vantagem de comprar algo que no futuro não vai te dar alegria?”
A princípio, o professor diz que ficou intrigado por ela não ter essa abordagem. “Depois eu entendi que é porque ela não está nem aí com isso, ela na verdade não é uma cientista social, não está muito preocupada em pensar o mundo”, diz ele. “Na verdade ela deve estar achando fantástico que deu tão certo falar coisas tão óbvias.”
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